Our Self: Um blogue desalinhado, desconforme, herético e heterodoxo. Em suma, fora do baralho e (im)pertinente.
Lema: A verdade é como o azeite, precisa de um pouco de vinagre.
Pensamento em curso: «Em Portugal, a liberdade é muito difícil, sobretudo porque não temos liberais. Temos libertinos, demagogos ou ultramontanos
de todas as cores, mas pessoas que compreendam a dimensão profunda da liberdade já reparei que há muito poucas.
» (António Alçada Baptista)
The Second Coming: «The best lack all conviction, while the worst; Are full of passionate intensity» (W. B. Yeats)

01/11/2025

O SNS e a anomalia estatística

Uma anomalia estatística é um ponto ou um conjunto de dados significativamente diferente da maioria dos outros dados num conjunto. Para dar um exemplo banal, uma velhota a quem dizem que a taxa de fecundidade, isto é o número médio de filhos que uma mulher tem durante o seu período reprodutivo, em Portugal é tão baixa (1,4) que não garante a manutenção da população (2,1), poderá dizer "não pode ser, pois se ainda esta manhã me cruzei na rua com duas mulheres, uma com três e outra com quatro filhos..."

Chegando onde quero chegar, se disser a uma criatura que no final de Julho estavam quase um milhão de  contribuintes a que chamam "utentes" à espera da primeira consulta, essa criatura pode muito bem responder "não pode ser, não conheço ninguém que esteja à espera de consulta..."  

Se disser a uma criatura que há mais de 1,7 milhões de utentes sem médico de família, essa criatura pode muito bem responder "não pode ser, eu tenho médico de família e não conheço ninguém que não tenha..."

Se disser a uma criatura que os tempos de espera das urgências gerais do Hospital São Francisco de Xavier podem em média ser superiores a 2 horas e os não urgentes ultrapassarem 5 horas, essa criatura pode muito bem responder "não pode ser, ainda na semana passada estive lá e fui imediatamente atendido..."    

Se disser a uma criatura que os médios de resposta para a primeira consulta de cardiologia atingem 154 dias, essa criatura pode muito bem responder "não pode ser, o meu pai que sofre do coração só esperou uma semana para ter consulta...".

Se disser a uma criatura que os tempos médios de resposta para a Cirurgia Geral prioritária atingem 31 dias e a normal 118 dias, essa criatura pode muito bem responder "não pode ser, o meu irmão só esperou uma semana para uma cirurgia...". 

Se disser a uma criatura que há mais de 20 mil "utentes" que aguardam cirurgias por um período superior aos tempos máximos de espera, essa criatura pode muito bem responder "não pode ser a minha prima Eugénia e o meu vizinho do lado fizeram cirurgias dentro do prazo...

E pronto, é o que temos.

31/10/2025

Lost in translation (371) - Insultos à inteligência


A foto da esquerda de um cartaz numa suposta cidade francesa com trottoirs de calçada portuguesa sugerindo o repúdio pela corrupção de Mme Le Pen é uma óbvia falsificação grosseira que anda por aí a circular nas redes sociais. A foto da direita é de um cartaz real numa cidade portuguesa com um teaser do Dr. Ventura para excitar as mentes fracas. E estamos assim.

30/10/2025

What would Mr. Trump's devotees have said if Sleepy Joe had accepted money from his supporters to pay the wages of US military? Would the devotees practice the usual double standard, or would they classify Mr. Trump as they would have classified Mr. Biden?

«President Donald Trump dropped the news casually at the very end of a White House roundtable this past Thursday. “A friend of mine”—he said the man preferred not to use his name—“he called us the other day, and he said, I’d like to contribute any shortfall you have because of the Democrat shutdown,” Trump said. The money would go to pay the armed forces while the government is closed. “Today, he sent us a check for $130 million.”

I am running out of words for astonishing, but I hope Americans are not running out of astonishment. This announcement is troubling in many ways, including the idea of a private individual funding the U.S. military—much less doing so anonymously. If allowed to stand, it will be the latest step on the road toward Congress’s irrelevance and the elevation of a near-monarchical presidency, whose holder can be swayed by influence and bribery but can’t be meaningfully checked by public oversight.

