Our Self: Um blogue desalinhado, desconforme, herético e heterodoxo. Em suma, fora do baralho e (im)pertinente.
Lema: A verdade é como o azeite, precisa de um pouco de vinagre.
Pensamento em curso: «Em Portugal, a liberdade é muito difícil, sobretudo porque não temos liberais. Temos libertinos, demagogos ou ultramontanos de todas as cores, mas pessoas que compreendam a dimensão profunda da liberdade já reparei que há muito poucas.» (António Alçada Baptista, em carta a Marcelo Caetano)
The Second Coming: «The best lack all conviction, while the worst; Are full of passionate intensity» (W. B. Yeats)

31/12/2004

AVALIAÇÃO CONTÍNUA: O partido mais português de Portugal

Secção Musgo Viscoso
A estória repete-se, como comédia. Depois da unanimidade no congresso em torno do doutor Calimero Lopes, apenas quebrada pelo doutor Marques Mendes, os canivetes da traição afiam-se na penumbra da intriga.

É agora a vez do soi-disant cavaquismo, através de fontes próximas, enviar sondas para os jornais insinuando que aposta na derrota eleitoral do doutor Calimero Lopes para lançar para a presidência do PSD o inefável professor Marcelo, um imigrado para a reserva da nação, uma vítima das sevícias mediáticas da aliança do populismo com a oligarquia financeira (esta é digna do doutor Anacleto).

Se a coisa falhar, os cavaquistas já têm suplente para o professor Marcelo - o doutor Marques Mendes, que sendo o mais baixo deles todos acaba por ser o mais alto. Fazem bem porque com o professor Marcelo (um especialista na pequena intriga) nunca se sabe.

Os cavaquistas anunciam também a boca chiusa que o doutor António Borges - a reserva financeira e moral da nação - apoiará a candidatura do professor Marcelo. Certo, certo, só mesmo o profundo e compreensível desejo do doutor Borges continuar longe desta trapalhada.

E o que pretendem os cavaquistas? Jogar bilhar às três tabelas para abrir caminho à elevação do doutor Cavaco à presidência da República.

Podem estar bastante enganados. Talvez o doutor Calimero Lopes tenha um resultado «honroso». Talvez o doutor Calimero Lopes, apesar de mal amado pelos média e odiado pelos grupelhos que se consideram a si próprios a intelligentzia do reino, continue a ser bem amado pelos aparatchiks. Talvez os seus opositores continuem com a mesma falta de tomates para uma pega de caras num congresso. E, por todos estes talvezes, talvez o doutor Calimero Lopes só saia pelo seu pé de presidente do PSD depois de ter assegurado o apoio à sua candidatura à PR, deixando o doutor Cavaco com tempo livre para continuar a ler Thomas Moore e Thomas Mann na varanda da vivenda Mariani.

São só talvezes. O que é certo e seguro é que um partido neste estado não está capacitado nem para se reformar a si próprio, quanto mais o país.

Por tudo isto, e para fechar um dos anos mais tenebrosos para a estória do PSD, atribuo-lhe 4 chateaubriands, pela confusão, e 5 bourbons, por continuar igual a si próprio.

BLOGARIDADES: Gastar cera com ruim defunto

Como é possível uma pessoa, que escreve posts como este ou este, esbanjar, entre eles, talento a explicar-se a um senhor que faz parte da equipa que produz um blogue sinistro? Blogue sinistro que ficaria bem numa Secção Padre Anchieta se distraidamente o Impertinências o tivesse ligado aqui à direita e se essa secção da Avaliação Contínua, por acaso, existisse nos meus links.

Não por acaso, não há link ao blogue sinistro, mas há um link a A Praia no departamento Espécies ameaçadas. A Praia, por coincidência feliz, acaba de publicar um post dedicado ao grupo radical chic onde julgo milita a equipa do referido blogue sinistro.

