Our Self: Um blogue desalinhado, desconforme, herético e heterodoxo. Em suma, fora do baralho e (im)pertinente.
Lema: A verdade é como o azeite, precisa de um pouco de vinagre.
Pensamento em curso: «Em Portugal, a liberdade é muito difícil, sobretudo porque não temos liberais. Temos libertinos, demagogos ou ultramontanos
de todas as cores, mas pessoas que compreendam a dimensão profunda da liberdade já reparei que há muito poucas.
» (António Alçada Baptista)
The Second Coming: «The best lack all conviction, while the worst; Are full of passionate intensity» (W. B. Yeats)

24/11/2025

Crónica da passagem de um governo (24)

Outras Crónicas do Governo de Passagem

Navegando à bolina
Canários na mina de carvão

[Nas minas de carvão usavam-se canários que são muito sensíveis ao monóxido de carbono e ao metano para alertar os mineiros de um perigo iminente.]

Nos três primeiros trimestres deste ano os despedimentos colectivos aumentaram 17% e atingiram o número mais alto desde 2020.

No terceiro trimestre o número de dormidas dos turistas estrangeiros representa a percentagem mais baixa do total de dormidas desde 2022.

Em Setembro o endividamento da economia aumentou em relação a Setembro do ano passado 9,4 mil milhões dos quais 6,7 milhões são dívida pública. O endividamento das empresas privadas cresceu 2,5% e o dos particulares 7,8% (BdP). Enquanto isso, o crédito ao consumo aumentou 8,5% desde Janeiro.

Contra as previsões do governo, a Comissão Europeia prevê um saldo orçamental nulo este ano e um défice de 0,3% em 2026.

Contra a expectativa de um upgrade, a Moody’s manteve o rating de crédito de Portugal em A3.

A falta de ímpeto reformista está a ter resultados (por agora)

Se houvesse dúvidas de que os eleitores não apreciam reformas (como o Dr. Costa sabiamente percebeu), a sondagem da Pitagórica, que dá uma vantagem do PSD sobre o PS de 12 pontos percentuais e sobre o Chega de 20 pontos percentuais confirma que o Dr. Montenegro, acolitado pelo Dr. Matias, pode não ser grande reformista, mas é um razoável oportunista.

Take Another Plan. Yo no creo en brujas, pero que las hay, las hay

Dez anos depois da privatização de 2015 e dias antes do termo do prazo para manifestação de interesse na privatização prevista para 2026 e com grande sentido de oportunidade, o Ministério Público envia uma equipa apoiada por dezenas de Judites para fazer «buscas em 25 locais por suspeita de crimes no processo de privatização da TAP». Um dos visados é Fernando Pinto, o anterior presidente da TAP, por suspeita de ter recebido dois milhões de euros para beneficiar consórcio que comprou a TAP, em 2015. Outros dois arguidos são Humberto Pedrosa e o seu filho, donos da Barraqueiro. Estão em causa «suspeitas de crimes de administração danosa, de participação económica em negócio, de corrupção passiva no sector privado, de fraude fiscal qualificada e de fraude à Segurança Social».

Há quem pense que esta operação é uma montagem para comprometer a privatização. Sim, é uma explicação possível, em alternativa à demonstração notória, pública e internacional pela justiça portuguesa da sua incompetência terminal.

“A audácia de liderar”

Rivalizando com o Dr. Matias que no palco da Web Summit declarou solenemente que Portugal «tem todas as condições para se tornar um líder mundial na IA», o Eng. Moedas escreveu um artigo de opinião no Jornal Sol com o título “A audácia de liderar” (uma homenagem ao lema dos comandos "Audaces Fortuna Juvat"?) declarando o propósito de fazer da «Área Metropolitana de Lisboa (AML) o centro da inovação europeia». A exemplo do Dr. Matias, que se deveria concentrar em coisas triviais como a burocracia que afoga a "Empresa na Hora", também o Eng. Moedas se deveria concentrar em coisas como a recolha do lixo e, já agora, na redução de uma fracção dos mais de 10 mil apparatchiks que povoam a câmara.

A produtividade do parlamento

Como que a compensar uma das mais baixas produtividades do trabalho da UE, os deputados do parlamento português apresentaram 2.176 propostas de alteração do OE2026, com uma notável contribuição dos 3 deputados comunistas que, apesar de representarem apenas 1,3% do total, apresentaram um quarto das propostas.