By the weekend, The New York Times had reported on the donor’s identity: Timothy Mellon, a reclusive heir to a huge fortune. He’s given millions to support Trump’s campaigns, as well as to Health and Human Services Secretary Robert F. Kennedy Jr., and his Children’s Health Defense. Mellon’s cousin Richard Mellon Scaife poured millions into seeking dirt on President Bill Clinton in the 1990s. Timothy’s grandfather, Andrew W. Mellon, was a businessman who became Treasury secretary during the administrations of Presidents Warren Harding, Calvin Coolidge, and Herbert Hoover—accruing such power that a joke went that three presidents served under him.

Even without knowing that context, you don’t need a political-science degree to understand why having wealthy individuals cutting secret checks to the president to pay the military is a bad idea. First, it makes the administration dependent on a wealthy person to function—which hands that person influence over the president. Second, despite the fact that Trump acts as though, and seems to believe that, the armed forces (along with the White House and the rest of the federal government) belong to and answer to him personally, they do not. Funding the military via a private donor not accountable to Congress, voters, or anyone (especially if they are unnamed) raises the specter that the military might really become beholden to the president. If Americans aren’t paying the armed forces, then why should the armed forces answer to or protect them? And what’s to stop their might from being trained on the people?

29/10/2025

What would Mr. Trump's devotees have said if Sleepy Joe had accepted money from his supporters to build a BIG, BEAUTIFUL BALLROOM? Would the devotees practice the usual double standard, or would they classify Mr. Trump as they would have classified Mr. Biden?


«The White House is getting a $300 million facelift, and some of the largest corporations in the world are footing the bill—with the help of MAGA lobbyists.

Construction began this week for Donald Trump’s “big beautiful White House ballroom,” with workers tearing down the East Wing. Trump has said the work won’t cost taxpayers a dime and will be privately funded by “many generous Patriots, Great American Companies, and, yours truly.”

The White House did not comment on how much Trump himself will give, but it did share a list with The Free Press—you can view that here—of almost 40 donors. It includes companies such as Amazon, Apple, and Google, crypto giant Coinbase, and defense contractors Lockheed Martin and Booz Allen Hamilton. It also includes wealthy Trump supporters like oil and gas magnate Harold Hamm and Blackstone CEO Stephen Schwarzman as well as crypto entrepreneurs Cameron and Tyler Winklevoss

MAGA Lobbyists’ Advice to Clients: Help Pay for Trump’s Big, Beautiful Ballroom

28/10/2025

Sequelas da Nau Catrineta do Dr. Costa (75)

Continuação das Crónicas: «da anunciada avaria irreparável da geringonça», «da avaria que a geringonça está a infligir ao País» e «da asfixia da sociedade civil pela Passarola de Costa» e do «Semanário de Bordo da Nau Catrineta». Outras Sequelas da Nau Catrineta do Dr. Costa.

Take Another Plan. SATA, uma TAP das Ilhas

Recordemos que a SATA, a companhia regional de aviação dos Açores, assinou em 2016 um contrato de leasing de um avião Airbus A330 que custou até 2023 mais de 40 milhões de euros, com o avião estacionado desde 2019 no aeroporto Sá Carneiro, por custar mais caro mantê-lo a operar. Entretanto, a SATA recebeu ajudas de 453 milhões de euros e só em 2023 a comissão de inquérito do parlamento açoriano se deu conta. Descobriu-se mais tarde que a SATA estava tecnicamente falida, ninguém parece saber qual o montante exacto do passivo e procura-se um candidato privado para comprar o mono, querendo dizer um benemérito que, como é sabido, fora do Estado sucial é coisa que não existe.

Fast forward, dois anos depois o processo de privatização continua sem candidatos e a Câmara do Comércio de Angra do Heroísmo, preocupada porque o fecho da Azores Airlines do grupo SATA pode ter um impacto de cerca de 1,27 mil milhões de euros, montante equivalente a um quarto do PIB da RAA, e a perda direta de 815 empregos. A Câmara que considera a privatização a «única via possível para salvar a companhia» está equivocada porque a salvação desta companhia só pode ser feita com dinheiro dos contribuintes. A dúvida é se, e qual, a outra companhia pode fazer do tráfego aéreo para os Açores um negócio, isto é uma empresa paga pelos seus clientes.

