« A ideia de emancipação total (da natureza e da sociedade) parece, desta forma, beber do pensamento iliberal, gerando, como consequência, a crescente necessidade do estado (sabemos como o iliberalismo de Rousseau conduz a regimes totalitários). E é precisamente isto que se tem vindo a registar nos países onde esta agenda está mais avançada: quanto mais enveredamos pela narrativa de que a nossa identidade resulta de uma mera escolha individual, mais necessidade temos de que o estado proteja e garanta essa escolha, levando a uma intervenção estatal crescente para desmantelar estruturas sociais tradicionais e erguer novas proteções. Como diz Deneen, o individualismo exige estatismo.
Um espírito liberal deve, nessa medida, olhar com suspeita para a argumentação da identidade enquanto livre escolha individual. Aceitar essa argumentação parece, na verdade, esquecer os princípios liberais fundamentais: o de que o problema fundamental é o exercício abusivo do poder político e não a sociedade; o de que as instituições e as regras sociais legadas pelas gerações anteriores são fundamentais para a autodisciplina e para uma vivência social pacífica; e o de que as áreas de conhecimento sedimentadas através do método científico não podem ser postas em causa pelo desejo pessoal e individual.
Iludidos com a ideia de liberdade absoluta, muitos liberais tendem a esquecer-se destes princípios, mas, ao fazê-lo, correm o risco de abrir a porta a regimes iliberais, o mesmo é dizer, a figuras fortes que prometem pôr a casa em ordem.»
Excerto de A tragédia do liberalismo de Patrícia Fernandes no Observador
Se calhar é isto que está a dividir os liberais da Iniciativa Liberal e que tem potencialidade de consumir o único partido que actualmente se reclama desses princípios num Portugal dos Pequeninos colectivista em que um liberal é quase tão raro com um lince de Serra da Malcata.
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