«Quando os Estados Unidos investiam noutros países, ou quando importavam bens e serviços de outros países, precisavam de dólares para os pagar. De onde vinham esses dólares? De umas impressoras no Banco Central dos Estados Unidos. Eram papel que o resto do mundo começou por aceitar porque era pagável em ouro e que continuou a aceitar a partir do momento em que deixou de o ser. Não são riqueza saída dos Estados Unidos. São dívida que, a partir de 1971, os Estados Unidos deixaram de pagar.
É a isto que Donald Trump chama riqueza americana detida pelos outros países através de um processo de roubo. Há bandeiras dos Estados Unidos sobre muitos milhares, para não dizer milhões, de terrenos, de minas, de fábricas, de imóveis, de empresas detidas por americanos em praticamente todo o mundo. Há centenas de milhões de cidadãos e milhões de empresas, dentro dos Estados Unidos, que, durante 80 anos seguidos, compraram os bens e os serviços produzidos em todo o mundo, que consumiram (sem os terem produzido). Estes ativos e estes bens e serviços foram “pagos” com dívida americana (dólares) que o mundo foi aceitando, só tendo sido realmente pagos nos casos em que estes dólares regressaram aos Estados Unidos, para compra de ativos e para compra de bens e serviços americanos por parte dos outros países.
Os dólares hoje detidos por todo o mundo, os que tendo saído dos Estados Unidos não regressaram (o défice acumulado da balança de capitais e da balança de bens e serviços dos Estados Unidos durante estes últimos 80 anos) são dívida externa dos Estados Unidos — não do Estado, ou do Governo, ou do Tesouro, mas da nação americana, através do seu sistema bancário, tendo no vértice o Banco Central (melhor, o conjunto de Bancos Centrais dos Estados Unidos que integram o chamado Sistema de Reserva Federal).
É isto que Donald Trump designa de riqueza roubada pelo resto do mundo: dívida externa dos Estados Unidos, a maior dívida do mundo, desde há muitos anos em aumento consecutivo, de que são credores os povos do mundo inteiro.
Há nesta “narrativa” de Donald Trump (para usarmos o termo consagrado por José Sócrates) um misto de ignorância, de atrevimento e de boçalidade. Não admira que esteja a levar o resto do mundo a tomar consciência da verdadeira natureza do dólar, apeando-o de um estatuto que deixou definitivamente de merecer.»
Excerto do artigo de Daniel Bessa no caderno de Economia do Expresso de 9 de Maio
9 comentários:
Conversa da treta do Daniel Bessa.
O dólar é aceite em todo o lado.
Ponto de vista.
No médio, longo prazo a realidade revelará qual foi a melhor estratégia/gestão.......
«Estes ativos e estes bens e serviços foram “pagos” com dívida americana (dólares) que o mundo foi aceitando, só tendo sido realmente pagos nos casos em que estes dólares regressaram aos Estados Unidos, para compra de ativos e para compra de bens e serviços americanos por parte dos outros países.»
Isto não é verdade e tanto o (Im)Pertinente como o Daniel Bessa sabem disso perfeitamente. Desde logo, praticamente todas as moedas do mundo são FIAT e, portanto, criadas através de dívida. Se isso é injusto quando são os EUA a fazê-lo com dólares, então, também é injusto quando a UE o faz com euros, a Grã-Bretanha o faz com libras, ou quando a China o faz com yuans.
Mas, mais importante, o Daniel Bessa omite propositadamente que, ao comprarem certos bens de outras partes do mundo “sem os terem produzido”, os EUA desapossaram muitos norte-americanos que produziam esses bens nos EUA para enriquecerem gente de outras partes do mundo e, é claro, uma elite restrita dos próprios EUA. Ao omitir esta realidade, o Daniel Bessa falha em endereçar a motivação principal de Donald Trump, o regresso da produção industrial aos EUA que, sendo ou não possível, é uma das maiores promessas que ele fez ao seu eleitorado.
Convirá também lembrar que as pessoas que compraram “dívida americana” usaram quase sempre uma parte dessa “dívida” para continuar a comprar um pouco de tudo nos seus próprios países… e até, nalguns casos, os seus próprios países! Eu não me importava nada de ter um bocadinho de “dívida” dessas!
Resumindo e concluindo: demagogos há muitos, mas os maiores são aqueles que criticam os outros sem apresentarem alternativas. O Daniel Bessa não explicou o que fazer aos desapossados dos EUA e, sem isso, será sempre difícil convencê-los de que Donald Trump está(?) errado.