Take Another Plan. TAP uma SATA do Continente

O Tribunal Constitucional confirmou a interpretação do Supremo Tribunal de Justiça e dois mil tripulantes com contratos a prazo desde 2006 cancelados, muitos deles durante o processo de reestruturação da TAP em 2022, em que foram torrados mais de três mil milhões de euros, poderão reclamar os retroactivos estimados em 300 milhões de euros (fonte).

Sequelas de oito anos de governação do Dr. Costa

mais liberdade

Os dois gráficos acima mostram os resultados do ensino doutrinário e da autoestrada mexicana do investimento público socialista.

O mito do alojamento local como culpado da falta de habitação

Passando ao lado da queda abissal das novas construções, o alojamento local foi um dos três pilares da tese oficial da esquerdalhada para justificar o aumento do preço das casas e dos arrendamentos – os outros dois foram o clássico da especulação dos senhorios e a compra de habitação pelos estrangeiros. Afinal, em resultado do «processo de limpeza dos registos inativos de alojamento local decorre há cerca de cinco meses» concluiu-se que actualmente cerca de 40 mil dos cerca de 125 mil alojamentos locais só existem no papel.

27/10/2025

Javier Milei ganhou uma batalha. Ganhar a guerra é outra coisa e, a ser possível, levará algum tempo

Para uma criatura com instintos liberais, como este vosso escriba, é natural ver com simpatia os esforços de Javier Milei para pôr em prática políticas visando emagrecer o Estado dinossáurico argentino e dar aos argentinos liberdade para viverem as suas vidas sem o jugo de uma "casta" extractiva.

Como sempre, os problemas na política não são só, nem principalmente, os fins, são também os meios e os estilos. Qualquer um poderia concordar com o essencial dos propósitos declarados da maioria das organizações políticas, já quanto aos caminhos para os atingir, a coisa fia mais fino.

Esquecendo o estilo que apela perigosamente ao simplismo e à irracionalidade, esses caminhos também no caso do actual presidente argentino estão longe de ser inquestionáveis, como mostram os exemplos aqui citados: a promoção de uma criptomoeda duvidosa que foi um fiasco, as suspeitas de corrupção da sua irmã e do principal candidato que veio a renunciar. Podia acrescentar, com grande ira dos devotos do Sr. Trump, deixar-se apropriar pela direita populista iliberal e em particular pelo trumpismo, com quem tem pouco em comum e a quem foi esmolar um swap cambial de 20 mil milhões para apoiar o peso.

Ainda assim, sendo a política a arte do possível, Milei merece o apoio dos democratas liberais.

Crónica da passagem de um governo (21)

Outras Crónicas do Governo de Passagem

Navegando à bolina
Take Another Plan. Vai ser preciso escolher entre uma TAP viável e manter um marsúpio subsidiado

Não se sabe se o governo do Dr. Montenegro já se deu conta de que, com toda a probabilidade, nenhum grande operador internacional comprará a TAP sem garantias de que a poderá governar ou para manter o marsúpio com o ventre cheio de utentes. Por exemplo, um dos potenciais interessados o Grupo IAG (British Airways, Iberia, Vueling, AerLingus e Level) que comprou a Iberia – a TAP espanhola – e, depois das greves do costume, «Willie Walsh o CEO do IAG, pôs a Iberia perante o dilema receber o investimento necessário para a recuperação ou falir. O Estado Espanhol fica de fora de conflito empresarial» (ver aqui a estória contada por Sérgio Palma Brito).

Com outros interessados, como a Lufthansa, poderá haver algumas nuances, porém, os princípios básicos manter-se-ão porque quem compra sabe que vai ter de sobreviver num mercado muito concorrencial – a não ser que o Dr. Montenegro queira continuar a extorquir os contribuintes portugueses para pagar a factura de manter no ar o dinossauro.

«Em defesa do SNS, sempre» / «O SNS é um tesouro», seguido de Os portugueses «vão ter razões para confiar no SNS»

Um excelente exemplo de como o SNS se afunda cada vez mais quanto mais dinheiro lhe despejam e mais “profissionais” lá estacionam, é o caso das “cirurgias adicionais” que se transformou num expediente para aumentar a produção “adicional” e que nalguns hospitais representa quase metade do total, tornando o aumento das listas de espera uma oportunidade de negócio para cirurgiões que dão prioridade às cirurgias mais simples e lucrativas, como explica o médico Luís Teixeira.

