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11/11/2005

SERVIÇO PÚBLICO: já não se trata de não fazer as coisas certas, trata-se de fazer as coisas erradas

O Público anunciava ao princípio da manhã de ontem que «o Millennium bcp propôs ao Governo a passagem da totalidade dos trabalhadores do banco para o regime geral da Segurança Social o que, a concretizar-se, implicará a transferência para a Segurança Social do fundo de pensões dos seus empregados, avaliado em quatro mil milhões de euros, o equivalente a 2,9 por cento do Produto Interno Bruto (PIB) de 2005».

No fim da manhã acrescentava que «o ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, Vieira da Silva, e o representante da comissão de trabalhadores do BCP, Bastos Torres, disseram hoje que desconhecem qualquer proposta do Millennium bcp para a transferência do fundo de pensões do banco privado para o regime geral da Segurança Social

À tarde citava a administração do BCP que «afirma que não apresentou nenhuma "proposta formal" para a passagem da totalidade dos seus trabalhadores para o regime geral da Segurança Social e a consequente transferência do fundo de pensões

Para perceber o que pode estar a passar-se não é preciso enveredar por teorias conspiratórias. Basta ligar o desconfiómetro e analisar os factos.

1.º facto - este chuto para a frente (já se verá porquê) da transferência de responsabilidades e dos correspondentes fundos para a Segurança Social já foi dado muitas vezes no passado recente, com destaque especial para o caso da CGD (ver o inventário pelo insurgente João);

2.º facto - esta eventual transferência dos fundos de pensões é altamente conveniente, agora e sobretudo no futuro, para o Millenium bcp que, tendo recorrido maciçamente à antecipação de reformas do pessoal dos bancos que comprou, ficou com o volume gigantesco de responsabilidades por pensões no regime de «benefícios definidos»;

3.º facto - isso obrigou e obrigará no futuro a dotar o fundo para compensar menos-valias durante as fases de bear market (veja-se o que se passou com os fundos de pensões ingleses que têm insuficiências de biliões de libras);

4.º facto - esta eventual transferência dos fundos de pensões do Millenium bcp é altamente conveniente para o governo actual, porque lhe permite minimizar o défice durante algum tempo;

5.º facto - essa transferência é altamente inconveniente para a sustentabilidade da Segurança Social pois faz entrar imediatamente 15 mil reformados com pensões muito superiores à média e aumenta as responsabilidades futuras pelas pensões de 12.400 activos que transitariam para o regime geral;

6.º facto - como a Segurança Social vive num sistema de pay as you go, os 4 mil milhões de euros irão financiar a despesa corrente com pensões, subsídios de desemprego, doença and so on e, talvez (um grande talvez), uma pequena parte fosse afectada ao fundo de estabilização da segurança social.

Em conclusão, numa operação destas todos ganham, excepto vocês, que são novos, os meus filhos e os meus netos. Na pior hipótese, eu por mim tanto me faz. Na melhor hipótese, pode ser que o estado napoleónico-estalinista me alivie a punção fiscal durante um ou dois anos.

Post scriptum: já não menciono o facto desta eventual transferência ser exactamente o contrário do que se está a fazer um pouco por todo o lado, e até na Europa Social, e, a bem dizer, até cá no burgo, com as tímidas reformas que visavam reforçar o 2.º e o 3.º pilar e não aumentar a insustentabilidade do 1.º pilar.

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