Os portugueses «vão ter razões para confiar no SNS»

mais liberdade

Os dados do quadro acima dizem mais sobre a degradação dos serviços públicos da saúde materna do que as notícias, que os jornalistas adoram e que excitam os leitores, dos bebés nascidos nas ambulâncias, como se o SNS devesse ter em cada grávida um detector de rotura da bolsa amniótica e um contador de contracções.
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Aditamento:
Não existindo dados estatísticos, no mínimo é uma hipótese arrojada pretender justificar um aumento de 2,8 vezes das taxas de mortalidade materna num período de 10 anos, num quadro de degradação do SNS, com o peso crescente dos hospitais privados - veja-se o quadro seguinte:
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O pior de dois mundos (republicação actualizada)

Segundo a vulgata socialista, o SNS seria a solução de saúde pública em que os “utentes” teriam cuidados médicos “tendencialmente gratuitos”, melhores do que os dos “privados”, os profissionais seriam bem pagos, com empregos estáveis sem “precariedade”, e sem nenhum daqueles pecados da medicina privada. Saiu tudo ao contrário. A saúde pública custa a cada português mais de 2.700 euros por ano, custo superior em média a um seguro privado de saúde, o SNS está em avançado grau de decomposição, a maioria dos profissionais são mal pagos, e os “precários” (alguns deles empresários em nome individual para “optimização fiscal”) têm um peso cada vez maior – em 2024 os gastos com “tarefeiros” aumentaram 11% e ultrapassaram 200 milhões e este ano podem ultrapassar os 260 milhões.

Ah, já me esquecia, o SNS seria também o contrário da saúde privada capitalista movida pela procura do lucro.

Créditos: Observador

O quadro acima, que diz respeito apenas às cirurgias extras do hospital de Santa Maria, é um bom exemplo do poder da “iniciativa privada capitalista” aproveitando uma solução de desenrascanço para tapar as falhas, não do mercado, mas do Estado sucial.

22/11/2025

Dúvidas (362) - Qual o efeito na natalidade das políticas de promoção da natalidade? (I)

Uma das bandeiras do nativismo é o aumento da natalidade para combater a "Grande Substituição", uma modalidade das míticas ameaças externas a que todos os ideários autocráticos recorrem. Na UE há dois países que adoptaram políticas para aumentar a fecundidade: a Polónia e a Hungria. O governo de Viktor Orbán gasta 6% do PIB da Hungria com esse propósito, que inclui uma isenção vitalícia do imposto sobre o rendimento das mães com mais de um filho.

Os resultados não são encorajadores. Na Hungria o número de nascimentos (77.500) o ano passado foi o mais baixo de sempre e a taxa de natalidade de 1,38 foi a mais baixa desde 2014. Na Polónia, o ano passado a taxa de natalidade foi de 1,1, pouco mais de metade em relação a 1990 (1,9).

Fonte

Quando comparados com os restantes países da UE que não adoptaram activamente essas políticas, os resultados não são muito diferentes. Por exemplo, vários países vizinhos têm até taxas de fecundidade superiores: Chéquia (1,46), Croácia (1,47),  Eslováquia (1,49), Eslovénio (1,51), Roménia (1,54), Bulgária (1,81). 

(Continua)

20/11/2025

Did you guess who wrote "Opioid of the Masses"? Believe It or Not!

A sort of follow-up to yesterday's post.

The article "Opioid of the Masses," in which the current POTUS is portrayed with great realism, was published by J.D. Vance, the current vice president, on July 4, 2016, in The Atlantic magazine, which in 2020 endorsed the Democratic presidential nominee, Joe Biden, in the presidential election. At that time, J. D. Vance had not yet been recruited by Peter Thiel - who had not yet discovered that the Antichrist was back  (*) - to be part of the administration that he and other technocrats, such as Elon Musk, would support to instill some rationality into the government in the short term and replace Donald Trump in the medium term, either through his resignation or in new elections.

(*) See here, here, and there.

19/11/2025

Guess who wrote "Opioid of the Masses"?

«During this election season, it appears that many Americans have reached for a new pain reliever. It too, promises a quick escape from life’s cares, an easy solution to the mounting social problems of U.S. communities and culture. It demands nothing and requires little more than a modest presence and maybe a few enablers. It enters minds, not through lungs or veins, but through eyes and ears, and its name is Donald Trump.

Last Sunday, the day before Memorial Day, I met a Marine veteran of the Vietnam War at a local coffee shop. “I was lucky,” he told me. “At least I came home. A lot of my buddies didn’t. The thing is, the media still talks about us like we lost that war! I like to think my dead friends accomplished something.” Imagine, for that man, the vengeful joy of a Trump rally. That brief feeling of power, of defiance, of sending a message to the very political and media establishment that, for 45 years, has refused to listen. Trump brings power to those who hate their lack of it, and his message is tonic to communities that have felt nothing but decline for decades.