A meritocracia do Estado sucial é uma espécie de caquistocracia

Para quem não saiba ou não se lembre, a CReSAP é uma entidade que avalia os candidatos a nomeações para cargos públicos. Criada pelo governo de Passos Coelho, foi completamente ignorada pelos governos do Dr. Costa com os resultados que se viram de colocação de gente incompetente ou corrupta ou com ambas as características.

O Dr. Montenegro ressuscitou a CReSAP, e bem, mas persiste um outro pequeno problema. Recentemente, na falta de candidatos com mérito reconhecido, o governo nomeou para a Direção-Geral das Autarquias Locais um candidato que já tinha sido previamente nomeado em regime de comissão de serviço, usando o expediente dos governos socialistas. O mesmo voltou agora a acontecer com a nomeação para a Unidade dos Grandes Contribuintes da AT do director-adjunto, uma vez mais por falta de «candidatos com mérito». E por que faltam candidatos com mérito? Ora, por que haveria de ser? Porque na vaca marsupial pública em que se transformou o Estado sucial o mérito é na melhor hipótese supérfluo, ou na pior inconveniente.

Grão a grão enche a galinha o papo

Em boa verdade, é muito mais do que um grão, são 3,2 mil milhões de euros (dos quais 2,4 mil milhões do sector público) do aumento para 857 mil milhões de euros do endividamento da economia (dívida total das famílias, Estado e empresas não financeiras).

Não há vida para além do orçamento

Se acreditamos nas previsões do Conselho das Finanças Públicas (CFP) - há melhores razões para isso do que acreditar nas do governo -, o excedente de 2026 será de 0,1% do PIB e não de 0,3% como prevê o governo, ou seja, menos 2,3 mil milhões de euros. Já a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) vai mais longe e prevê um equilíbrio receitas-despesas devido ao “estímulo orçamental” de 5% do PIB e alerta para os riscos, nomeadamente das tensões geopolíticas e do impacto das “tarifas” do Dr. Trump.

26/10/2025

Javier Milei's troubles. Do as I say, not as I do

«Mr Milei’s economic team is in Washington, trying to hash out the details of the bail-out and buy some calm. Yet even if they can navigate American politics, the Argentine variety may swamp them. A serious loss in the midterms would all but end Mr Milei’s radical economic reform programme.

The coming weeks will be tough. Voters consider Mr Milei’s success in pulling down inflation to be old news. Corruption allegations and the gyrations of the peso dominate the headlines. It is still—just—possible that Mr Milei could emerge after the elections with markets calmed and his political hand strengthened. But he needs to make it to October 26th without more exchange-rate chaos, and then win enough seats in Congress to convince markets that his reform project is still alive. (...)

Then Mr Milei needs to win, or at least take enough seats to allow him to defend his presidential veto. But his electoral strategy is in trouble. His dogmatism has alienated powerful provincial governors. He came to power in 2023 raging against “la casta”, the corrupt political elite. “I’m hungry for the whole caste,” he roared again during his concert. And yet he has been hit by three big corruption scandals this year.

The first was over his promotion of a dodgy cryptocurrency that soon collapsed in value. Then, in August, leaked audio messages led to allegations that his sister was taking kickbacks from purchases of medicine by the state disability agency. The latest blow was on October 5th, when José Luis Espert, the leading candidate of Mr Milei’s party in Buenos Aires, whose face is already on the ballot papers, stood down. He admitted to receiving $200,000 from a man indicted in the United States for drug-trafficking, but says it was for legitimate consulting work. In all three cases those involved deny wrongdoing.

Curbing rampant inflation is the other pillar of Mr Milei’s pitch. Fast-rising prices used to be voters’ biggest worry, but unfortunately for him they have moved on, and now corruption tops the list. That inflation concerns have ebbed is a testimony to Mr Milei’s success, but he has failed to pivot to other issues. An overvalued peso helped to curb price growth, but propping it up has both hurt employment and exacerbated the exchange-rate crisis. Now more voters worry about jobs than inflation.

Polling suggests Mr Milei’s party still has a chance. But momentum is against it. He will need more than rock concerts to turn things around.»

The Argentine peso, and Javier Milei, are in trouble