Our Self: Um blogue desalinhado, desconforme, herético e heterodoxo. Em suma, fora do baralho e (im)pertinente.
Lema: A verdade é como o azeite, precisa de um pouco de vinagre.
Pensamento em curso: «Em Portugal, a liberdade é muito difícil, sobretudo porque não temos liberais. Temos libertinos, demagogos ou ultramontanos
de todas as cores, mas pessoas que compreendam a dimensão profunda da liberdade já reparei que há muito poucas.
» (António Alçada Baptista)
The Second Coming: «The best lack all conviction, while the worst; Are full of passionate intensity» (W. B. Yeats)

22/12/2025

Crónica da passagem de um governo (29)

Outras Crónicas do Governo de Passagem

Navegando à bolina
Advertência: esta crónica é dedicada ao pensamento mágico

Não sei se é sonho, se realidade,
Se uma mistura de sonho e vida,
Aquela terra de suavidade
Que na ilha extrema do sul se olvida.


Take Another Plan. A venda da TAP como exercício de pensamento mágico (cont.)

Há dois meses escrevi noutra crónica não saber se o governo do Dr. Montenegro já se tinha dado conta de que, com toda a probabilidade, nenhum grande operador internacional compraria a TAP sem garantias de que a poderá governar ou para manter o marsúpio com o ventre cheio de utentes. Passados dois meses e depois das declarações da IAG (BA + Iberia) que há dias fez saber que uma posição minoritária seria um “problema”, o governo tem menos desculpas.

Também já tinha escrito não saber se o governo do Dr. Montenegro já se tinha dado conta de que, com toda a probabilidade, nenhum grande operador internacional compraria a TAP com base numa avaliação próxima de 3,2 mil milhões de euros que o governo do Dr. Costa lá torrou com dinheiro extorquido aos contribuintes. Agora o governo deve ter menos desculpas porque com toda a probabilidade a avaliação feita pela E&Y e pelo banco Finantia não deve ultrapassar metade do valor torrado.

A Inteligência Artificial e o sexo à lareira como exercícios de pensamento mágico

Segundo os resultados do Inquérito à Utilização de Tecnologias da Informação e da Comunicação pelas Famílias, 38,7% dos portugueses dos 16 aos 74 anos, 76,5% dos de 16 aos 24 anos e 81,5% dos estudantes declararam ter utilizado ferramentas de IA nos 3 meses anteriores à entrevista, percentagens superiores à média da UE ou mesmo muito superiores (no caso dos estudantes dez vezes mais).

[Sabe-se lá por quê, estes devaneios fizeram-me recordar um outro inquérito que há uns anos permitiu concluir que o local preferido da maioria dos portugueses para praticar sexo era junto à lareira.]

A Inteligência Artificial e a gigafábrica como exercício de pensamento mágico

Depois de ter declarado na “Exponoivos para start-ups” que Portugal «tem todas as condições para se tornar um líder mundial na IA», o Dr. Matias, ministro da Reforma do Estado, admitiu duplicar de 4 para 8 mil milhões o investimento previsto na gigafábrica de inteligência artificial (IA) de Sines. Tudo isto, claro, se a candidatura portuguesa vier a ser seleccionada e os contribuintes europeus abrirem os cordões à bolsa.

O hidrogénio verde como exercício de pensamento mágico

Em retrospectiva, há uns anos o Dr. Costa e o Dr. Galamba subsidiaram com uns milhões do PRR a Fusion Fuel, uma empresa que iria fabricar eletrolisadores para a produção de hidrogénio verde e o Dr. Costa fez uma das suas declarações bombásticas garantindo que a produção de hidrogénio verde iria ser a nova "reindustrialização". Três anos depois, a nova "reindustrialização" consistiu na falência da Fusion Fuel com dívidas de 24 milhões e 5,8 milhões de subsídios torrados. A coisa ressuscitou agora pela mão da Keme Energy, reduzida a uma proporção menos grandiosa de 10% da capacidade inicialmente prevista e, ainda assim, graças aos dinheiros dos contribuintes europeus através do PRR.

O governo constrói mais duas pontes. Depois do pensamento mágico, o realismo prosaico 

Para compensar a desistência da construção da ponte internacional sobre o Rio Sever, em Nisa, o governo ofereceu duas pontes aos utentes da vaca marsupial pública, a saber: a ponte do Natal que irá ligar o dia 23 ao dia 29 e a ponte do Ano Novo que ligará o dia 30 de Dezembro ao dia 2 de Janeiro.

