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30/07/2025

SERVIÇO PÚBLICO: A irracionalidade do Sistema Eléctrico Nacional

Alguns dias depois do último apagão no dia 28 de Abril, o Dr. Pedro Amaral Jorge, presidente da APREN – Associação Portuguesa de Energias Renováveis, veio dizer urbi et orbi que «atribuir a culpa do apagão às renováveis é absurdo», o que, podendo ser exagerado ou não ser toda a verdade, não é absurdo dada a natureza intermitente das energias renováveis (ver a título de exemplo imagem aqui ao lado e atente-se que no caso português não há baterias) e a consequente complexidade de gerir os sistemas eléctricos que delas dependem fortemente. Estamos perante aquele tipo de problemas que se enquadram no adágio "too much of a good thing can be a bad thing", sendo certo que a medida do excesso e o limite a partir do qual temos um problema é eminentemente mutável e dependente do contexto físico e dos sistemas de gestão da energia existente.

A agravar estes problemas temos no caso português os incentivos errados para investir nas energias renováveis que atingiram o auge com os governos socialistas e foi a este respeito que recordei ter lido recentemente um artigo do Eng. Clemente Pedro Nunes, que vou citar integralmente para não se perder na espuma dos dias, como dizia o Boris, em intenção de quem preferir conhecer a natureza das coisas em vez de debitar slogans. Aqui vai ele.  

«A competitividade da economia portuguesa exige um Sistema Elétrico otimizado.
             
A eletricidade, entendida como ‘fluxo eletrónico’, não se armazena diretamente, o que torna o Sistema Elétrico muito exigente em termos do fornecimento estável aos consumidores.

A introdução, a partir de 2005, de milhares de MW de potências intermitentes, eólicas e solares, protegidas por FIT – Feed In Tariffs, provocou um ‘desastre económico’ no Sistema Elétrico Português.
As FIT são ‘mecanismos político-contratuais’ que conferem, aos investidores que deles beneficiam, uma ‘reserva de mercado’ com as seguintes vantagens:
1. A respetiva eletricidade tem acesso sempre garantido à Rede Pública, mesmo que o mercado dela não necessite;
2. O produtor tem sempre um preço de venda garantido, normalmente muito acima do preço do mercado livre nesse momento;
3. Todos os encargos com os backups para evitar os ‘apagões’ provocados pelas intermitências, são suportados pelos consumidores.

As FIT beneficiam ainda neste momento 6.000 MW de potências eólicas e cerca de 500 MW de potências solares, e a sua vigência vai ainda prolongar-se até 2034!
Esta ‘reserva de mercado’ até 2034 vai afetar o Sistema Elétrico Português, tanto os consumidores, que têm de pagar os sobrecustos, como os novos produtores elétricos, que terão de se ajustar às intermitências de eólicas e solares.

O relatório da SU Eletricidade relativo a 2023, revela que os preços médios pagos nesse ano aos produtores intermitentes com FIT, foram os seguintes:
– Solares: 315,4 Euros/MWh
– Eólicas Offshore: 159,5 Euros/MWh;
– Eólicas em terra: 96,6 Euros/MWh.

Muito acima dos preços de mercado, e que originou um sobrecusto total para os consumidores de 1.837 milhões de euros em 2023.

Para além destes sobrecustos, os consumidores vão ter ainda de pagar no futuro a Dívida Tarifária do Setor Elétrico, criada em 2008 pelo Governo Sócrates, e que está ainda perto dos 2.000 milhões de euros.

Perante esta ‘calamidade económica’ o bom senso aconselha que não se concedam mais FIT a mais potências intermitentes.

Só que, recentemente, foi anunciado pela ministra do Ambiente e Energia o lançamento dum leilão para instalar mais 2.000 MW de potências eólicas intermitentes no offshore, protegidas por contratos designados por CfD – Contratos por Diferença, que concede, a quem deles beneficia, uma ‘reserva de mercado’ idêntica às FIT.

A irracionalidade de conceder mais FIT/CfD a eólicas offshore é gritante!

Existindo já hoje 6.000 MW de potências eólicas intermitentes com FIT, quando o vento sopra há excesso de produção e os preços de mercado afundam, para perto de zero.

Ou seja, o Governo prepara-se para obrigar os consumidores a pagar nas TAR – Tarifas de Acesso à Rede um preço caríssimo, fala-se em FIT/CfD de 200 Euros/MWh, para produzir eletricidade às horas em que não é necessária!

Resta a esperança de que o novo Governo reconsidere, não conceda mais nenhuma FIT/CfD a mais nenhuma potência intermitente e estabeleça como prioridade para o Sistema Elétrico a respetiva otimização económica.

Para isso deverá promover:
a) A instalação de mais ‘armazenagens otimizadas’ de eletricidade intermitente, a começar pela de bombagem/turbinagem nas três barragens do Zêzere-Cabril, Bouçã e Castelo do Bode.
b) O reforço urgente das interligações elétricas entre a França e a Península Ibérica, a fim de ‘racionalizar a utilização das intermitências’.

É importante referir que se encontra em construção uma nova interligação de 2.000 MW no Golfo da Biscaia, que irá ligar Bordéus a Bilbau, o que elevará o total das interligações França/Espanha para 5.200 MW.

A conclusão desta interligação é prioritária, sabendo-se que já se iniciou, em 16 de Maio último, a construção em Cubnezais, junto a Bordéus, do posto de transformação francês, não se conhecendo, todavia, a situação do lado espanhol.

A otimização do Sistema Elétrico é essencial para garantir a competitividade da economia de Portugal, e criar empregos qualificados no nosso País.»

O Sistema Elétrico e a Competitividade da Economia de Portugal, Clemente Pedro Nunes, professor do IST e especialista em energia

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