Quase tudo o que se tem escrito sobre Otelo Saraiva de Carvalho a pretexto da sua morte é muito motivado ideologicamente e, tratando-se de uma personagem profundamente contraditória, o que se escreve reflecte quase sempre e sobretudo os amores ou os ódios.
O único escrito mais objectivo que li foi o de José Miguel Júdice no Expresso citado a seguir que é bastante factual, com excepção do último parágrafo em que Júdice não resiste à tentação de fazer um julgamento, concluindo que «não foi um herói nem foi um vilão». Juízo errado, a meu ver, porque ele foi um "herói" (enfim, tanto quanto é possível a uma criatura ser herói no Portugal dos Pequeninos sob a tutela do Estado Novo) e foi um vilão, por esta ordem. A ordem neste caso é tudo porque ao terminar a sua vida pública como moralmente responsável por uma dezena e meia de assassinatos cruéis, e sobretudo gratuitos e estúpidos, ficou um vilão para a história. Por várias razões e uma definitiva: se ele teria sido facilmente substituído no seu papel de "herói" por um dos vários protagonistas militares (desde logo Ramalho Eanes), o seu papel como símbolo e inspiração do gangue de assassinos das FP25 foi insubstituível.
«OTELO: UM ATOR NA REVOLUÇÃO
A morte de Otelo já foi tratada por muitos, mas creio que não tocaram no essencial: mais do que liderar a operação militar que nos deu a liberdade e liderar os que se não importava que destruíssem a liberdade à bomba, Otelo era e sempre foi um ator.
Como escreveu ontem no Público o seu biógrafo, Paulo Moura, “Otelo sempre gostou dos aplausos. Quando era miúdo, queria ser actor, não militar. Adorava falar, ser ouvido, rodear-se de pessoas, de “amigos”. Era amigo de toda a gente”.
Otelo era, sempre foi, um ator, realmente. Isso na Guiné era útil para a estratégia de promoção de Spínola junto dos “media” nacionais e internacionais.
Antes dizem-me que foi graduado da Mocidade Portuguesa, mas nasceu para a política como spinolista e aderiu ao MFA com teatralidade. Mais corajoso ou mais atrevido do que muitos (se não todos…), teve a energia da determinação e estou convicto que sem ele (e sem Spínola) o 25 de abril podia ter soçobrado. Um grande papel é irresistível para um ator.
Mas, de imediato, o seu lado teatral veio ao de cima, como resultado da popularidade (quão diferente era Salgueiro Maia…).