Our Self: Um blogue desalinhado, desconforme, herético e heterodoxo. Em suma, fora do baralho e (im)pertinente.
Lema: A verdade é como o azeite, precisa de um pouco de vinagre.
Pensamento em curso: «Em Portugal, a liberdade é muito difícil, sobretudo porque não temos liberais. Temos libertinos, demagogos ou ultramontanos
de todas as cores, mas pessoas que compreendam a dimensão profunda da liberdade já reparei que há muito poucas.
» (António Alçada Baptista)
The Second Coming: «The best lack all conviction, while the worst; Are full of passionate intensity» (W. B. Yeats)

28/11/2025

Bons exemplos (143) - Passos Coelho, o enigma

«É neste reino de descontentamento que a figura severa de Passos Coelho reina. Ao contrário de quem governa, não precisa de uma maioria ou de meios. Pode manifestar a insatisfação com um simples gesto ou uma frase. Há muita gente em Portugal que gostaria que regressasse e há muita gente, os insiders do costume cheios de informação privilegiada, que conspiraria para que regressasse. São boutades de salão que só Passos Coelho poderá concretizar ou confirmar. A força, e poderia dizer-se força moral, de Passos Coelho tem outra fonte que não o campo de intriga do PSD ou o ninho de vespas da política. Ninguém no partido dele levantará a mão contra ele, por temor e fraqueza.

A força de ter-se mantido, desde que foi afastado do poder pela coligação de esquerda de António Costa, invisível e incorruptível. Não deslizou para os quadros de uma grande empresa, não faz parte de assembleias gerais ou conselhos de administração, não fugiu para um cargo internacional, não enriqueceu sem causa. Não aceitou ser comentador num canal de televisão, e tenho a certeza de que muitos o contratariam por quantias superiores às de um primeiro-ministro. Mantém uma casa nos subúrbios, teve perdas pessoais que encaixou sem lamento, não controla a figura pública com a obsessão das figuras públicas, não escreveu livros confessionais ou outros. E decerto o convidaram a escrever as memórias da troika. Não está nas redes, a aparafusar indignações. Não vai às televisões explicar-se. Não dá entrevistas. Não se lhe conhecem crimes ou comportamentos desviantes, muito menos onde o dinheiro estaria envolvido. Escreve uns prefácios, faz umas apresentações de livros, diz umas coisas, não muitas. É breve e conciso e, pasme-se, coerente. É um enigma.»

O enigma Passos Coelho, Clara Ferreira Alves no Expresso

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Registo que esta peça, que faz justiça a Pedro Passos Coelho, foi escrita pela mesma jornalista que escreveu há uma dúzia de anos, a pedido do Dr. Mário Soares por quem ela tinha devoção, um artigo de limpeza do cadastro do Eng. José Sócrates, artigo que dissequei em quatro verrinosos posts: (I), (II), (III) e (IV). É um exemplo de que a maioria das pessoas é capaz do pior e algumas vezes também do melhor.

26/11/2025

Sequelas da Nau Catrineta do Dr. Costa (77)

Continuação das Crónicas: «da anunciada avaria irreparável da geringonça», «da avaria que a geringonça está a infligir ao País» e «da asfixia da sociedade civil pela Passarola de Costa» e do «Semanário de Bordo da Nau Catrineta». Outras Sequelas da Nau Catrineta do Dr. Costa.

O Dr. Costa é um habilidoso que aspira a ser maquiavélico…

A propósito de mais uma argolada do Ministério Público no caso das escutas ao Dr. Costa e aos seus apoderados na Operação Influencer, o mesmíssimo Dr. Costa instruiu o seus advogados para fazer fogo sobre o MP fazendo-se de vítima para justificar uma renúncia que, como é evidente para toda a gente, estava na sua agenda desde que tempos antes ele iniciou a sua campanha para presidente do Conselho Europeu e aguardava apenas o pretexto oferecido pelo MP.

… e o seu ajudante e substituto, Dr. Pedro Nuno, é uma espécie de Bourbon…

Dizia-se dos Bourbon que nada esqueciam e nada aprendiam. Foi que fez o Dr. Pedro Nuno com o seu artigo de hoje no Público em que justifica e louvaminha a geringonça de que ele foi um dos obreiros, mas não beneficiário porque o benefício foi apoderado pelo Dr. Costa, sem perceber que a geringonça foi chão que deu uvas e é hoje geralmente abominada pelos eleitores, pelo que a sua evocação só pode trazer prejuízo a quem pretende voltar ao poder.