O texto citado, escrito a propósito do encontro internacional em Lisboa da comunidade monástica de Taizé, contém, quando aplicado àquela amálgama de seitas, uma tão fina ironia que não resisto a transcrevê-lo:
«A sua teologia entronca nos elementos fundamentais da doutrina (...), não havendo espaço para o acessório as celebrações limitam-se a uma série de cânticos muito simples e repetitivos, à proclamação da palavra e, quando muito, à partilha do pão. De fora fica toda a ganga dogmática que atafulha o pensamento dos crentes e que só serviu ao longo dos séculos para separar e estigmatizar. (...) A dimensão estética da crença é muito valorizada (...).»

30/12/2004

CASE STUDY: Reflexões aleatórias sobre o contrabando orçamental - (2) Eu estou alarmado, mas por outras razões

O doutor Calimero Lopes declarou solenemente «Temos a solução, o país não precisa de se alarmar». Possivelmente tem razão: o problema dele talvez já esteja resolvido, o dos nossos filhos e netos é que talvez não.

Deixando de lado a engenharia das contas públicas, abundantemente usada pelos governos PS e PSD, do défice do OE resulta a curto prazo o aumento dívida pública e este tem como consequência inexorável um desequilíbrio geracional. As gerações futuras pagarão a factura, quer a causa do défice seja "virtuosa" (investimento público) ou "viciosa" (consumo público, evasão/ineficiência fiscal, etc.) ou uma combinação das duas.

Sendo a causa "virtuosa», poderá dizer-se que é socialmente mais justo o custo do investimento público ser suportado, através do serviço da dívida pública, pelas gerações futuras que dele beneficiarão? Depende. Como justificar o défice e o consequente endividamento para investir em áreas ou projectos em que o estado é comparativamente ineficiente?

Com causa "virtuosa" ou "viciosa", e não podendo a dívida pública aumentar ilimitadamente, nalgum momento é necessário adoptar medidas «estruturais». Deixando, por agora, as medidas suicidárias de contenção da despesa pública, a estratégia de redução do défice pelo aumento dos impostos, sendo mais aceitável do ponto de vista geracional, tem como consequência o aumento do peso do sector público na economia e tem implícita escolhas políticas colectivistas não referendadas pelos eleitores.

Em conclusão (a desenvolver em próximas reflexões aleatórias), o défice do OE ou penaliza as gerações futuras, que não foram ouvidas sobre a bondade da despesa pública, ou engorda a vaca marsupial pública ou, as mais das vezes, consegue as duas coisas.

29/12/2004

SERVIÇO PÚBLICO: No domínio do repulsivo

«... a independente Matilde de Sousa Franco será a primeira candidata por Coimbra, anunciou hoje o partido [Socialista].»

É desagradável quando a política usa o leito conjugal. Revela mau gosto quando usa a campa funerária. Quando junta ambas, mostra completa ausência de escrúpulos. Entramos no domínio do repulsivo quando o falecido foi fundador dum partido, presidente doutro, ministro por um terceiro, de cujo governo disse ser o pior deste dona Maria II (um das poucas coisas em que teve razão), e a causa próxima da sua morte foi um nojento conflito de caciques locais do partido pelo qual se candidatava a deputado ao PE.

DIÁRIO DE BORDO: Fellini - nem 8 nem 80

A primeira vez que vi o «Otto e mezzo» terá sido há uns bons 40 anos quando 90% dos bloguenautas que por aí circulam ainda eram óvulos à espera do hipotético espermatozóide que lhes estava destinado.

A frescura da ironia, a complacência de Fellini com as suas fraquezas, os devaneios, as obsessões, o desalinhamento com o bafio moral da época, revelaram-me um filme deslumbrante. Esteticamente quase perfeito - não consigo imaginá-lo a cores. Tecnicamente nem por isso - há óbvios problemas de sincronização do som, por exemplo.

Hoje. revendo-o, tenho a sensação que se não fosse a distância galáctica que vai do princípio dos anos sessentas até aos dias de hoje, seria considerado um filme sexista, como muitos outros de Fellini, um filme politicamente incorrecto.

Lembrei-me disto ao ver uma foto do «8 1/2» no Presépio d'A Praia, de que me aproprio indecentemente. Qual é o homem que não sonhou já ser um menino jesus nas mãos de meia dúzia de pecadoras?