In some ways, Trump’s large, national coalition defies easy characterization. He draws from a broad base of good people: kind folks who open their homes and hearts to people of all colors and creeds, married couples with happy homes and families who live nearby, public servants who put their lives on the line to fight fires in their communities. Not all Trump voters spend their days searching for an analgesic.

Yet a common thread among Trump’s faithful, even among those whose individual circumstances remain unspoiled, is that they hail from broken communities. These are places where good jobs are impossible to come by. Where people have lost their faith and abandoned the churches of their parents and grandparents. Where the death rates of poor white people go up even as the death rates of all other groups go down. Where too many young people spend their days stoned instead of working and learning.

Many years ago, our neighbor (and my grandma’s old friend) in Middletown moved out and rented his house on a Section 8 voucher—a federal program that offers housing subsidies to low-income people. One of the first folks to move in called her landlord to report a leaky roof. By the time the landlord arrived, he discovered the woman naked on her couch. After calling him, she had started the water for a bath, gotten high, and passed out. Forget about the original leak, now much of the upstairs—including her and her children’s possessions—was completely destroyed. Not every Trump voter lives like this woman, but nearly every Trump voter knows someone who does.

Though the details differ, men and women like my neighbor represent, in the aggregate, a social crisis of historic proportions. There is no group of people hurtling more quickly to social decay. No group of people fears the future more, dies with such frequency from heroin, and exposes its children to such significant domestic chaos. Not long ago, a teacher who works with at-risk youth in my hometown told me, “We’re expected to be shepherds to these children, but they’re all raised by wolves.” And those wolves are here—not coming in from Mexico, not prowling the halls of power in Washington or Wall Street—but here in ordinary American communities and families and homes.

Trump’s promises are the needle in America’s collective vein.

What Trump offers is an easy escape from the pain. To every complex problem, he promises a simple solution. He can bring jobs back simply by punishing offshoring companies into submission. As he told a New Hampshire crowd—folks all too familiar with the opioid scourge—he can cure the addiction epidemic by building a Mexican wall and keeping the cartels out. He will spare the United States from humiliation and military defeat with indiscriminate bombing. It doesn’t matter that no credible military leader has endorsed his plan. He never offers details for how these plans will work, because he can’t. Trump’s promises are the needle in America’s collective vein.

The great tragedy is that many of the problems Trump identifies are real, and so many of the hurts he exploits demand serious thought and measured action—from governments, yes, but also from community leaders and individuals. Yet so long as people rely on that quick high, so long as wolves point their fingers at everyone but themselves, the nation delays a necessary reckoning. There is no self-reflection in the midst of a false euphoria. Trump is cultural heroin. He makes some feel better for a bit. But he cannot fix what ails them, and one day they’ll realize it.

I’m not sure when or how that realization arrives: maybe in a few months, when Trump loses the election; maybe in a few years, when his supporters realize that even with a President Trump, their homes and families are still domestic war zones, their newspapers’ obituaries continue to fill with the names of people who died too soon, and their faith in the American Dream continues to falter. But it will come, and when it does, I hope Americans cast their gaze to those with the most power to address so many of these problems: each other. And then, perhaps the nation will trade the quick high of “Make America Great Again” for real medicine.»

Opioid of the Masses

18/11/2025

Os equívocos do Programa "Mais Habitação", ou como tentar administrar uma medicação sem saber qual é a doença (14) - Adam Smith de 1776 em vez da verborreia ideológica

Continuação de (1), (2), (3), (4), (5), (6), (7), (8), (9), (10), (11), (12) e (13)

mais liberdade

«Quando a quantidade de qualquer mercadoria que chega ao mercado é inferior à procura efectiva, todos aqueles que estão dispostos a pagar o valor total da renda, dos salários e do lucro necessários para que ela chegue ao mercado, não podem obter a quantidade desejada. Em vez de ficarem sem nada, alguns estarão dispostos a pagar mais. Imediatamente, começará uma competição entre eles, e o preço de mercado subirá mais ou menos acima do preço natural, conforme a magnitude da escassez ou a riqueza e o luxo desenfreado dos concorrentes estimulem, em maior ou menor grau, o fervor da competição. Entre concorrentes de igual riqueza e luxo, a mesma escassez geralmente ocasionará uma competição mais ou menos acirrada, conforme a aquisição da mercadoria seja mais ou menos importante para eles. Daí o preço exorbitante dos bens de primeira necessidade durante o bloqueio de uma cidade ou em tempos de fome.»