21/12/2025

TIROU-ME AS PALAVRAS DA BOCA: Há sete anos Bibi antecipou que lhe deveria acontecer

O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, foi investigado há seis anos e está a ser julgado por acusações de suborno, fraude e quebra de confiança que ele nega, insistindo que isso não o impede de governar. 

Foi também acusado pelo Tribunal Penal Internacional de crimes de guerra e contra a humanidade que emitiu em Novembro de 2024 um mandado de prisão. Os seus advogados apresentaram no mês passado um pedido de perdão ao presidente de Israel, Isaac Herzog.

Que consequências deveriam ter essas acusações e o julgamento em curso sobre o seu mandato? O próprio Netanyahu disse claramente em 2008 o que pensava sobre a situação semelhante do seu antecessor no cargo, Ehud Olmert que renunciou antes de ser indiciado por aceitar subornos:

«Um primeiro-ministro atolado em investigações não tem mandato moral ou público para tomar decisões fatídicas para o Estado de Israel. Há um medo... e é real e não infundado que ele tomará suas decisões com base em seu interesse pessoal para a sobrevivência política, não no interesse nacional.»

20/12/2025

A economia do pastel de nata tem o melhor desempenho este ano? (3)

Continuação de (1) e (2)

Contra a corrente, o (Im)pertinências tentou colocar no devido lugar o primeiro lugar da economia portuguesa no ranking da Economist. Algumas outras vozes (poucas, porque isto de ir contra a corrente patridiótica não é fácil) se fizeram ouvir no mesmo sentido, tais como Óscar Afonso no jornal Sol (sem link), José Paulo Soares no jornal Eco, Daniel Bessa no Expresso e João Duque, também no Expresso.

A estes juntou-se ontem Luís Aguiar-Conraria que, igualmente no Expresso, não resistiu à tentação de zurzir «os nacionais-pessimistas», entre os quais poderia distraidamente incluir o (Im)pertinências, mas acaba por admitir que «uma vez passadas as primeiras impressões, há que ser honesto e dar ao ranking a importância que tem: praticamente nenhuma», por razões semelhantes às que aqui enumerei.

19/12/2025

Lost in translation (372) - I never imagined I would agree with Suzie Willes, the White House Chief of Staff

 «Most senior White House officials parse their words and speak only on background. But over many on-the-record conversations, Wiles answered almost every question I put to her.

We often spoke on Sundays after church. Wiles, an Episcopalian, calls herself “Catholic lite.” One time we spoke while she was doing her laundry in her Washington, DC, rental. Trump, she told me, “has an alcoholic’s personality.” Vance’s conversion from Never Trumper to MAGA acolyte, she said, has been “sort of political.” The vice president, she added, has been “a conspiracy theorist for a decade.” Russell Vought, architect of the notorious Project 2025 and head of the Office of Management and Budget, is “a right-wing absolute zealot.” When I asked her what she thought of Musk reposting a tweet about public sector workers killing millions under Hitler, Stalin, and Mao, she replied: “I think that’s when he’s microdosing.” (She says she doesn't have first-hand knowledge.)».

Susie Wiles, JD Vance, and the “Junkyard Dogs”: The White House Chief of Staff on Trump’s Second Term (Vanity Fair Part 1 and Part 2), by Chris Whipple

17/12/2025

CASE STUDY: The ideological brain of Steve Bannon, the Rasputin of MAGA

The other day, I saw the interview with Steve Bannon, who, in the words of The Economist magazine, is "the former chief strategist of the White House whose worldview contradicts that of The Economist. He is a populist nationalist" and the Rasputin of MAGA, as he himself does not deny in the interview. 

The Economist justifies the interview because «it is classically liberal. But liberalism demands dialogue with those who oppose it. And as liberal values retreat worldwide, understanding Mr Bannon’s ideas—which have animated many people on both sides of the Atlantic—has become essential». Given his ideas, which are quite clear in the interview, it is unlikely that Steve Bannon would have interviewed Zanny Minton Beddoes, the editor-in-chief of The Economist, on her podcast, War Room.

