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12/11/2018

Crónica da avaria que a geringonça está a infligir ao País (161)

Outras avarias da geringonça e do país.

Já repararam no contraste entre uma parada militar empinocada, diria até megalómana, e a indigência de forças militares que não cumprem os compromissos com a Nato e, mais grave ainda, se deixam enredar em episódios trágico-cómicos como a palhaçada de Tancos?

Igualmente empinocada, e diria até megalómana, é a prestação mediática do novo secretário de Estado da Energia que se assume como o grande líder da transição energética, fala de Trump, um tema incontornável para qualquer imbecil, e evoca o seu antigo patrão Sócrates (fonte). Extasiado com a sua recém-adquirida importância perora também sobre os hospitais.

Para continuar com coisas empinocadas, cito o anúncio do governo na feira de vacuidades da Web Summit de 190 milhões de euros para PME portuguesas inovadoras, que se suspeita ser uma espécie de ressurreição dos 200 milhões de 2017 e/ou dos 400 milhões de 2016. Com feira de vacuidades não quero significar que a Web Summit é inútil. Não, ela é útil como evento turístico que atrai umas dezenas de milhar de estrangeiros que gastarão por cá o suficiente para pagar os 10 milhões do nosso dinheiro que o Tó paga ao Paddy. Quanto ao resto, cito Arlindo de Oliveira, presidente do IST, que nos diz que «as tecnologias e a inovação lá apresentadas são, na sua grande maioria, superficiais.»

Talvez infectada por um vírus realista, Catarina a Pequena, líder do BE, defendeu em entrevista ideias insólitas como: «o país não pode contar que haverá sempre uma conjuntura externa favorável», temos «uma economia muito vulnerável a choques externos» e por isso precisamos de «uma estratégia de longo prazo» que amorteça efeitos das crises económicas. É caso para ficarmos preocupados com a saúde da mocinha.

Em matéria de greves dos funcionários públicos continuamos bem, obrigado. Temos a inovação dos enfermeiros que reuniram 308 mil euros em crowdfunding para financiar mais uma greve; temos uma greve dos funcionários judiciais que pode durar até Janeiro e «a convocação pelos juízos de 21 dias de greve a começar este mês e a terminar em outubro de 2019, em datas ainda por definir» («terminar em outubro de 2019», sic do Expresso e não SIC). Apesar de muito queixosos, os utentes da vaca marsupial pública têm uma vida regalada quando comparada com os párias do sector privado. Veja-se o SNS, por exemplo, cujas despesas entre 2015 e o OE 2019 deverão aumentar 1,2 mil milhões e, no entanto, a qualidade de serviço tem estado a decair o que não admira porque 60% do aumento foi para aumentar salários.

O sucesso de Costa e do seu lugar-tenente para as finanças em vender à opinião publicada e à opinião pública o estado miraculoso em que estão a deixar o Estado não está a impressionar a Comissão Europeia que estima um crescimento do PIB e do emprego menor e um défice orçamental maior e não acredita no corte de 800 milhões da despesa. A verdade é que o Ronaldo das Finanças também não acredita; a diferença é que ele é sabe onde irá fazer as cativações; pode ser nas locomotivas da CP, pode ser no cancelamento das listas de espera do SNS.

É claro que há boas razões para a falta de fé da CE. O desemprego subiu no Verão pela primeira vez em seis anos e a taxa de desemprego manteve-se no 3.º trimestre e, se a população empregada aumentou 100 mil pessoas num ano, metade desse aumento deve-se à vaca marsupial pública. Em matéria de crescimento, está a abrandar a locomotiva europeia que tem puxado as exportações. Por tudo isso, não admira que as previsões da CE nos coloquem em 24.º lugar ex-aequo com mais três países. E não, esses não são países comparáveis, que esses crescem todos acima de Portugal; são Alemanha, Bélgica, Dinamarca e Suécia.

A essas boas razões podemos acrescentar a balança comercial com as importações a crescerem 7,8% até Setembro, acima dos 6,7% das exportações.

As famílias compraram nos últimos 4 anos 16,5 mil milhões de dívida pública e actualmente detêm mais de 30 mil milhões, o equivalente a 12%. Os residentes, isto é as famílias, o BdP (ao abrigo do alívio quantitativo), os bancos e as empresas em geral, detêm 51% da dívida pública de onde o «não pagamos» da esquerdalhada equivaleria a mais um assalto aos bolsos dos portugueses. (fonte)

Mas o mais interessante a respeito da dívida é que a dívida pública total (incluindo a não classificada segundo os critérios de Maastricht - ver aqui a explicação da diferença) subiu entre o final de 2014 e Agosto de 2018 de 282,9 para 313,4 mil milhões ou seja um aumento de 30,5 mil milhões. Note-se que este número raramente é referido porque uma parte da aparente redução da dívida resulta desta engenharia contabilística em que os governos socialistas são mestres.

Também a economia no seu todo está cada vez mais endividada ao exterior. Se compararmos a Posição de Investimento Internacional no final do 2.º trimestre com a do período homólogo de 2016 constatamos que em dois anos o défice externo aumentou quase 11 mil milhões para -209,5 mil milhões e é o sétimo mais negativo, sendo que nesses 7 países encontramos Espanha, França e Reino Unido com economias muito maiores (eurostat).

E, por falar em mestria dos governos socialistas, o incrível acontece. Costa, certamente municiado com a ciência do Ronaldo das Finanças, corrigiu a Comissão Europeia mostrando a imprecisão das suas estimativas no passado - via Tweeter, sublinhe-se.

Só esta semana será conhecida a estimativa rápida do INE da evolução do PIB do terceiro trimestre, mas já se percebeu que se confirmará um arrefecimento da economia com o crescimento a cair de 2,4% no 2.º trimestre para abaixo dos 2,2% no terceiro.

Segundo a estimativa de Mira Amaral no seu artigo «Défice zero?» no Expresso, um dos feitos do Ronaldo das Finanças é ter «agora 1.320 mil milhões de receita fiscal volátil financiando um acréscimo de 1.100 milhões de euros em despesas rígidas», sendo estas últimas principalmente despesas correntes com pessoal.

Quereis saber para onde vai a poupança das famílias que não existe e o investimento estrangeiro produtivo que também não existe? Vede que em 2017 se transaccionaram 227 mil imóveis representando 24,3 mil milhões de euros (um aumento de 13,5% em relação a 2016).

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