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26/03/2014

TIROU-ME AS PALAVRAS DA BOCA: Não há pachorra para quem finge que está no mesmo lugar

«Eu não quero tornar-me monotemático em relação ao manifesto dos 74, mas ele parece-me muito emblemático desse estilo tão português que gosta de chamar “respeito democrático” à necessidade de engolir a total incoerência de posições. Nada tenho contra pessoas que mudam de ideias ou se arrependem do que fizeram no passado – acontece a todos. Mas tenho tudo contra pessoas que defendem hoje o contrário do que defenderam ontem fingindo ao mesmo tempo que estão no exacto lugar onde sempre estiveram. Isso não é admissível. Isso não tem de ser aceite com complacência e falinhas mansas»

Quando eu vejo a maior parte daqueles 74 alertarem que a actual dívida impossibilita o crescimento, sou obrigado a recordar o que li e ouvi a propósito do famoso estudo de Reinhart e Rogoff que indicava que uma dívida acima dos 90% de PIB prejudicava gravemente o crescimento económico. Na fase socrática e pós-socrática da “espiral recessiva”, a esquerda pró-investimento defendeu que uma coisa nada tinha que ver com a outra. Repito: muitos dos subscritores defenderam fervorosamente a continuação do investimento e do endividamento. Escreveu o deputado do PS João Galamba em Outubro de 2010: “Tudo o que possa ser dito sobre a dívida – que é má, que é perigosa, que é boa – é absolutamente irrelevante para debates sobre o crescimento económico.” Dois anos e meio depois, o mesmo João Galamba, signatário do manifesto, deu uma entrevista ao Dinheiro Vivo, onde afirmava: “Que [a dívida] é impagável e um enorme entrave ao crescimento económico, disso não tenho a menor dúvida.” 


 O manifesto dos 74 está cheio de Joões Galambas, e isso não pode ser aceite como uma simples “divergência de opinião”, como Manuel Carvalho defende. O manifesto não requer só a reestruturação da dívida – requer também a reestruturação das opiniões de dezenas de pessoas, cujas convicções económicas vão variando alegremente conforme as suas simpatias políticas. O manifesto requer a galambização da pátria. E isso, desculpem lá, eu dispenso bem.»

Excerto de «A reestruturação das opiniões» de João Miguel Tavares, no Público

Vem a propósito lembrar que o que escrevi aqui vai para três anos:

Não defendo a reestruturação da dívida, ou seja não considero que Portugal tenha o direito de forçar os credores a uma qualquer combinação de reescalonamento das maturidades, redução de juros ou haircut. Pelo contrário, considero que a reestruturação da dívida provocará danos na credibilidade do país, danos não recuperáveis em menos de uma década.

Simplesmente prevejo que nos próximos anos o serviço da dívida pública portuguesa se tornará gradualmente insuportável para a economia portuguesa e isso levará os credores a aceitarem como inevitável uma reestruturação como a única via de garantirem com uma probabilidade razoável uma parte dos seus créditos.

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