[Fellini, por interposto Mastroianni, no meio de pecadoras, faltando inexplicavelmente a misteriosa Anouk e a fabulosa Claudia]

28/12/2004

CASE STUDY: Depois do Nacional-faixismo o Descentrismo,

Prossegue a dissecação impertinente dos hábitos rodoviários dos portugueses. Depois do Nacional-faixismo, «um movimento social-nacionalista...que leva os portugueses a circular na faixa errada», o Descentrismo.

Descentrismo
Uma pulsão maioritária entre os portugueses que os leva inexoravelmente a encalhar o chaço num parque de estacionamento evitando cuidadosamente centrá-lo entre as guias pintadas no chão. Guias que, diga-se em jeito de justificação para os praticantes do Descentrismo, foram concebidas por uns atrasados mentais que ainda não repararam que o mini deixou de se fabricar há 30 anos.
É difícil distinguir pelos resultados o Descentrismo de esquerda e o de direita, pois levam ao mesmo. Diferente, diferente, só mesmo o Descentrismo oblíquo que é muito mais eficiente visto que atrapalha a esquerda e a direita. Talvez por isso, é claramente o mais representativo dos Descentrismos.

27/12/2004

PUBLIC SERVICE: To whom it may concern - the psychotic leftist flock

«Using marijuana in adolescence and early adulthood increases the likelihood of psychotic symptoms in later life, a new study suggests. The risk of developing these symptoms is moderate, say researchers, though is higher in people with a pre-disposition to psychosis.
Up to a third of people develop signs of psychosis at some point during their lives and several studies have already linked cannabis use with psychotic symptoms. But it is often difficult to decipher whether cannabis is directly involved with the triggering psychotic symptoms - such as hearing voices and paranoia - or whether people with mental health problems are more likely to self medicate and use cannabis.»
[British Medical Journal, quoted by NewScientist.com, via Dissecting Leftism]

Because you have pre-disposition to psychosis - otherwise how could one understand your freak mind? - if you keep on smoking joints you will hear voices of dead leftists and you will get a little more paranoid than you are these days, after Mr. Bush have got his second term.
But me no buts. Now you are aware. Aren't you?

26/12/2004

ESTÓRIAS E MORAIS: Estórias de natal

ESTÓRIA nº 1 - IPE, o lar de idosos do Bloco Central
Alguns idosos que ainda lá estavam quando o lar fechou as portas ou dele tinham tido alta recentemente:

Categoria ministros e ajudantes do professor Cavaco:

  • engenheiro Faria de Oliveira
  • doutor Arlindo de Carvalho
  • doutor Jorge Pires

Categoria ministros do engenheiro Guterres:

  • engenheiro Gomes da Silva

Categoria amigos do doutor Sampaio

  • Nuno Brederode dos Santos

Categoria deputados

  • doutor Joel Hasse Ferreira

Categoria Cônjuges

  • doutor Diogo Tavares (esposo da doutora Beleza)
  • doutora Maria José (esposa do doutor Constâncio, ex SG do PS e actual governador do BP)
  • doutor Rui Mota (esposo da doutora Isabel Mota, ajudante de ministro do doutor Cavaco)

Categoria Salvos pelo Gongo

  • engenheiro Guterres (saído para a CGD)

Moral
Não mudes de moleiro sem lhe pagar primeiro (sabedoria popular).


ESTÓRIA nº 2 O Islão não paga a traidores
Os jornalistas franceses Chesnot e Malbrunot estiveram presos durante mais de 4 meses por terroristas islâmicos, apesar das suas juras de amizade. «Dissemos-lhes que não éramos inimigos nem colaborávamos com os americanos, que a França não enviara tropas nem empresários (hélas!) e que era contra a guerra ... que compreendíamos a resistência» (voilà!) , contaram eles.

Moral
Com amigos destes não são precisos inimigos.


ESTÓRIA nº 3 A adivinha
Conta-nos a Única que o cantor Tó Cruz persegue incansavelmente o sucesso que lhe escapa. Para sublinhar as dificuldades do artista, a jornalista Catarina Carvalho escreve «às vezes, TC não tem dinheiro para ...»

