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15/04/2019

Crónica da avaria que a geringonça está a infligir ao País (183)

Outras avarias da geringonça e do país.

O semanário de reverência noticia, ou seja transmite o recado, «Costa segura Centeno nas Finanças» numa página completa com chamada em grande destaque na primeira página. Não vale a pena especular sobre o óbvio propósito do recado, vale a pena especular sobre a necessidade que o ditou - muito provavelmente a vontade de Centeno se pôr a milhas das ruínas da sua obra que ele, melhor que ninguém, tem obrigação de antecipar. Por mim voto para que fique, fazendo companhia a Costa quando o diabo chegar (Passos Coelho teve razão antes de tempo o que, como se sabe, é mortal em política).

Sendo certo que não é amanhã que o diabo vai chegar, até o FMI já sente um cheiro às suas brasas antecipando um défice de 2019 triplo da previsão do governo e um crescimento de apenas 1,7%, empurrando o governo a rever as suas previsões adiando a meta de crescimento de 2,3% para 2023, com a extraordinária justificação da conjuntura externa, a qual para o Ronaldo das Finanças só explica o arrefecimento da economia, porque o aquecimento esse foi devido às suas prodigiosas faculdades que pastorearam os turistas para Portugal e persuadiram os importadores europeus a importarem as exportações portuguesas.

Costa sabe poder contar com a vontade de ajudar do jornalismo de causas - boa vontade da facção socialista, má vontade da facção comunista e a vontade duvidosa do bloquismo que se divide entre a atracção pelos ministérios e a tentação da rua. Ainda assim, as sondagens não são animadoras. Segundo a Aximage, as intenções de voto no PS continuam a cair e as distância para o PSD diminuiu para 7,3% (34,6% - 27,3%). Só as sondagens da Eurosondagem, como é habitual, com uma diferença de quase 12 pontos percentuais (36,9% - 25,0%), lhe trariam algum consolo, se dispusessem de um módico de fiabilidade. Para o governo, a Eurosondagem está em matéria de votos o que a DBRS, a única agência de rating que nos dava notação acima do lixo permitindo ao BCE continuar a comprar-nos dívida, está para a dívida pública.

E se as sondagens não são animadoras não é porque Costa e os seus familiares não se esforcem com a maior falta de vergonha a que assistimos em políticos, pelo menos a Senhora Dona Maria II. Exagero? Nem por isso. Poderia encher o resto desta crónica com exemplos, mas dou apenas um: a presença nos Estaleiros de Costa, comandante-em-chefe da tropa dos socialistas que bramaram aos céus a privatização dos Estaleiros Navais de Viana do Costa (e até fizeram um funeral), de smoking  e em cima de passadeira vermelha, acompanhado pelo cônjuge arvorado em madrinha, para a cerimónia de lançamento à água do navio «World Explorer», cantando loas ao sucesso do que antes era um desastre.

A semana que passou assistiu-se a outro episódio da série FamilyGate com a demissão de mais familiar de uma secretária de Estado, dias depois de ter sido nomeado. Entretanto, demonstrando que para os socialistas aquilo que eles próprios baptizaram de ética republicana se reduz à lei. Lei que, segundo eles, define o certo e o errado, o bem e o mal, e está a ser preparada. É um princípio partilhado pelo Venerável Chefe de Estado que entre duas selfies já também preparou um projecto de lei. E, ouso dizer, é um princípio de certeza muito bem acolhido por qualquer déspota cleptocrata com tinta na caneta para assinar as leis que mais lhe convierem.

Parece que Centeno, o Ronaldo das Finanças, teve uma epifania e foi citado pelo Financial Times confessando algumas coisas inconfessáveis: a mudança da austeridade afinal «is not dramatic» e o resgate do Banif, levado a cabo por ele próprio, foi «probably the most expensive banking bailout in Europe», o que não seria surpresa para ninguém que tivesse lido o que por aqui escrevemos - por exemplo em Pro memoria (279) – Banif, o presente de Natal socialista.

Que a mudança da austeridade não foi dramática já sabíamos. É até o semanário de reverência que nos lembra que ao longo destes quatro anos de governo Costa (2016/19) não serão investidos mais do que €15,3 mil milhões, uma soma inferior à do governo Passos/Portas (2012/15)» e a «atual legislatura foi a que teve pior nível de investimento público em duas décadas». Este ano, mesmo que governo executasse todo o investimento público orçamentado de 2,3% do PIB, e isso nunca aconteceu nos 3 anos anteriores, Portugal estaria entre os 3 países da UE com menor investimento público.

Se não soubéssemos, ficaríamos a saber ao olhar com olhos de ver para o diagrama seguinte com dados de um estudo da economista Maria Manuel Campos publicado pelo BdP.
Negócios

Podemos acusar o governo de Costa de pouco fazer pela prevenção e combate aos incêndios florestais. Não o podemos acusar de nos inquietar com a divulgação da verdade, visto que «esconde documentos sobre incêndios há mais de um ano» e também não o podemos acusar de poupar nas nomeações de boys com esse pretexto. Na última fornada, o número de chefias quase triplicou de 23 para 65 nas três entidades dedicadas ao assunto. Parece mais uma medida de combate ao desemprego do que aos incêndios florestais. O gosto do governo por não nos inquietar não é só nos incêndios, também a divulgação obrigatória por lei dos contratos públicos na internet está a ser feita escondendo nomes, outras assinaturas ou dados pessoais, a pretexto da protecção dos dados pessoais.

Falando de contratos públicos, temos escrito aqui inúmeras vezes que o governo de Costa não faz nada para aliviar a dívida pública. Não é verdade, fizeram um contrato por ajuste directo (120 mil euros) com Pierre Cailleteau, antigo economista-chefe da Moody's, para fazer a promoção da dívida portuguesa junto das agências de rating, sob o lema se não consegues reduzir a dívida pública tentar continuar a aumentá-la.

Quem não vê inferno nenhum e se julga a caminho do paraíso são os consumidores que, entretidos com com as tretas de Costa e as lambidelas ao ego colectivo de Marcelo, continuam a fazer quilómetros (recorde de 10 anos em 2018) e a consumir com grande aplicação, como nos ensina o estudo da OCDE que mostra 36% da classe média portuguesa a gastar mais do que o rendimento e 24% sobre-endividada, colocando-nos numa honrosa quinta posição nesta matéria.

Em consequência e porque, como deveríamos saber, historicamente os aumentos do consumo impactam sobretudo as importações, a balança comercial portuguesa voltou a aumentar o défice em Fevereiro para 1,5 mil milhões - bem podemos colocar velas em intenção de São Francisco Xavier o Padroeiro do turismo. Quando é que já vimos este filme?

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