Outras avarias da geringonça.
Preâmbulo atrasado
Quando entrámos na bancarrota depois dos anos de desvario, 9 em cada 10 portugueses imaginando-se num paraíso da economia social foram apanhados de calças na mão e, como acontece nas doenças graves, percorreram penosamente as fases de negação, revolta, negociação, depressão e, finalmente, aceitação.
Fechado (mal) este ciclo, estamos agora a caminho de mais um período de ilusões que só pode terminar mais ou menos da mesma maneira.
Por isso, como uma espécie de serviço social para resgatar os meus pecados, atribuí-me a missão de ajudar os distraídos a antecipar o choque com a realidade publicando esta série de posts que já vai na 15.ª edição. ____________________________________________________________________________________________
Para inaugurar 2016, Costa escreveu um artigo de opinião com o auspicioso título «
Ano novo, tempo novo» onde enumera as grandes realizações do seu governo «
nos primeiros 20 dias de governação», a saber: suprime ou reduz a sobretaxa de IRS para 1,6 milhões de famílias, actualiza mais de 2 milhões de pensões, elimina e devolve os cortes dos vencimentos dos funcionários públicos, aumenta o salário mínimo, repõe o complemento solidário para 440 mil portugueses, aumenta o abono de família, etc., um enorme etc. que vai desde a adopção de crianças por homossexuais à abolição de exames de alunos e da avaliação de professores, passando pelo aborto gratuito.
Como se não bastasse, Costa vai ainda «
criar melhores condições de investimento das empresas, com o pagamento de cem milhões de euros de fundos comunitários nos primeiros cem dias de governo». Leram bem? Cem milhões, uns 0,4% da Formação Bruta de Capital Fixo! É pouco? É. É por isso que Costa anuncia «
a criação de uma estrutura de missão para a capitalização das empresas» que se espera faça aparecer os euros necessários para dotar as empresas do capital que não têm.
Tudo isto, claro, Sem Custos para o Utilizador, porque «
o crescimento da procura assente na melhoria do rendimento das famílias» tornará supérfluo o «
seu endividamento para o consumo e a compra de casa própria» tornando assim disponível o crédito «
para o financiamento do investimento produtivo». Porquê ninguém ainda se tinha lembrado disto?
Terá Costa consciência que as suas políticas são a poção mágica já experimentada em Portugal (e na Grécia, e no Brasil, etc.) que nos levou por três vezes à bancarrota nos últimos 40 anos? Se for assim, Costa é um aldrabão compulsivo à altura do seu antecessor Sócrates e só pretenderá salvar a sua cabeça. Se não for assim, Costa é um pateta terminal que, imaginando evangelicamente estar a salvar o país, o enterrará uma vez mais.
Sabe-se lá porquê, Costa omite da sua lista outras das suas realizações. Lembremo-las.
Foram ontem «
repostos» pela geringonça os feriados adquiridos: dois religiosos, o de Corpo de Deus, o dia de Todos os Santos, e dois civis, Implantação da República e Restauração da Independência. E pode estar a caminho mais outra reposição:
25 dias úteis de férias (dependendo da assiduidade).
Os jornais citaram economistas anónimos da Mouse Square School of Economics que entendem que estas reposições não têm impacto sobre o PIB, porque, para eles, o PIB não depende do produto e este não depende da quantidade de trabalho. Se dependesse, como menos cinco ou seis dias de trabalho em 230 possíveis representam mais de 2% , ainda que, num cenário pessimista (ou optimista, conforme a perspectiva), metade da população empregada não produzisse nada nesses dias, o PIB poderia cair mais de 1%, ou seja 1,7 mil milhões. Em alternativa, diria a Mouse Square School of Economics, as empresas contratariam mais trabalhadores para compensar a queda da produção o que teria o efeito positivo de diminuir o desemprego – e, acrescentariam os incréus, o efeito negativo de aumentar os custos de produção, o que no caso dos bens transaccionáveis e da exportação reduziria a competitividade das empresas. Sem esquecer que no mundo real, na maioria das actividades industriais, a paralisação nos feriados significa uma perda irrecuperável de produção.
No que respeita ao ensino, prosseguem em grande velocidade as reformas iniciadas com a abolição de exames e da avaliação dos professores, reformas em que se «
desfez em 40 dias a política de educação de Crato». O «
Ministro da Educação promete novo modelo de avaliação para esta semana»
disseram-nos na 2.ª feira, coisa só possível num país lusófono a caminho do socialismo, onde cada ministro da educação faz o possível e o impossível por «
desfazer» a instrução pública a pretexto das suas paixões pela educação compartilhadas na sua união de facto com a Fenprof.
Hoje, sábado, não sei se o ministro já tirou o novo modelo da gaveta. Se tirou, vai ter de revê-lo se a semana de
35 horas na função pública que o seu chefe
está a dever ao PCP para manter a geringonça a funcionar for aprovada e «
deixar escolas com falta de funcionários» para aplicar o novo ou o velho modelo.
Por último, resta lembrar que a realização mais previsível destas políticas já foi de certo modo antecipada pela Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) ao
divulgar «
que no último mês do ano passado foram utilizadas todas as verbas que restavam da almofada financeira do Estado para 2015». E confirmada pelo
aumento anunciado pela Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública de 500 milhões para 7 mil milhões (até ver) das necessidades líquidas de financiamento do Estado em 2016.
E apesar de todas estas realizações da geringonça, o PCP ainda não está feliz. Ao seu candidato, ex-padre que trocou Jesus Cristo por Estaline,
não lhe parece «
que tenhamos um Governo de esquerda». Não sabemos se por isso ou por causa
daquela dúvida enunciada por Bernardino Soares e partilhada pelo candidato, o
PCP votou contra a condenação dos crimes da Coreia do Norte.