Adivinhe qual das seguintes necessidades básicas a jornalista Catarina dá como exemplo das privações do artista:

  • comer uma asa de frango
  • beber um copo de absinto
  • comprar 10 gramas de erva para fazer um joint
  • comprar o Expresso
  • carregar o telemóvel

Moral
A conquista do supérfluo provoca uma excitação espiritual superior à conquista do necessário (Gaston Bachelard).

24/12/2004

DIÁRIO DE BORDO: A cada um o seu natal

quem defenda, e eu concordo, que a nação nasceu do país que os «laivos matricidas» mailos maus fígados do Fundador o levaram a fundar, em má hora e, por certo, com maus conselheiros. Quem torto nasce, tarde ou nunca se endireita e se a estes maus princípios acrescentarmos os moçárabes fica tudo explicado, desde o matricídio de D. Afonso Henriques até às fugas do pântano do engenheiro Guterres, aos défices vagabundos, às sestas dos governantes e tudo o mais que se passou nestes quase nove séculos de muitas bizarrias e poucas vergonhas.

E assim, durante essa eternidade, se cozinhou uma cultura que, entre vários outros aleijões, está marcada por aquilo a que o muito citado antropólogo Hofstede chamou «power distance». Quer ele dizer na dele que para os portugueses o respeitinho é muito bonito, os sinais exteriores de status são muito importantes, as mudanças só se fazem à porrada, etc. (um enorme etc.).O nosso score nesta matéria só é superado na Europa pela França - quem mais poderia ser?

A coisa é também notória na necessidade que os portugueses, principalmente das classes possidentes, têm de emitir sinais da sua importância social. A coisa chega até aos pequenos rituais de socialização: um beijinho, dois bejinhos, três beijinhos. A coisa chega até ao Natal.

Feliz Natal para os tesos
Bom Natal para a classe média
Santo Natal para a classe possidente

Esclarecimento, que me sinto obrigado a fazer:
Vá-se lá saber porquê, estive para escrever, «classe possidónia». Teria feito asneira, segundo o meu dicionário de plástico. «Possidónio» terá sido usado por Camilo para designar um «político ingénuo e sertanejo, que vê a salvação da pátria no corte profundo e incondicional de todas as despesas públicas». «Possidónio» seria pois, se existisse, um bicho mais raro do que o lince da Serra da Malcata.

23/12/2004

AVALIAÇÃO CONTÍNUA: O segredo de polichinelo do Irão

Secção Perguntas impertinentes
«Teerão prendeu, nos últimos meses, mais de dez pessoas acusadas de revelar os segredos nucleares do país aos serviços secretos de Israel e dos EUA. O anúncio foi feito ontem pelo ministro da Informação do Irão, Ali Yunessi, em declarações à imprensa. O responsável iraniano, citado pela agência oficial Irna, precisou ainda que os detidos "trabalhavam para a Mossad e para a CIA e foram detidos em Teerão e em Hormozgan".» [DN]

Se o Irão protesta inocência em relação às acusações de terem um programa de fabrico da bomba atómica, porque prende os espiões que espiam os segredos de polichinelo dos planos duma central nuclear de que existem centenas em todo o mundo?

Três bourbons para o governo iraniano por continuar igual a si próprio, e cinco chateaubriands por imaginar que o resto do mundo é completamente estúpido. Um momento! Do resto do mundo retirem os suspeitos do costume.

SERVIÇO PÚBLICO: Os diversóides nas universidades americanas - todos diferentes, todos iguais

Alguns factos
A Universidade da Califórnia e Harvard foram os dois maiores contribuintes para a campanha de Kerry, superando a Time Warner, a Goldman Sachs, a Microsoft e outras grandes empresas.
Nas humanidades e ciências sociais, domínio por excelência do emplastrum vulgaris, o número de professores democratas nas universidades americanas é em média 7 vezes o dos republicanos.
Nalgumas universidade (Berkeley e Stanford) a proporção é 9 para 1 e nos professores mais jovens de 30 para 1.

Algumas consequências
O monoteísmo prevalecente aniquila o debate e promove a uniformidade e a conformidade - exactamente o oposto do que a doutrina dominante diz pretender.
As minorias superactivas monopolizam o processo de decisão e transformam as universidades em câmaras de eco do politicamente correcto.
Esta situação enviesa as prioridades de estudo e molda os valores ao conformismo e ao situacionismo dessa doutrina dominante.

