Excerto de A última conversa de Saldanha Sanches com o Diário Económico
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É a democratização.
São os males bons. É o mal da abundância, como é evidente, com as estradas cheias de carros. E essa classe média começa a crescer de uma forma espantosa. O bom capitalismo - e acho que essa questão é interessante - que é o que funciona, o capitalismo nórdico, mesmo o inglês no essencial, o francês, conseguiu ter taxas de crescimento de três, quatro por cento por ano e aumentar sempre a distribuição.
É esse o sistema que defende para a economia portuguesa?
O sistema tem de funcionar. Aliás, até responderia com uma coisa que dizíamos muito no tempo do marxismo, que é: "A prova do pudim é que se come".
Continua a pensar da mesma maneira?
Estas máximas ou marcas ficam. Não tenho nenhuma razão para as deitar fora ou para as negar. De facto essa ideia está certa. Aliás, o Marx foi um pensador fabuloso, mas a sua concretização foi a desgraça que se sabe. O socialismo como projecto é uma utopia e como aplicação é o fascismo e o estalinismo.
Não achava isso nos tempos em que militava no MRPP, quando foi preso justamente por defender esses ideais?
Achava que era um preço a pagar, não se sabe bem porquê. Esse era um preço que devia ser pago. Era o que pensava. Isso passava pela prisão, pela tortura. A gente pagaria aquele preço porque era necessário para mudar o mundo. Era um erro enorme.
Como é que hoje olha esses anos em que acreditava que isso era o correcto?
Primeiro é necessário ficar claro: era um erro enorme. Não se pode negar que se praticavam crimes em nome disso e nós com essa política conduzíamos a esses crimes. Primeira questão. Em segundo lugar, acho que estava a agir de boa fé, que estava a ser generoso e mal orientado. Não pensava em mim. Não era o meu bem-estar nem o meu interesse que contavam.
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Mas estava a falar do bom capitalismo, do capitalismo dos países escandinavos. Acha que é possível transpô-lo para cá?
Nós cá temos um mau capitalismo. Hoje temos a crise que não tem nada a ver com isso, e que atingiu todos, ninguém escapou. Mas o nosso mau capitalismo tem um crescimento do produto muito baixo, meio por cento, e esse mau capitalismo... Hoje vimos aqui (numa conferência no CCB) Francisco Louçã enunciar alguns aspectos do pior do nosso capitalismo; mas para o Francisco Louça não há mau capitalismo. O capitalismo para ele é mau. Ponto. Acabou. A conclusão dele é que o capitalismo é mau em si. O PS e o CDS e o PSD, como são a expressão política desse mau capitalismo, não o podem denunciar. Isto é trágico. Os partidos com um programa que podia ser realista estão comprometidos com as piores formas de capitalismo. Aliás, para citar um homem do PSD, o Pacheco Pereira, são escolas do crime. Criam o crime. Não vale a pena tentar dizer mais. Quer dizer, nós não podemos ir a lado nenhum enquanto uma auto-estrada custar não 500, mas mil. Não podemos. Não há meios suficientes para fazer isso. Agora quem denuncia esse tipo de práticas são apenas aqueles que são contra o capitalismo.
Ou seja, acha que não temos nenhuma força partidária que possa pôr em prática esse bom capitalismo de que fala?
E que se revolte contra o mau capitalismo. Não temos. O PC denuncia o mau capitalismo de forma atabalhoada, o Francisco Louçã denuncia-o brilhantemente, mas ambos acham que o capitalismo nunca pode ser bom. Portanto, há que ser abatido porque não há bom capitalismo. Isso é uma tragédia. Partidos políticos que governem e podem governar não têm qualquer tentativa séria para acabar com a corrupção, para acabar com as disfunções que tornam o capitalismo em Portugal algo que não pode funcionar.
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Estou a falar com alguém que é um defensor da iniciativa privada.
Obviamente, com regras. Numa economia de mercado cumprem-se regras.
Por exemplo, que regras faltam?
Por exemplo, meter na cadeia os corruptos. Não é aceitável que alguém que saia do governo e que domina o Partido Socialista depois vá para uma empresa privada cujo principal objecto é fazer negócios com o Governo e com o Estado, mesmo que seja tudo feito com a maior clareza, há aqui uma suspeita e como é que se pode ultrapassar essa suspeita. O Dr. Jorge Coelho dominava o Parido Socialista. É capaz de ter excelentes qualidades como gestor. Aceito isso. Ele podia ter ido para uma empresa que se dedicasse à exportação, ou às obras públicas na Polónia, ou na República Checa, ou em Angola. Não tínhamos nada com isso. Mas ele está numa empresa que tem negócios importantíssimos com o Estado português. Ora quem é que está no poder? São os seus camaradas do PS. Dirimir esta suspeita é um trabalho de Hércules. Como é que é possível? E vamos supor que tudo corre de acordo com as regras, mas como é que nos libertamos da suspeita e como é que convencemos as pessoas comuns que tudo funcionou de acordo com as regras? Não quero discutir se são ou não cumpridas. Sei que é impossível convencer disso a pessoa comum.
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Pro memoria
Saldanha Sanches cedo se distanciou da paranóia lunática do marxismo-leninismo-maoísmo e passou a ser para o MRPP, o seu partido de que foi fundador, o «renegado Saldanha Sanches».
Our Self: Um blogue desalinhado, desconforme, herético e heterodoxo. Em suma, fora do baralho e (im)pertinente.
Lema: A verdade é como o azeite, precisa de um pouco de vinagre.
Pensamento em curso: «Em Portugal, a liberdade é muito difícil, sobretudo porque não temos liberais. Temos libertinos, demagogos ou ultramontanos de todas as cores, mas pessoas que compreendam a dimensão profunda da liberdade já reparei que há muito poucas.» (António Alçada Baptista, em carta a Marcelo Caetano)
The Second Coming: «The best lack all conviction, while the worst; Are full of passionate intensity» (W. B. Yeats)
Lema: A verdade é como o azeite, precisa de um pouco de vinagre.
Pensamento em curso: «Em Portugal, a liberdade é muito difícil, sobretudo porque não temos liberais. Temos libertinos, demagogos ou ultramontanos de todas as cores, mas pessoas que compreendam a dimensão profunda da liberdade já reparei que há muito poucas.» (António Alçada Baptista, em carta a Marcelo Caetano)
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