What emerges very clearly from the interview is that MAGA is irremediably divided between the populist nationalist faction and the ideas of techno-archs like the "éminence grise" Peter Thiel - as I once anticipated in the post Another Brick in the Wall.

Coincidentally, I had read "The Ideological Brain" some time earlier, whose central conclusion is that ideologies change our brains, creating "ideological brains" rigid and resistant to new evidence. It occurred to me that the author Leor Zmigrod, a political psychologist and neuroscientist, could very well use Steve Bannon as a case study for her research.

16/12/2025

Crónica da passagem de um governo (28)

Outras Crónicas do Governo de Passagem

Navegando à bolina
O Dr. Montenegro tem uma estratégia de crescimento (dos salários)

O Dr. Montenegro não faz reformas no que se equivale ao Dr. Costa, que dizia fugir delas como diabo da cruz. Substituiu as reformas pelas promessas, correndo o risco de superar o Dr. Costa e avança com salários mínimos de 1.600 euros e salários médios de 3.000 euros (equivalentes a 42 mil euros por ano) até ao fim da legislatura. É claro que primeiro objectivo depende só do governo (já que a oposição não teria coragem de votar contra) e implicaria uma hecatombe das micro e pequenas empresas incapazes de pagar tais salários. Quanto ao segundo objectivo, podia ter garantido salários médios de 5.000 ou 6.000 euros que viria a dar no mesmo. O Dr. Montenegro não se deu à maçada de nos explicar como seria possível pagar tais salários com a produtividade portuguesa.

Os 1.600 do Dr. Montenegro são 1.100 euros para o Dr. Sarmento

O Dr. Sarmento, que não tem a desculpa do défice de numeracia, ficou calado perante as veleidades do Dr. Montenegro, veio repor as coisas num plano mais realista em Bruxelas, declarando que os aumentos dos salários só seriam possíveis com o aumento da produtividade e corrigiu os 1.600 euros para «1.100 euros até ao final da legislatura».
 
Os portugueses «vão ter razões para confiar no SNS»

Não sabemos se os portugueses têm razões para confiar no SNS, mas quem não tem de certeza são os 227 laboratórios (23% do total) que deixaram de fazer análises para o SNS por não estarem disponíveis a receber os preços de há mais de dez anos.

Canários na mina de carvão

Em Outubro, as exportações e as importações de bens caíram em termos homólogos 5,2% e 3%, respectivamente, e o défice da balança comercial de bens aumentou 77 milhões de euros. (fonte)

Da discussão em termos ideológicos não nasce a luz, nasce a escuridão

De um lado, a esquerda defende que não deve haver restrições à entrada de imigrantes. De outro a direita defende que os imigrantes só podem ser aceites se forem capazes de cantar o hino nacional (isto é uma boutade, certo?). Da adopção do credo dos primeiros resultaria a breve trecho uma guerra civil (isto é uma boutade, certo?). Da adoptação do credo dos segundos resultaria o fecho do turismo com 25% de imigrantes e no geral a paralisação da economia e a falência antecipada da segurança social com os seus 1,7 milhões de imigrantes que representaram mais de 1/3 dos contribuintes e receberam de 6% das prestações sociais (fonte).

15/12/2025

A economia do pastel de nata tem o melhor desempenho este ano? (2)

Continuação de (1)

O governo, o coro da comentadoria e até os jornalistas de causas, que nestas coisas patrióticas alinham com os governos que detestam, saudaram efusivamente o primeiro lugar da economia portuguesa no ranking da Economist. Contra a corrente, o (Im)pertinências não embandeirou em arco e tentou colocar o feito no seu humilde lugar. Desde então, ao longo da semana passada, algumas outras vozes cépticas atenuaram o nosso sentimento de solidão.

Começo por Óscar Afonso que no jornal Sol (sem link) publicou um artigo cujo título, só por si, diz quase tudo - O IgNobel da Economia vai para ... Portugal em 1.º segundo a The Economist.  

Continuo com o economista José Paulo Soares, que no seu As sweet as a pastel de nata considera  «enternecedor o bacoquismo patriótico» do coro de celebrantes e salienta que nos indicadores fundamentais (produtividade do trabalho e PIB per capita) as coisas não melhoraram, como até pioraram, como aqui escrevi a semana passada.

No mesmo sentido, com mais contenção, escreveram Daniel Bessa (A melhor economia do ano) e João Duque (A economia do pastel de nata).