No final dos anos 90 os
web lunatics imaginavam que a emergência do
e-commerce, e-business, do B2B, do B2C, do P2P, e das outras tretas de
vapourware com outras tantas
buzzwords apelativas, iria exterminar o comércio
mortar & bricks. Como todos os lunáticos, também estes confundiram o que se passava no interior dos seus cérebros mortificados por incontáveis noites de vigília com o que se iria passar no mundo real dos negócios. E o que se veio a passar foi a dissolução da bolha das TI no início deste século vitimar incontáveis projectos de
e-commerce nascidos nas garagens. Enquanto isso, os dinossáuricos negócios de pedra e cal abriram os cordões às recheadas bolsas e gastaram uns trocos na web, criando os sites e os portais que precisavam para atingir os segmentos de mercado que por aí navegavam com saldo no cartão de crédito.
Uns anos depois, quando surgiram as primeiras vagas dos
web logs, logo outros profetas anunciaram precipitadamente o fim dos mídia, ou, se não o fim, pelo menos o fim dos mídia tal como os conhecemos hoje. Também este prenúncio de morte era um pouco exagerado. Como desde há mais de um ano já se vê cada vez mais claramente, com a chegada de ondas sucessivas de profissionais dos mídia (não só jornalistas) a abrirem na Blogosfera sucursais do seu negócio de papel ou do éter, o que se passa não é a morte dos mídia. É a invasão da Blogosfera - sendo certo que alguns blogonautas também abriram sucursais no sentido inverso, os exemplos contam-se pelos dedos das mãos (vá lá, dos pés, também).
Vem isto a propósito da chegada à Blogosfera lusitana, chegada muita celebrada por vários blogues, de
la crème de la crème do pessoal que escreve nos jornais, do vértice da pirâmide dos
opinion makers cá do burgo. Nada menos do que a doutora Constança Cunha e Sá, escoltada pelo doutor Vasco Pulido Valente. Fez-se um silêncio respeitoso, aqui e ali (muitos aquis e alis) rasgado por educados cumprimentos e desejos de boas vindas e (insinuo maldosamente) inconfessados apetites de figurar na olímpica lista de
links de
O Espectro.
Perante tanta manifestação respeitosa, tanta vénia reverencial, acende-se-me na alma um impulso incontrolável de soltar o impertinente que em mim habita. Fica para mais tarde. Por agora só lembro aquele episódio do mais queiroziano dos nossos comentadores quando, há uns bons anos, acrescentando mais uma às suas incontáveis previsões falhadas, e tendo prometido previamente que deixaria de ser «analista» se tal infortúnio acontecesse, iniciou a sua crónica seguinte explicando que tinha passado à categoria de «comentador».
E já que falo de previsões, a arte mais nobre do «analista», lembro o injustamente vilipendiado (*) arquitecto Saraiva, a quem deve ser creditado um
score de previsões acertadas, como o próprio lembrou recentemente com uma compreensível falta de humildade, muito mais alto do que ao doutor Pulido Valente (qualquer número positivo é maior do que zero, como se aprendia na 1.ª classe do doutor Salazar e hoje no 1.º ano dos cursos de matemáticas puras). A esse, sim, deve ser atribuído o estatuto de «analista». É mais um exemplo de que é melhor cair em graça do que ser engraçado.
(*) Aproveitando o elance evocativo, lembro as palavras cruéis do doutor Rangel, no Correio da Manhã, há uns pares de anos a propósito do seu ex-colega do grupo Imprensa: «
O Lesma foi à televisão. Com o mesmo ar de homem das cavernas que lhe marca perfil, com o mesmo casaquinho cor de merda que usa todos os dias e em todas as ocasiões, com os mesmos tiques de troglodita tímido que chega à cidade e não sabe onde pôr os pés». Se o Impertinências já existisse nessa altura teria atribuído ao doutor Rangel cinco merecidos
ignóbeis vitalícios e uma medalha de impertinente honorário.