Caro Afonso, os "desapossados" dos EUA têm de fazer o que os MAGA e os Cheganos recomendam aos outros e com o que eu concordo plenamente: dar corda aos sapatos e ir trabalhar.
Mas trabalhar em quê, caro Anónimo, se um vietnamita ou um indonésio faz o mesmo no seu país de origem por uma fracção do salário? O caro Anónimo acha mesmo que é viável que a maior parte dos americanos trabalhe na área dos serviços?
É fácil falar quando se tem a barriga cheia. Eu, por exemplo, tenho a sorte de ter estudado e de ter um bom emprego, e também tenho o mérito de ter aproveitado a maior parte das oportunidades que me foram concedidas. Mas muitos não têm a mesma sorte e alguns nem sequer a inteligência suficiente para fazer certo tipo de trabalhos complexos.
Dizer a essas pessoas que elas têm simplesmente de ir trabalhar é insultá-las. Desde logo, porque muitas delas trabalharam durante décadas a fio, mas foram despedidas em resultado da deslocalização das fábricas norte-americanas para outras partes do mundo.
Mas também é insultuoso porque as oportunidades não surgem de igual forma para todos, muito menos quando se compete com o planeta inteiro. Para alguém que trabalhe na alta finança, por exemplo, a globalização é a melhor coisa o mundo, naturalmente. Quantos mais países puder juntar à sua lista de mercados, melhor.
Mas o que fará alguém que montou uma fábrica ou comércio de produtos que, entretanto, teve de fechar devido à concorrência desleal dos "mercados emergentes"? Essas pessoas têm de ser tornar todas especuladores, entertainers, gestores de hotelaria ou professores universitários? Ou o caro Anónimo estará à espera que elas vão todas trabalhar para as caixas dos supermercados cheios de produtos estrangeiros? É que nem mesmo aí há vagas suficientes!
Trabalhar em quê? A taxa de desemprego do mundo ocidental é das mais baixas da história logo há muito para fazer. Hoje em dia felizmente trabalho não falta. Requalificação e formação para os desempregados também não falta. Há para aí formações em tudo aos pontapés, desde o IEFP e muito mais. Só não tem formação hoje quem não quer.
Acho piada aos MAGA e Cheganos: se és cigano ou imigrante: vai trabalhar e só queres é viver á conta de subsídios, se és branco, ai coitadinho estás desempregado porque abriram uma fábrica no Vietname e estás desgraçado para o resto da tua vida.
Epa, é tudo por igual: tem de se fazer pela vida, TODOS, e os imigrantes sim, tem de se fechar a torneira porque nennhum país aguenta ter mais 15% de população estrangeira em 4 anos.
O Anónimo ignorou o ponto principal da minha resposta: não é apenas haver ou não haver trabalho, mas sim o valor remuneratório do trabalho em si, em paridade do poder de compra. É evidente que há muitos trabalhos mal pagos e degradantes disponíveis, mas servir café num StarBucks ou arrumar prateleiras num Walmart mal dão para sobreviver. Isso não é trabalho, é servidão. Uma coisa é fazê-lo uns anitos, outra coisa é fazê-lo a vida toda. O trabalho tem de dar para pagar uma casa, um carro, as despesas saúde e a escola dos filhos, no mínimo dos mínimos. E, antes da globalização de que o (Im)Pertinente tanto gosta, o empregado médio norte-americano tinha dinheiro para tudo isso e muito mais, sendo por isso que os norte-americanos trumpistas estão tão zangados.
Já essa insistência, por parte do Anónimo, em meter no mesmo saco os ciganos que não querem fazer nada com os eleitores de Trump que, na sua esmagadora maioria, estão empregados, faz muito pouco sentido. Perda de poder de compra e falta de perspectivas não é o mesmo que querer ser subsidiado sem mexer palha. Mas o Anónimo, a avaliar pelo que escreve, deve ser daqueles que paga pouco, mas exige tudo. Se calhar, até terá vários imigrantes na sua folha de pagamentos, não sei… só sei que dizer às pessoas que vão trabalhar não é solução nenhuma - porque isso elas já fazem - e apenas contribuirá para aumentar o seu ressentimento, levando a que, no futuro, possa ser eleito alguém ainda pior do que Trump.
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