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16/07/2018

Crónica da anunciada avaria irreparável da geringonça (144)

Outras avarias da geringonça.

Começando pelo estado da união de facto da ménage a trois (a que se adiciona o PAN como criada de servir), a geringonça lá vai aguentando porque é mais o medo de perderem o poder para a direita que os une do que as diferenças programáticas que os dividem. Multiplicam-se os esclarecimentos, avisos, as exigências, as ameaças, os votos piedosos, as declarações de fé, mas tudo isso é nevoeiro informativo num jogo de posições em que cada um tenta condicionar os outros. A geringonça será desfeita se Costa tiver a (pouco provável) maioria absoluta ou, não a tendo, se for substituída por um zingarelho do tipo bloco central ressuscitado - espécie de jangada para dois náufragos. É claro que a prazo a geringonça ou o zingarelho serão desfeitos por um possível quarto resgate.

Talvez um dos piores tiros no pé de Costa, mais até do que a promessa de reposição da contagem do tempo de serviço dos professores, foi a reversão para o horário das 35 horas que na época proporcionou a Costa um exercício de cinismo e/ou incompetência e a Marcelo um exercício de maquiavelismo para parolos. Contudo, Costa é homem para detectar por detrás de qualquer problema uma oportunidade, neste caso a de engordar a freguesia, e lá vai anunciando a contratação no futuro de mil jovens e a contratação no passado de 626 doutorados. Um parêntesis para me espantar como um governo que faz da «luta contra a precariedade», segundo o jargão socialês, uma prioridade e aumenta em 14,6% o número de recibos verdes no Estado.

Embora essa reposição do horário das 35 horas seja transversal a toda a administração pública, o impacto está a ser mais visível no SNS - leitura recomendada «O erro das 35 horas» de Miranda Sarmento. Apesar das medidas de emergência anunciadas como a contratação de 400 médicos reformados, esconder o desastre é cada vez mais difícil. Até o Expresso dedica uma página negra na última edição, perdida no meio do cor-de-rosa habitual, ao desastre do SNS com títulos que dizem tudo: «Urgências na mão de aprendizes» e «Sem camas, remédios ou exames». Como é cada vez mais difícil esconder e as enormes ineficiências que as disparidades entre as unidades hospitalares evidenciam, como no caso os hospitais de Santa Maria e Pulido Valente que se encontram em falência técnica e recebem mais dinheiro do que o Hospital de São João no Porto e fazem menos (fonte).

Se a dimensão do desastre actual do SNS tem de ser atribuída por inteiro a este governo, já o desastre da CP vem a rolar há décadas. O desastre rola, enquanto parte da frota está parada por avaria.

Uma das áreas em que o governo mais se auto-congratula é a da consolidação orçamental. À primeira vista parece milagrosa a redução do défice 3% do PIB em 2015 para 0,3% em 2018. À segunda vista nem por isso. Em primeiro lugar porque os 3% de 2015 incluem o resgate do Banif empurrado para as contas do governo PSD-CDS à 25.ª hora e em segundo lugar porque metade  dos 4.5 mil milhões de euros de redução do défice resulta da redução dos juros e do aumento dos dividendos do BdP. À terceira vista o milagre do Ronaldo das Finanças pode ter os dias contados quando os juros recomeçarem a subir e as sequelas das 35 horas começarem a fazer-se sentir em pleno.

As greves nunca vão de férias. Os estivadores anunciaram um dia de greve a 27 de Julho e os guardas-florestais, com grande sentido de oportunidade, marcaram três dias entre 20 e 22 de Julho.

O Portugal inovador das startups de Costa desceu uma posição no Global Innovation Index 2018 de 31 para 32, apresentando piores performances nos itens Market Sophistication (47) e Business  Sophistication (43).

No que respeita ao crescimento, outra área de auto-congratulação, os sinais não são muito animadores. O índice compósito da OCDE atingiu em Maio o nível mais baixo desde Setembro de 2013 e o indicador coincidente de actividade económica do BdP apresentou em Maio o ritmo mais moderado desde Dezembro de 2016 (fonte). Segundo as previsões da CE, 20 dos UE28 vão crescer mais do que Portugal em 2017 (fonte). De onde podemos acabar 2018 como o terceiro país mais pobre da zona euro, só à frente da Letónia e da Grécia, e arriscamos a ser em breve ultrapassados na UE28 pela Hungria e a Polónia.

É claro que há várias razões para ficarmos para trás e uma delas é o investimento privado e público. Quanto ao público da responsabilidade do governo, no primeiro trimestre cresceu menos de um terço do previsto. Porquê? Porque para manter o défice controlado sem reduzir as despesas correntes com os salários da freguesia do governo a aumentar é necessário reduzir o investimento.

Este ano a banca já emprestou mais de 3,5 mil milhões para crédito para compra de habitação, contudo, apesar do novo crédito ter vindo a aumentar, o stock de crédito vinha a diminuir desde 2010 em vésperas do resgate. Não mais. Em Maio o stock de crédito para compra de habitação voltou a aumentar. Ao contrário, o stock de crédito às empresas é agora inferior a 2016 e continua a descer.

Apesar do défice da balança comercial ter diminuído em Maio relativamente ao mesmo mês do ano anterior, à custa de uma estagnação das importações (haja Deus!), o crescimento homólogo das exportações que tinha sido 17,7% em Abril desceu em Maio para 6,2%.

No debate do Estado da Nação da passada sexta-feira, Costa fez o seu número habitual tirando da cartola as suas supostas grandes realizações e aldrabando, como de costume, os factos e até os números com as suas meias-verdades e meias-mentiras - leia-se o facts check do Observador, por exemplo.

Nota final: o Portugal aqui dissecado todas as semanas não é definitivamente o mesmo país de que nos fala Costa e o governo da geringonça. Também não é o país dos amanhãs que cantam retratado todas as semanas pelo Expresso, o semanário de reverência. Em nossa defesa, tenho a dizer que muito antes do resgate já este blogue o prognosticava. Diferentemente, o Expresso, a escassos três meses da bancarrota, na primeira página da sua edição de 5 de Fevereiro de 2011, sendo director Ricardo Costa, o meio-mano do António, anunciava na sua primeira primeira página «FMI já não vem». Como dizia o outro picareta falante, é só fazer as contas.

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