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24/12/2008

ESTADO DE SÍTIO: Se ele o diz.

Nos seus tempos de primeiro ministro, o doutor Cavaco costumava chamar «força de bloqueio» ao Tribunal de Contas (TC), então presidido pelo falecido doutor Sousa Franco. Mostrando que aprende depressa, o PS logo que ganhou a eleições em 1995 fez transitar o doutor Sousa Franco do Tribunal de Contas para o ministério das Finanças. Mais tarde, prudentemente, fez transitar de ministro das Finanças, onde havia substituído o doutor Sousa Franco, para presidente do TC o doutor d'Oliveira Martins. Do ponto de vista dos princípios, não podia ser pior: foi uma coisa terceiro-mundista, mais ou menos o equivalente a transmutar um polícia em potencial infractor e um efectivo infractor em polícia. Nada que aflija especialmente as criaturas que enchem a boca com a «ética republicana».

Apesar disso, e contra muitas expectativas, o doutor d'Olveira Martins tem-se portado com uma inesperada independência, o que só lhe fica bem. Por isso, aqui lhe presto a devida homenagem (para não pensarem, como de costume que só digo mal). Homenagem mitigada pelas razões que adiante se verão.

O parecer do TC sobre a Conta Geral do Estado de 2007, vem mostrar, por um lado e mais uma vez, essa independência, e, por outro lado e também mais uma vez, a trapalhada habitual do governo socialista, que não fica nada a dever aos governos PSD, que também mostraram notável talento para a contabilidade criativa.

Entre as várias deficiências, o TC salienta que ainda não está a ser usado pela maioria dos organismos públicos o Plano Oficial de Contabilidade Pública aprovado em 1997, bem como o regime de tesouraria do Estado, aprovado em 1999. A consequência é que o TC considera não poder «garantir que o valor da receita orçamental efectivamente obtida corresponda ao inscrito na Conta Geral do Estado de 2007» nem a «fiabilidade da Conta» no que respeita às despesas. Faltou-lhe tirar as consequências de não poder garantir os valores contabilizados das receitas e das despesas: não poder garantir nada.

Praticaram-se, uma vez mais, as habituais trafulhices, como a desorçamentação das despesas (dívidas de anos anteriores equivalentes a cerca de 8% do total das despesas foram amortizadas através de operações de tesouraria) .

De caminho, dando de barato o rigor, apesar das referidas reservas, os números da conta apurados pelo TC mostram-nos com clareza que a prodigiosa redução do défice se ficou a dever ao aumento da carga fiscal. Se as receitas tivessem aumentado ao ritmo das despesas, o défice ter-se-ia agravado de 300 milhões.


O TC estimou em pelo menos 2.000 milhões ainda as dívidas a fornecedores da Administração Central (isto é, não incluindo as dívidas das autarquias e regiões autónomas). Imagine-se o que seria o défice se o governo tivesse um prazo médio de pagamentos decente (como os que exige aos sujeitos passivos).

[Algumas fontes: Diário Económico e Jornal de Negócios]

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