Our Self: Um blogue desalinhado, desconforme, herético e heterodoxo. Em suma, fora do baralho e (im)pertinente.
Lema: A verdade é como o azeite, precisa de um pouco de vinagre.
Pensamento em curso: «Em Portugal, a liberdade é muito difícil, sobretudo porque não temos liberais. Temos libertinos, demagogos ou ultramontanos de todas as cores, mas pessoas que compreendam a dimensão profunda da liberdade já reparei que há muito poucas.» (António Alçada Baptista, em carta a Marcelo Caetano)
The Second Coming: «The best lack all conviction, while the worst; Are full of passionate intensity» (W. B. Yeats)

26/10/2023

O velho imperialismo do Novo Império do Meio. Nova Rota da Seda, uma tentativa de capturar os países pobres na armadilha da dívida

Continuação do post O velho imperialismo do Novo Império do Meio, dos Mares do Sul ao FMI

«Por estes dias, representantes de 150 países estão em Pequim para o décimo aniversário da “Nova Rota da Seda”, o megalómano e delirante plano de Xi Jinping para estender ao mundo o seu poder imperial. Trata-se, na realidade, de uma espécie de assembleia-geral de devedores, muitos deles em avançado estado de insolvência e público descrédito, à cabeça dos quais está Vladimir Putin. O balanço está muito longe das glórias prometidas no dia 7 de setembro de 2013, quando tudo começou. Projetos ruinosos. Retornos dececionantes. Economias em falência ou pré-falência. Muitos países a descobrirem que o “internacionalismo comunista” esconde afinal um credor voraz e inflexível, agora transformado num cobrador de dívidas.

A “Nova Rota da Seda”, ou na sigla inglesa BRI (Belt and Road Iniciative), é provavelmente o maior projeto de desenvolvimento de infraestruturas de sempre à escala global. Nestes dez anos a China emprestou um bilião de dólares a cerca de 100 países, financiou largas dezenas de novos equipamentos e comprou ou arrendou ela própria muitas infraestruturas estratégicas, como é o caso do porto de Pireu, na Grécia. Um longo e bem documentado ensaio de Michael Bennon e Francis Fukuyama, publicado na revista “Foreign Affairs”, mostra que muitos países que entraram na BRI foram apanhados na “armadilha da dívida”.

A situação é de tal forma grave que o FMI já teve de ceder 100 mil milhões de dólares para que alguns países paguem as dívidas à China. São os casos da Argentina, do Quénia, do Sri Lanka e da Etiópia. Outros têm vivido de moratórias e renegociações das condições dos empréstimos, casos da Malásia, de Montenegro, do Paquistão e da Tanzânia, para referir os mais relevantes. Muitos projetos são elefantes brancos, sem retorno económico nem, em alguns casos, qualquer utilidade. “O problema financeiro é grave”, afirmam Bennon e Fukuyama. Há suspeitas de muitos calotes ocultos, inúmeros e graves casos de corrupção, misturados com crimes ambientais como o financiamento de fábricas a carvão em vários países. Um balanço dececionante e preocupante para milhões de pessoas que terão de pagar tanta loucura.

A “Nova Rota da Seda” é, no entanto, mais do que passar da exportação de bens para a exportação de capital. “Não se trata de exportar dinheiro, mas de exportar uma visão e uma influência chinesa do mundo”, escreve Keith Bradsher, vencedor do prémio Pulitzer e chefe da delegação em Pequim do “The New York Times”. Para Xi, e seus aliados com Putin à cabeça, a BRI é uma arma de combate ao Ocidente e à sua cultura liberal e democrática. É a rota para um mundo multipolar assente na erosão da influência e do poder dos Estados Unidos e dos seus aliados. Um mundo de autocratas, de iliberais, de gente perigosa, para quem os fins justificam os meios. Como se vê na Ucrânia e se confirmou na cautela das declarações sobre a selvajaria cometida pelo Hamas no Sul de Israel. A “rota da seda” é a rota do mal.»

«A rota do mal», Luís Marques no Expresso

1 comentário:

Unknown disse...

O mundo já não é eurocêntrico...