«Na sexta-feira à noite [da semana passada], enquanto os Toronto Blue Jays iniciavam a World Series contra os Los Angeles Dodgers, foi exibido durante o jogo um anúncio "anti-tarifas" do governo provincial, apresentando excertos de um discurso de Reagan na rádio, de 1987. O anúncio reorganizou as palavras de Reagan, mas não alterou necessariamente o seu teor: Reagan, um republicano do final do século XX, era a favor do comércio livre. Trump, o autoproclamado "Homem das Tarifas", não gostou da recordação. Sugeriu que o anúncio tinha sido gerado por inteligência artificial e, posteriormente, chamou-lhe "fraude" ao anunciar um aumento de 10% nas tarifas sobre os produtos canadianos.
À primeira vista, Trump e Reagan pertencem à mesma linhagem. Ambos são figuras emblemáticas do Partido Republicano e da política nacional, que alcançaram o seu prestígio ao transpor as capacidades aprimoradas num mundo mediático para outro. Reagan, ator de cinema e porta-voz, adaptou-se perfeitamente à presidência, transformando-a numa série de cenas televisivas. Trump, a caricatura dos tablóides e estrela de reality shows, conquistou a atenção dos americanos de forma quase inabalável, transformando a presidência num fluxo interminável de indignação e provocação.
Contudo, os ambientes mediáticos em que ambos prosperaram não podiam ser mais diferentes. Recompensam tons, ritmos e compreensões radicalmente distintos do que significa autoridade política. O conflito em torno do anúncio de Ontario não se resume, portanto, à mudança de posição do Partido Republicano em relação ao comércio. Expõe como o nosso ambiente mediático remodelou a própria performance da presidência. (...)
Talvez seja por isso que o anúncio canadiano tenha provocado tanto Trump. Enquanto Reagan atenuava os conflitos para projectar uma imagem de unidade, Trump intensifica-os. A aspereza é precisamente o objetivo. O anúncio de Ontário tratava do comércio, mas talvez também abordasse algo mais profundo. As palavras de Reagan — calmas, confiantes e proferidas com o seu à-vontade quase sobrenatural em público — correm o risco de ser convincentes. O próprio discurso radiofónico foi uma tarefa menor de fim de semana em Camp David, motivada por rumores de protecionismo entre os democratas do Congresso. Mas na gravação em vídeo, Reagan lê o texto com fluidez, demonstrando ser um profissional exemplar também neste meio. (...) »
Jake Lundberg, The Atlantic
Mais do que as diferenças mediáticas e de estilo entre Reagan e Trump, a meu ver as diferenças substanciais residem em estarmos perante, por um lado, um político genuinamente democrático e geralmente respeitador das instituições, e por outro perante uma criatura com uma abordagem transaccional à política para quem não existem fronteiras entre o público e o privado, entre a política e os negócios, entre os políticos e a família, uma prática que Jonathan Rauch classificou certeiramente como o patrimonialismo à la Max Weber, comum nas monarquias absolutistas e inaceitável nas repúblicas democráticas. É claro que tudo isto para os devotos do trumpismo é igual ao litro porque, à parte uma pequena minoria - sobretudo os tecnogarcas, que não acreditam uma palavra do catecismo MAGA - a imensa maioria dos aderentes não se identifica necessariamente com o que Trump está a favor, mas, sobretudo, com o que eles pensam que ele está contra.
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