Mais um excerto de outra das crónicas, compiladas em «De mal a pior» (D. Quixote), de Vasco Pulido Valente, o último dos queirozianos, não no estilo mas na substância, com a sua visão lúcida, por vezes vitriólica, deste Portugal de mentes pequeninas e elites medíocres.
«Ora, sem Salazar, a direita portuguesa fica num vácuo. Sá Carneiro não durou o bastante para lhe dar forma e a consolidar. O" cavaquismo", sendo um governo meritório, não deixou uma doutrina ou um método. O ensaio "populista" de Santana e Portas faliu na abjecção. Sobrou o quê? Sobrou um vago liberalismo, que se imagina esperto e na prática repete as banalidades da moda. O liberalismo, de resto, não é fácil num país como Portugal. A pobreza indígena sempre viveu da protecção do Estado e sempre desesperadamente a exigiu: a nobreza e a burguesia, o povo rural e o povo urbano, a Igreja e a Universidade, a agricultura e o comércio, a indústria e os serviços, o funcionalismo e, claro está, a arte. Toda a gente em Portugal espera tudo ou quase tudo do Estado, a começar pelos "liberais" de agora, que esperam do Estado negócios, privilégios, parcialidade e favores. Uma direita liberal portuguesa é uma contradição de termos.
Mas, se a direita não for conservadora, porque Salazar morreu e não há nada a conservar, e se não for liberal, por causa da eterna indigência do país, que será ela? Boa pergunta. Uma pergunta que, ao fim de 30 anos, já merece resposta. No fundo, a direita portuguesa não precisa de se "refundar", precisa simplesmente de se fundar.»
A "refundação" da direita, 19-03-2005
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