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02/05/2010

NÓS VISTOS POR ELES: A diferença de ser diferente

Tendo a ficar irritado com o discurso oficial obsessivo da situação de Portugal ser diferente da situação da Grécia, insistência que talvez revele falta de fé na crença da grande diferença. E, contudo, não pareceria haver fundamento para tal obsessão - não há conhecimento de alguém ter defendido a exacta igualdade das duas situações, nem mesmo os «especuladores», sobretudo eles que estão a arriscar o seu dinheiro e só por isso as suas análises merecem muito mais credibilidade do que as dos «duzentos palhaços que vão à televisão falar de economia» (César das Neves, num dia de inspiração). Ao contrário, os «especuladores» têm mostrado eloquentemente considerar por agora as duas situações bastante diferentes, tão diferentes quanto o spread da dívida a 5 anos e a probabilidade de incumprimento, respectivamente, são diferentes:

Grécia                 7,2%         44,1%
Portugal              2,9%         22,2%
[Fonte: CMA]

Tão diferentes quanto a probabilidade de incumprimento da dívida portuguesa resultante da avaliação dos «especuladores» é metade da grega. Então porquê insistir na diferença, em vez de insistir nas medidas de consolidação? Alguém escutou o governo irlandês a gritar a sua diferença? E não foi por não ter gritado que os «especuladores» deixaram de ver a diferença (ver gráfico seguinte - fonte: Citi Global Economics). Apesar de a Irlanda ter um défice previsto para 2010 (14,7%) maior do que o de Portugal (8,3%) e da Grécia (12,2%), os «especuladores» deram mais importância às medidas efectivas de consolidação orçamental, nomeadamente ao corte da despesa pública corrente (redução de 10% dos salários dos funcionários públicos, entre outras medidas).


Sendo diferentes, nem todas as diferenças nos são favoráveis (ver quadro seguinte). Por exemplo a dívida externa bruta e o investimento internacional e a sua evolução nos últimos anos.


Tudo isto a propósito do artigo da Economist de 24 de Abril (The importance of not being Greece) que, admitindo as diferenças, considera algumas delas bastante negativas para Portugal, nomeadamente a falta de competitividade da economia e o fraco potencial de crescimento (ver gráfico), para os quais contribuem uma burocracia sufocante, escolas de má qualidade, sectores protegidos da concorrência e rigidez das leis laborais.


O balanço da Economist teria sido ainda mais negativo se não tivesse tomado como fiável a informação atribuída a José Sócrates dos efectivos do funcionalismo público se terem reduzido de 747.000 para 675.000. Porém, isso é pura conversa fiada – a Economist deveria ter perguntado ao primeiro-ministro como explica da alegada redução de 10% dos utentes da vaca marsupial pública ter resultado um aumento da despesa corrente de 16,1%, entre 2004 e 2007, e de 9,6% entre 2007 e 2010, em plena crise. É conversa fiada porque, em primeiro lugar, o governo ainda hoje não sabe quantos são exactamente os funcionários públicos. Em segundo lugar, porque essa redução a ter tido lugar,  desconsiderando uns poucos milhares de mortos e sabendo-se que não há despedimentos na função pública e sendo a sua transferência para o sector privado em número significativo matéria de ficção, só podia ter sido por reforma (assim reduzindo apenas dez ou quinze por cento a despesa transferida para a CGA) ou para o sector público empresarial, ou seja mantendo a despesa corrente consolidada do Estado e dos seus apêndices ao mesmo nível.

O resultado de décadas de políticas intervencionistas e da omnipresença e omnipotência do Estado na economia só poderia ser o que é e os gráficos seguintes evidenciam claramente [fonte «Abril: pior depois do que antes (economicamente falando), Jorge Vasconcellos e Sá, jornal SOL de 30-04].


Ao ver estes gráficos, um marciano chegado a Portugal em 2010 seria tentado a concluir que, ao contrário da doutrina dominante, um regime totalitário pode ser uma melhor plataforma para o desenvolvimento do que um regime democrático e, em particular, um país fraco ao partilhar uma moeda forte poderá ficar ainda mais fraco. A primeira conclusão não pode ser dada como provada porque em Portugal, quer o regime totalitário, quer o democrático, foram infectados por um colectivismo secular deixado intacto pela morte de Salazar e aproveitado pela esquerdalhada durante o PREC para construir as bases do Estado Social Português, uma espécie de Estado Novo vivendo acima das suas posses e, por isso, irremediavelmente endividado. A segunda conclusão tem o fundamento dado pela falta das reformas indispensáveis e a permanência do Estado na economia e o seu intervencionismo na sociedade civil. Por isso, a adesão ao euro nesse contexto, ao proporcionar-nos crédito abundante e artificialmente barato, fez numa década o que de outro modo teria requerido várias.

Voltando ao Portugal-Grécia, para terminar, o igual é preocupante e o diferente nalguns casos é, por enquanto melhor, e noutros a médio prazo será pior, a não ser se o igual for tornado diferente.

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