… e tem a companhia dos apparatchiks da UGT…

Em resposta às patetices do governo para tentar desmobilizar a greve conjunta da UGT com a CGTP, o apparatchik-mor da UGT declarou que «se calhar o que temos de passar é marcar dois dias de greve em vez de ser só um». Talvez esteja enganado porque, numa conjuntura em que os aumentos nominais de salários têm ultrapassado a inflação, com o dinheiro da bazuca ainda a circular e o consumo a aumentar, a greve geral pode ser um fiasco.

… e do grupo par[a]lamentar

Na senda do Animal Feroz, que decidiu terminar a PPP do hospital Amadora-Sintra, e dos dois governos do Dr. Costa que, pela mão da Dr.ª Temido, a ministra que confessou cantar a Internacional para relaxar, extinguiram as PPP em quatro hospitais, hospitais que funcionaram sob a gestão privada com melhor qualidade e menores custos do que os hospitais públicos, o grupo parlamentar do PS votou na companhia do Livre, do PCP, do BE e PAN, contra a proposta de o governo promover a adjudicação de contratos PPP.

A promoção do facilitismo não está a facilitar

Não obstante as propostas do aumento permanente extra das pensões, do congelamento das propinas e da proibição da venda de imóveis do Estado com aptidão habitacional e all that jazz, a sondagem da Pitagórica da semana passada dá uma vantagem do PSD sobre o PS de 12 pontos percentuais. Resta ao PS a consolação de continuar a ser atractivo para os candidatos a apparatchiks do Estado sucial que en masse se têm inscrito como militantes.

24/11/2025

Crónica da passagem de um governo (24)

Outras Crónicas do Governo de Passagem

Navegando à bolina
Canários na mina de carvão

[Nas minas de carvão usavam-se canários que são muito sensíveis ao monóxido de carbono e ao metano para alertar os mineiros de um perigo iminente.]

Nos três primeiros trimestres deste ano os despedimentos colectivos aumentaram 17% e atingiram o número mais alto desde 2020.

No terceiro trimestre o número de dormidas dos turistas estrangeiros representa a percentagem mais baixa do total de dormidas desde 2022.

Em Setembro o endividamento da economia aumentou em relação a Setembro do ano passado 9,4 mil milhões dos quais 6,7 milhões são dívida pública. O endividamento das empresas privadas cresceu 2,5% e o dos particulares 7,8% (BdP). Enquanto isso, o crédito ao consumo aumentou 8,5% desde Janeiro.

Contra as previsões do governo, a Comissão Europeia prevê um saldo orçamental nulo este ano e um défice de 0,3% em 2026.

Contra a expectativa de um upgrade, a Moody’s manteve o rating de crédito de Portugal em A3.

A falta de ímpeto reformista está a ter resultados (por agora)

Se houvesse dúvidas de que os eleitores não apreciam reformas (como o Dr. Costa sabiamente percebeu), a sondagem da Pitagórica, que dá uma vantagem do PSD sobre o PS de 12 pontos percentuais e sobre o Chega de 20 pontos percentuais confirma que o Dr. Montenegro, acolitado pelo Dr. Matias, pode não ser grande reformista, mas é um razoável oportunista.

Take Another Plan. Yo no creo en brujas, pero que las hay, las hay

Dez anos depois da privatização de 2015 e dias antes do termo do prazo para manifestação de interesse na privatização prevista para 2026 e com grande sentido de oportunidade, o Ministério Público envia uma equipa apoiada por dezenas de Judites para fazer «buscas em 25 locais por suspeita de crimes no processo de privatização da TAP». Um dos visados é Fernando Pinto, o anterior presidente da TAP, por suspeita de ter recebido dois milhões de euros para beneficiar consórcio que comprou a TAP, em 2015. Outros dois arguidos são Humberto Pedrosa e o seu filho, donos da Barraqueiro. Estão em causa «suspeitas de crimes de administração danosa, de participação económica em negócio, de corrupção passiva no sector privado, de fraude fiscal qualificada e de fraude à Segurança Social».

Há quem pense que esta operação é uma montagem para comprometer a privatização. Sim, é uma explicação possível, em alternativa à demonstração notória, pública e internacional pela justiça portuguesa da sua incompetência terminal.