Possíveis causas
John Ray tem vários blogues e sítios dedicados à esquerda e, em particular, ao esquerdismo e à sua influência nas elites, incluindo as elites universitárias. Além de blogues e sites, J. Ray tem várias monografias sobre este tema. São especialmente interessantes as seguintes:

22/12/2004

PUBLIC SERVICE: Time's person of the year 2004

«An ordinary politician tells swing voters what they want to hear; Bush invited them to vote for him because he refused to. Ordinary politicians need to be liked; Bush finds the hostility of his critics reassuring. Challengers run as outsiders, promising change; it's an extraordinary politician who tries this while holding the title Leader of the Free World. Ordinary Presidents have made mistakes and then sought to redeem themselves by admitting them; when Bush was told by some fellow Republicans that his fate depended on confessing his errors, he blew them off.» [Time's person of the year 2004]

CASE STUDY: Reflexões aleatórias sobre o contrabando orçamental - (1) Eu não estou alarmado

«How can a nation survive when a majority of its citizens, now dependent on government services, no longer have the incentive to restrain the growth of government?»
perguntou-se o congressista Jim DeMint. [*]
«A democracy cannot exist as a permanent form of government. It can only exist until the voters discover that they can vote themselves money from the public treasury. From that moment on, the majority always votes for the candidates promising the most money from the public treasury, with the result that a democracy always collapses over loose fiscal policy followed by a dictatorship.»
tinha respondido 200 anos antes o Professor Alexander Tyler. [*]
[*] citados por Patrick J. Buchanan - «The Engines of Government's Growth»

«Temos a solução, o país não precisa de se alarmar»
disse o primeiro-ministro na conferência de imprensa de ontem à tarde a propósito da não aceitação pelo Eurostat da operação de cosmética para chutar para a frente o défice do orçamento da vaca marsupial pública.

Eu não estou alarmado. Se tem solução não chega a ser problema e se não tem solução já não é problema.

21/12/2004

BLOGARIDADES: Não é para me gabar, mas

Bloguenautas encartados, que sabem da coisa, analisam alguns factos bastantemente escalpelizados pelo Impertinências.

«As Notícias que Nunca Saem na Primeira Página» do Jaquinzinhos.
Onde se relata um escandaloso exemplo da manipulação esquerdista dos média: a célebre foto que correu mundo da criança supostamente assassinada por balas israelitas. Afinal as balas eram palestinas, como o próprio fotografo já admitiu.

«Nação, País ou Estado?» do blasfemo LR.
Onde se avança uma teoria para explicar o obsessivo colectivismo nacional, a doentia devoção pelo estado. Segundo o blasfemo, a coisa remonta às origens, mas o melhor mesmo é ler a blasfémia. Agora se percebe a impertinente premonição ao medir a frouxidão em urracas, «em homenagem à mãe do Fundador, que se chamava Teresa, mas tinha uma irmã chamada Urraca.»

«the foul, ridiculous and ever-so bleedin' pompous so-called upper classes of Portugal» da Vitriolica azeitonense.
Onde se mostra um exemplo do facto amplamente escalpelizado pelo Impertinências: as nossas socio-elites seriam ridículas se não fossem absolutamente tóxicas.

[socio-elite com elitrorragia]


«Tosca e Marengo» da Joana do Semiramis.
Não sendo a Tosca um facto bastantemente escalpelizado pelo Impertinências, é um facto que é bastantemente escutado com deleite. No post se demonstra que não sendo o conhecimento da envolvente histórica indispensável para a degustação da Tosca, o saber da Joana sofistica a degustação. E lucevan le stelle.

19/12/2004

SERVIÇO PÚBLICO: Está na altura do coming out?

Andam no ar insinuações nos jornais, nos blogues e sussura-se nos mentideros. Garantiram-me até que o homem foi visto na sua quinta de Golegã de mão dada com o seu namorado, um conhecido artista de teatro, novela e cinema. Não sei se é verdade, se é mentira, mas olhando para certos meneios e tiques quase imperceptíveis, para as estórias que se contam sobre o seus alegados poderes de sedução do mulherio (uma táctica de diversão usada frequentemente para esconder outras inclinações), o instinto diz-me que pode bem ser.

