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Em 2000, a esquerda atacou uma das grandes instituições americanas, o colégio eleitoral da União. Bush obteve menos votos do que Al Gore à escala nacional, mas conquistou mais cadeiras no colégio eleitoral. Venceu nos estados certos. Após 2000, a esquerda passou quatro ou mesmo oito anos a beliscar a legitimidade eleitoral de Bush. Bastava seguir o "Daily Show” do Jon Stewart. Por outras palavras, o populismo também pode vir da esquerda chique. A posição de Stewart era cómoda, preguiçosa e populista, porque esquecia um ponto fundamental: os EUA são uma federação, isto é, um acordo político entre diferentes estados autónomos; a diferença de peso dos estados no colégio eleitoral é um dos pontos deste acordo institucional. Agora, em 2016, a esquerda que atacava Bush e o colégio eleitoral é a mesmíssima esquerda que se agarra a uma certeza: mesmo que vença no voto popular, Trump nunca dominará o colégio eleitoral. A esquerda passou de populista a institucionalista só por causa do seu interesse tático.
Na terça-feira, quando fizer o discurso da derrota, Trump usará os argumentos que a esquerda usou contra Bush. Vai dizer que Hillary até ganhou o colégio eleitoral, mas não venceu na verdadeira nação; vai dizer que estamos perante uma farsa eleitoral. Quer isto dizer que Stewart é tão perigoso como Trump? Não. Trump é uma mutação nova. Contudo, Trump cresceu num caldo populista que deve tanto ao tea party como aos jon stewarts. O desprezo pelas instituições clássicas é o mesmo. No que diz respeito ao desdém pelo colégio eleitoral, a diferença entre o discurso de Trump de terça e o discurso que Jon Stewart manteve durante anos sobre Bush é só uma: Stewart representava ou representa uma pequena elite, a esquerda chique; Trump tem atrás de si dezenas de milhões de votantes. Vai doer.»
«O que une Jon Stewart a Donald Trump?», Henrique Raposo no
Expresso Diário
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