“A audácia de liderar”

Rivalizando com o Dr. Matias que no palco da Web Summit declarou solenemente que Portugal «tem todas as condições para se tornar um líder mundial na IA», o Eng. Moedas escreveu um artigo de opinião no Jornal Sol com o título “A audácia de liderar” (uma homenagem ao lema dos comandos "Audaces Fortuna Juvat"?) declarando o propósito de fazer da «Área Metropolitana de Lisboa (AML) o centro da inovação europeia». A exemplo do Dr. Matias, que se deveria concentrar em coisas triviais como a burocracia que afoga a "Empresa na Hora", também o Eng. Moedas se deveria concentrar em coisas como a recolha do lixo e, já agora, na redução de uma fracção dos mais de 10 mil apparatchiks que povoam a câmara.

A produtividade do parlamento

Como que a compensar uma das mais baixas produtividades do trabalho da UE, os deputados do parlamento português apresentaram 2.176 propostas de alteração do OE2026, com uma notável contribuição dos 3 deputados comunistas que, apesar de representarem apenas 1,3% do total, apresentaram um quarto das propostas.

Os portugueses «vão ter razões para confiar no SNS»

mais liberdade

Os dados do quadro acima dizem mais sobre a degradação dos serviços públicos da saúde materna do que as notícias, que os jornalistas adoram e que excitam os leitores, dos bebés nascidos nas ambulâncias, como se o SNS devesse ter em cada grávida um detector de rotura da bolsa amniótica e um contador de contracções.
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Aditamento:
Não existindo dados estatísticos, no mínimo é uma hipótese arrojada pretender justificar um aumento de 2,8 vezes das taxas de mortalidade materna num período de 10 anos, num quadro de degradação do SNS, com o peso crescente dos hospitais privados - veja-se o quadro seguinte:
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O pior de dois mundos (republicação actualizada)

Segundo a vulgata socialista, o SNS seria a solução de saúde pública em que os “utentes” teriam cuidados médicos “tendencialmente gratuitos”, melhores do que os dos “privados”, os profissionais seriam bem pagos, com empregos estáveis sem “precariedade”, e sem nenhum daqueles pecados da medicina privada. Saiu tudo ao contrário. A saúde pública custa a cada português mais de 2.700 euros por ano, custo superior em média a um seguro privado de saúde, o SNS está em avançado grau de decomposição, a maioria dos profissionais são mal pagos, e os “precários” (alguns deles empresários em nome individual para “optimização fiscal”) têm um peso cada vez maior – em 2024 os gastos com “tarefeiros” aumentaram 11% e ultrapassaram 200 milhões e este ano podem ultrapassar os 260 milhões.

Ah, já me esquecia, o SNS seria também o contrário da saúde privada capitalista movida pela procura do lucro.

Créditos: Observador

O quadro acima, que diz respeito apenas às cirurgias extras do hospital de Santa Maria, é um bom exemplo do poder da “iniciativa privada capitalista” aproveitando uma solução de desenrascanço para tapar as falhas, não do mercado, mas do Estado sucial.

22/11/2025

Dúvidas (362) - Qual o efeito na natalidade das políticas de promoção da natalidade? (I)

Uma das bandeiras do nativismo é o aumento da natalidade para combater a "Grande Substituição", uma modalidade das míticas ameaças externas a que todos os ideários autocráticos recorrem. Na UE há dois países que adoptaram políticas para aumentar a fecundidade: a Polónia e a Hungria. O governo de Viktor Orbán gasta 6% do PIB da Hungria com esse propósito, que inclui uma isenção vitalícia do imposto sobre o rendimento das mães com mais de um filho.

Os resultados não são encorajadores. Na Hungria o número de nascimentos (77.500) o ano passado foi o mais baixo de sempre e a taxa de natalidade de 1,38 foi a mais baixa desde 2014. Na Polónia, o ano passado a taxa de natalidade foi de 1,1, pouco mais de metade em relação a 1990 (1,9).

Fonte

Quando comparados com os restantes países da UE que não adoptaram activamente essas políticas, os resultados não são muito diferentes. Por exemplo, vários países vizinhos têm até taxas de fecundidade superiores: Chéquia (1,46), Croácia (1,47),  Eslováquia (1,49), Eslovénio (1,51), Roménia (1,54), Bulgária (1,81). 

(Continua)

20/11/2025

Did you guess who wrote "Opioid of the Masses"? Believe It or Not!

A sort of follow-up to yesterday's post.