Pelas suas posições públicas, percebe-se que defende a não discriminação dos homossexuais, aceita certamente a união de facto entre eles e talvez até o casamento e a adopção por homossexuais. Se acredita que não há nada de censurável na relação homossexual, não precisaria de frequentar as ridículas paradas dos maricas, mas porque se esconde? Um módico de transparência ficaria bem num político, homem público que se arrisca a chefiar um governo. Não é preciso mostrar-nos a sua vida privada, mas não a deve esconder de nós - podemos pensar que tem mais coisas a esconder.

18/12/2004

CASE STUDY: O mercado local de trabalho é um sítio ventoso.

Nessa manhã, o técnico autorizado da Míele (provavelmente a melhor máquina de lavar louça do mundo) tinha substituído a serpentina carcomida por 12 anos de lavagens. Olhei para a factura do técnico, um profissional liberal. Na linha da mão de obra estava uma duração e um preço correspondente a uma tarifa horária de 33 euros (sem IVA). À tarde paguei uma factura da revisão do concessionário da Ford com uma tarifa horária de 30,50 euros. Possivelmente os técnicos (antigamente chamados mecânicos, electricistas, etc.) ganharão pelo menos metade disso.

Os meus filhos e muitos outros jovens cheios de graduações e pós-graduações em ciências e artes etéreas não ganham nem metade do técnico liberal da Míele e talvez menos do que os técnicos da Ford. E, contudo, por cada novo técnico, mecânico ou electricista que surge no mercado de trabalho aparecem dezenas de jovens licenciados em humanidades, ciências sociais, artes, letras, histórias, e muitas outras disciplinas onde não existe procura para um único posto de trabalho fora da vaca marsupial pública.

Seriam as leis da oferta e da procura válidas no mercado de trabalho do reino de Pacheco?

A resposta assaltou-me à sorrelfa, enquanto sacudia na varanda as migalhas do jantar da toalha para o canteiro das hortênsias. Era suposto que as leis da gravidade convencessem as migalhas a aterrar em cima das verduras. Em vez disso, uma rabanada de vento fê-las cair em cima dos meus pés.

17/12/2004

SERVIÇO PÚBLICO: A pressão dissolvente do BE.

«Nas vésperas de novas eleições legislativas, o Partido Socialista Revolucionário (PSR) - que em 1999, juntamente com a UDP e a Política XXI, deu origem ao Bloco de Esquerda (BE) - formalizou ontem (13) a sua anunciada transformação em associação política no seu XIV Congresso.» [DN]

Preocupados com a «pressão dissolvente que é inegável», os rapazes do PSR lembram que o BE «só pode triunfar como um partido para dirigir a luta socialista» e ser «portador de um programa socialista baseado no combate ao imperialismo, numa cultura anti-capitalista e na rejeição da via burocrática que os países de Leste ou a China seguiram».

Ainda bem que nos avisam. Espero que o engenheiro Sócrates não se esqueça dos rapazes do radical chic para o ajudar desbravar as Novas Fronteiras.

16/12/2004

BLOGARIDADES e SERVIÇO PÚBLICO: O bendizente.

A família e os amigos criticam-me por ser um maldizente, dizem. Pelo menos um deles já me chamou de jeremias. Se posso aceitar, com algum esforço, o maldizente, quem me adjectivar de jeremíaco tenho que transferi-lo para a categoria de inimigo. Quando riposto, apontando exemplos de bem dizer de uma coisa, logo me respondem que, se por excepção o faço, é para ter o pretexto de correr a falar mal de outra.

Quando se aproxima o Natal, aumentam a pressão para dizer bem - "ao menos uma vez na vida", aconselham. [Tomo consciência, neste preciso momento, que existindo a palavra maldizente, não existe o seu antónimo natural bendizente. Alguma razão haverá.]

Tal como a morte política do doutor Lopes, a minha suposta maledicência é grandemente exagerada, como podereis constatar.

Vem isto a propósito do lúcido post (cá está, cá está o bendizente) «mourinhar» do maradona (com minúscula) que, a pretexto desse imigrado genial e mal-amado (cá está, cá está, outra vez, o bendizente) , põe o dedo na ferida do culto nacional da mediocridade.