Adam Smith, An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations - The Wealth of Nations - Book I - Chapter VII

17/11/2025

Crónica da passagem de um governo (24)

Outras Crónicas do Governo de Passagem

Navegando à bolina
Tanto barulho para nada. A única coisa notável na “reforma” da legislação laboral é a greve geral

Posso estar equivocado, mas não encontro nas alterações que o governo pretende aprovar nada que afecte significativamente o funcionamento do mercado de trabalho – supondo que tal coisa existe – ou os direitos dos trabalhadores, para utilizar o patuá sindical. Em consequência, não creio que essas alterações tenham efeitos visíveis na “flexibilização” e ainda menos impactos na eficiência das empresas e na produtividade do trabalho.

A greve geral é tanto mais despropositada quanto, segundo o INE, o aumento homólogo no 3.º trimestre da remuneração bruta total mensal média por trabalhador atingiu 5,3% e em termos reais, descontada a inflação, o aumento foi de 2,6%.

À atenção do Dr. Gonçalo Matias, ministro Reforma do Estado

Dos 30 países considerados no estudo da OCDE, o Estado sucial português é o segundo, só superado pela Turquia, com serviços públicos administrativos mais centralizados.

Ó Dr. Matias não perca tempo com pensamentos milagrosos e declarações bombásticas, como a de que Portugal «tem todas as condições para se tornar um líder mundial na IA», desça à terra e comece a tratar disto.

Os contribuintes são todos iguais, mas há uns mais iguais do que outros

O caso dos impostos (IMI e imposto de selo) de mais de 300 milhões devidos pela venda das barragens da EDP à multinacional francesa Engie para reduzir o endividamento, operação disfarçada pela EDP como uma reorganização empresarial, impostos que a EDP assumiu perante o comprador não seriam devidos, são o exemplo mais notório de como o governo AD pela boca do ministro das Finanças sucumbiu ao lóbi accionista sino-hispano-americano admitindo que uma obrigação fiscal confirmada pelo Ministério Público poderia não ser cumprida.

A realidade vai-se impondo ao pensamento milagroso

adaptado de mais liberdade

Hoje há conquilhas, amanhã não sabemos, nem queremos saber

Mostrando que em certas matérias, como no investimento, é mais o que une os dois grandes partidos do regime do que o que os separa, a taxa de execução do investimento público do governo AD em 2024 andou pelos 84%, afinal ainda inferior aos 90% das taxas dos governos PS. Num país pendurado no Estado sucial os empresários seguiram o exemplo e o investimento privado caiu igualmente em 2024 para 13%.

16/11/2025

Ser de esquerda é... (33) - ... é trocar de causas como quem troca de camisa (sempre com o mesmo tronco)

«Desastres eleitorais sucessivos, transferência de votos para a direita a par do envelhecimento do seu eleitorado, levaram as esquerdas  a primeiro deitar contas à vida e, em seguida, atirar pressurosamente para o caixote do lixo as vítimas que até ontem animavam o seu activismo. E assim, porque chegou a hora dos camaradas subirem ao palanque, num ápice sumiram-se os “camarados” e os “camarades”. (...)

O problema é que não só conseguem impor novos activismos como está implícito que esqueçamos as consequências do activismo da véspera. É mesmo como se esse activismo nunca tivesse existido. O direito à desmemória é o grande privilégio da esquerda que, enquanto mergulha as sociedades em processos contínuos de mortificação pelos crimes cometidos  por aqueles que aponta como seus inimigos no passado — e que podem ser tão distantes quanto os descobridores portugueses do século XV —, se arroga a si mesma o direito de não ser confrontada por aquilo que fez e disse ontem. Ou anteontem. Ou há um ou dois anos. (...)

Pois é agora já ninguém quer saber das casas de banho para as crianças trans, nem da linguagem dita inclusiva porque agora vamos voltar à “classe contra classe até à vitória final” como se estivéssemos no PREC. Alguém esperava que assim não fosse? Para que tal acontecesse era necessário ter denunciado, criticado, confrontado… os activistas quando estes andavam por aí com o linguarejar (cada activismo tem o seu idiolecto próprio) do sonho e da conquista irreversível para designar a estatização e consequente destruição da economia do país. É caso para dizer, olá camaradas. Façam de conta que estão na vossa casa.»

Helena Matos no Observador

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Outros "Ser de esquerda é..."

Em boa verdade, a volubilidade da esquerdalhada é apenas aparente, porque persiste o mesmo propósito de sempre: impor uma agenda e sabotar a liberdade em nome de grandes princípios. Afinal, o mesmo propósito que a direita iliberal prossegue.