The article "Opioid of the Masses," in which the current POTUS is portrayed with great realism, was published by J.D. Vance, the current vice president, on July 4, 2016, in The Atlantic magazine, which in 2020 endorsed the Democratic presidential nominee, Joe Biden, in the presidential election. At that time, J. D. Vance had not yet been recruited by Peter Thiel - who had not yet discovered that the Antichrist was back  (*) - to be part of the administration that he and other technocrats, such as Elon Musk, would support to instill some rationality into the government in the short term and replace Donald Trump in the medium term, either through his resignation or in new elections.

(*) See here, here, and there.

19/11/2025

Guess who wrote "Opioid of the Masses"?

«During this election season, it appears that many Americans have reached for a new pain reliever. It too, promises a quick escape from life’s cares, an easy solution to the mounting social problems of U.S. communities and culture. It demands nothing and requires little more than a modest presence and maybe a few enablers. It enters minds, not through lungs or veins, but through eyes and ears, and its name is Donald Trump.

Last Sunday, the day before Memorial Day, I met a Marine veteran of the Vietnam War at a local coffee shop. “I was lucky,” he told me. “At least I came home. A lot of my buddies didn’t. The thing is, the media still talks about us like we lost that war! I like to think my dead friends accomplished something.” Imagine, for that man, the vengeful joy of a Trump rally. That brief feeling of power, of defiance, of sending a message to the very political and media establishment that, for 45 years, has refused to listen. Trump brings power to those who hate their lack of it, and his message is tonic to communities that have felt nothing but decline for decades.

In some ways, Trump’s large, national coalition defies easy characterization. He draws from a broad base of good people: kind folks who open their homes and hearts to people of all colors and creeds, married couples with happy homes and families who live nearby, public servants who put their lives on the line to fight fires in their communities. Not all Trump voters spend their days searching for an analgesic.

Yet a common thread among Trump’s faithful, even among those whose individual circumstances remain unspoiled, is that they hail from broken communities. These are places where good jobs are impossible to come by. Where people have lost their faith and abandoned the churches of their parents and grandparents. Where the death rates of poor white people go up even as the death rates of all other groups go down. Where too many young people spend their days stoned instead of working and learning.

Many years ago, our neighbor (and my grandma’s old friend) in Middletown moved out and rented his house on a Section 8 voucher—a federal program that offers housing subsidies to low-income people. One of the first folks to move in called her landlord to report a leaky roof. By the time the landlord arrived, he discovered the woman naked on her couch. After calling him, she had started the water for a bath, gotten high, and passed out. Forget about the original leak, now much of the upstairs—including her and her children’s possessions—was completely destroyed. Not every Trump voter lives like this woman, but nearly every Trump voter knows someone who does.

Though the details differ, men and women like my neighbor represent, in the aggregate, a social crisis of historic proportions. There is no group of people hurtling more quickly to social decay. No group of people fears the future more, dies with such frequency from heroin, and exposes its children to such significant domestic chaos. Not long ago, a teacher who works with at-risk youth in my hometown told me, “We’re expected to be shepherds to these children, but they’re all raised by wolves.” And those wolves are here—not coming in from Mexico, not prowling the halls of power in Washington or Wall Street—but here in ordinary American communities and families and homes.

Trump’s promises are the needle in America’s collective vein.

What Trump offers is an easy escape from the pain. To every complex problem, he promises a simple solution. He can bring jobs back simply by punishing offshoring companies into submission. As he told a New Hampshire crowd—folks all too familiar with the opioid scourge—he can cure the addiction epidemic by building a Mexican wall and keeping the cartels out. He will spare the United States from humiliation and military defeat with indiscriminate bombing. It doesn’t matter that no credible military leader has endorsed his plan. He never offers details for how these plans will work, because he can’t. Trump’s promises are the needle in America’s collective vein.

The great tragedy is that many of the problems Trump identifies are real, and so many of the hurts he exploits demand serious thought and measured action—from governments, yes, but also from community leaders and individuals. Yet so long as people rely on that quick high, so long as wolves point their fingers at everyone but themselves, the nation delays a necessary reckoning. There is no self-reflection in the midst of a false euphoria. Trump is cultural heroin. He makes some feel better for a bit. But he cannot fix what ails them, and one day they’ll realize it.

I’m not sure when or how that realization arrives: maybe in a few months, when Trump loses the election; maybe in a few years, when his supporters realize that even with a President Trump, their homes and families are still domestic war zones, their newspapers’ obituaries continue to fill with the names of people who died too soon, and their faith in the American Dream continues to falter. But it will come, and when it does, I hope Americans cast their gaze to those with the most power to address so many of these problems: each other. And then, perhaps the nation will trade the quick high of “Make America Great Again” for real medicine.»

Opioid of the Masses