O texto seguinte é um resumo de «Os falhanços da política industrial» de Ricardo Reis no Expresso, um artigo de opinião com uma independência e lucidez infelizmente raras no nosso Portugal dos Pequeninos, sobre as políticas industriais adoptadas com o propósito do Estado intervir para fazer crescer a economia, criar os chamados "campeões nacionais" e, em particular, intervir na investigação e desenvolvimento (I&D), sendo este último propósito o foco do artigo.
Ricardo Reis começa por chamar a atenção que a UE e os EUA gastam os mesmos 0,7% do PIB na I&D e a diferença está no sector privado que nos EUA investe quase o dobro da UE e no sector público em que na UE o apoio à ciência tem mais a ver com a equidade entre os Estados membros do que nos méritos dos programas financiados. Um exemplo desta última diferença é o Human Brian Project (HBP) no qual a UE «investiu cerca de mil milhões de euros entre 2013 e 2013, que fez avanços fundamentais na neurociência e na computação com o objetivo de criar um simulacro artificial do cérebro humano. Esse objetivo nunca foi alcançado. Já a empresa privada DeepMind, adquirida pela Google em 2014, começou por querer desenhar jogos, mas rapidamente dedicou-se a desenvolver ferramentas de inteligência artificial, alcançou enorme sucesso na biologia molecular, e mais recentemente está a apostar nos braços robóticos.
No que diz respeito às políticas industriais, há casos de sucesso e casos de falhanço quando estudamos a sua história pelo mundo fora. Regra geral, são mais os falhanços, justificando um saudável ceticismo quando se vê um partido fazer disto a sua bandeira como o PS fez parcialmente nas últimas eleições legislativas. Um problema de raiz é que os políticos não são particularmente bons a escolher os sectores certos onde investir. Antes pelo contrário, é inevitável que os bolsos fundos do Estado atraiam o esforço de persuasão de muitos aldrabões e oportunistas preparados para se aproveitarem do político bem-intencionado.
Outro problema é que uma empresa de sucesso exige muito mais do que identificar uma oportunidade de negócio. Fica bem num artigo de revista falar do momento Eureka que levou a criar a empresa, mas o seu sucesso faz-se antes no dia a dia a executar um plano, controlar custos, convencer clientes, montar processos produtivos, gerir pessoas, e tomar milhares de decisões para depois, com bastante sorte, finalmente ter algum lucro. Em 2015, dois engenheiros da Tesla mudaram-se para a Suécia e, com enorme apoio do Banco Europeu de Investimento, montaram uma fábrica de baterias. O potencial era ilimitado, o timing o correto, e investiram-se mil milhões de euros nas empresas, entre dinheiro privado e público. Esta semana, o “Financial Times” noticiava que a Northvolt está à beira da falência. Nunca conseguiu ser eficiente e competitiva em relação aos rivais chineses que começaram na mesma altura.
Esta semana, o Expresso contou a história da portuguesa Fusion Fuel, fundada em 2018 para produzir hidrogénio verde. Não faltaram os apoios públicos e o secretário de Estado da Energia teve mais de 50 reuniões com os seus empresários entre 2019 e 2020. Em 2021, a Fusion Fuel foi um dos grandes beneficiários do dinheiro do PRR e em janeiro de 2023, durante uma visita do primeiro-ministro António Costa à empresa, o seu gestor afirmava ter recebido 55 milhões de euros de apoios públicos. A empresa foi cotada no Nasdaq em dezembro de 2022, e prometia um investimento de 450 milhões de euros em Sines.
Infelizmente, logo em 2023 a empresa reconheceu que o desenvolvimento da tecnologia estava a ser mais lento do que o esperado, desistiu do projeto de Sines, e acabou por só faturar 4 milhões de euros. No primeiro trimestre de 2024, as receitas foram zero e uns meses depois a empresa internacional foi suspensa da bolsa. Na semana passada, os gestores pediram a insolvência para a sua empresa portuguesa.
Falhar faz parte de qualquer negócio, com ou sem apoios públicos. Mas estes casos ilustram uma das grandes lições do empreendedorismo, quer na sua versão privada quer na sua versão de política industrial. Tão ou mais importante do que escolher vencedores é identificar cedo os fracassos e ser imperioso em fechá-los rapidamente contendo os custos destes falhanços. É nisto que os políticos são especialmente maus. Não só porque têm muitas outras coisas para fazer, mas também porque qualquer projeto falhado é explorado no debate político de forma interminável e impiedosa. Temos de fazer algo na Europa, mas atirar mais dinheiro para o que tem falhado não é solução.»
Sem comentários:
Enviar um comentário