Em tempos o Impertinências acrescentou ao Glossário o termo Teatro independente, definindo-o como o teatro que depende do estado; o teatro a quem o estado diz «toma lá dinheiro e faz qualquer coisa» (A. Feio). Por extensão, o conceito pode aplicar-se a qualquer outra arte «independente» cujo público é um qualquer júri a quem pagam para dar pareceres.
Parece um pouco exagerado? Só à primeira vista. Tome-se, por exemplo, o último caderno Actual do Expresso.
- Na página 5 encontramos um anúncio da Companhia Nacional de Bailado, subsidiada pelas «verbas» do MC;
- Na página seguinte podemos ler o drama do desaparecimento da «verba» para o S. Carlos que impedirá(ia) a apresentação de O Rapto no Serralho e Wozzeck;
- Ainda na mesma página anuncia-se a demissão do director da Torre de Tombo, por achar que o lugar é «político», lamentando-se por não ter conseguido fazer mais por «falta de verbas»;
- Na página 8 o director do Instituto das Artes lamenta-se que a única «verba» que tem para 2005 são 177 euros;
- Na página seguinte o MC «condena» o aqueduto das Águas Livres ao corte parcial - quem sabe se para reforçar a «verba» noutro orçamento;
- Na página 11 mais um anúncio da Companhia Nacional de Bailado,
- Na página 12 anuncia-se um Guia das Artes, inevitavelmente financiado pelo MC
- Na mesma página fala-se de projectos para «antigas casas de mineiros (das minas de S. Domingos) para turismo de habitação (que) vai permitir usufruir do primitivo ambiente das minas» (mal posso esperar), tudo, uma vez mais, com «verbas» que ainda não se sabe donde virão;
- Na página 13 mais 4 anúncios de mais «teatro independente» ;
- Na página seguinte referem-se várias «iniciativas culturais» a realizar em instituições contempladas com mais «verbas»;
- Nas páginas 16 e 17 escalpeliza-se o Dioniso, Rè di Portogallo, ópera igualmente beneficiária das «verbas» do MC
- Depois de um interregno que vai até à página 27, onde se fala de produtos artísticos dependentes (do sucesso), as artes «independentes» voltam na página 28, ponto onde sucumbi interrompendo este deprimente inventário.
Moral
São duas:
1) Res non verba
2) Com arte e engano vivo metade do ano, e com engano e arte, a outra parte.
Este último ditado popular assenta como uma luva aos trabalhadores franceses da cultura, os intermitentes, que vão desde o barítono até à telefonista da Ópera ou ao porteiro do Louvre, e que na última contagem eram uma legião - nada menos de 100 mil, sempre a aumentar desde a criação da legião que remonta às sequelas do Maio 68.
Esperem para ver se esta categoria dos intermitentes, uma brainchild concebida num processo de clonagem e parida para a política doméstica pelo Bloco de Esquerda, a ser um dia adoptada pelo inefável professor Carrilho. Cfr. a página 84 do programa de governo dos Anacletos:
«a criação do estatuto sócio-profissional do artista, de forma a garantir protecção social (reforma, subsídio de desemprego, acesso ao serviço nacional de saúde...) aos trabalhadores intermitentes ou sazonais, bem como a garantia de uma aposentação precoce para as profissões de alto desgaste físico (bailarino, artista de circo)»
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