Vem isto a propósito do esclarecido post (cá está, cá está, uma vez mais, o bendizente) «Para entender a relação entre educação e desenvolvimento» do blasfemo João Miranda, que desmonta em duas penadas a argumentação dos idiotas que defendem que o investimento na educação formal vai resolver os problemas do atraso tecnológico, do crescimento, da produtividade, da iniciativa empresarial, etc. antes do fim duma qualquer próxima legislatura.

Vem isto a propósito do corajoso discurso (cá está, cá está, ainda outra vez, o bendizente) do secretário de Estado adjunto do MAI que disse do Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil o que Maomé não disse dos chouriços:
«com o devido respeito por todos os que andam aqui há muito anos e que sabem muito mais do que eu sobre isto tudo, sinceramente vos digo, como cidadão e como português, envergonho-me do sistema que temos».
Eu, se me permitem, direi mesmo mais: também me envergonho e não tenho nada a ver com esses parasitas crapulosos, há décadas pendurados no dito sistema que, como se sabe, não é mais do que uma teta da pletórica vaca marsupial pública.

15/12/2004

DIÁRIO DE BORDO: Ele não acredita na eternidade.

Confesso a minha ambivalência em relação ao homem. Como resulta evidente de alguns posts (por exemplo este, este, este ou este) não gosto do doutor Mário Soares - o político de esquerda de pendor anti-liberal, desconfiado da iniciativa privada, oportunista, sem escrúpulos. Não gosto, mas devo-lhe três. Ter sido a pain in the ass do salazarismo bafiento. Ter sido o agente local do imperialismo americano no combate ao imperialismo soviético. A última, ter engavetado o socialismo quando primeiro-ministro. Infelizmente, nos últimos anos, o doutor Soares comprometeu este passado estimável com o esquerdismo senil.

Não gosto do doutor Soares, mas admiro o Mário Soares - a autenticidade, o gosto do risco, a coragem, a frontalidade. Gosto dos velhos em geral e começo a gostar do velho Mário Soares. A sua entrevista ao DN, que só ontem li, é notável. Confessa as suas fraquezas, relativiza os seus feitos e distancia-se, cada vez mais, da espuma dos dias.
[ler aqui a entrevista integral]

14/12/2004

ARTIGO DEFUNTO: O jornalismo sísmico.

O sismo de ontem foi tratado no telejornal da RTP, e possivelmente nos outros canais, com uma intervenção de 30 segundos da técnica do Instituto de Meteorologia, tempo mais do suficiente para dizer tudo o que era importante. Durante os 10 minutos seguintes foi transmitido um programa de «apanhados» com cidadãos de inúmeras cidades, vilas e aldeias dizendo inanidades sobre as sensações vibratórias que a experiência sísmica lhes proporcionou. Não adiantou nada para o nosso conhecimento do fenómeno mas foi bastante esclarecedor do grau de iliteracia com que as nossas escolas apetrecham os que por lá passam.

AVALIAÇÃO CONTÍNUA: Distraidamente mortífero.

Secção Frases Assassinas
«As revoluções são imaginadas por sonhadores, mas, como em 1917, são executadas por fanáticos e exploradas por patifes»
Terá dito (segundo o Expresso) Leonid Kutchma, presidente cessante da Ucrânia e padrinho de Viktor Ianukovitch, o candidato preferido por Putin et pour cause. O afilhado parece ter roubado as eleições ao outro candidato Viktor Iuchtchenko, que está com péssimo aspecto devido à dose cavalar de dioxinas (cortesia do KGB reciclado pelo camarada Putin) que lhe foi ministrada, dizem, pelos adeptos do outro Viktor .

Por este pensamento distraidamente mortífero, o presidente Kutchma merece 3 chateaubriands, mais pelo distraidamente do que pelo mortífero.

13/12/2004

CASE STUDY: Despedido pelas razões erradas? O epílogo ou talvez não.

No primeiro capítulo falei do quid pro quo escondido na estranha convergência de opiniões. No segundo capítulo nomeei e comentei algumas das barracadas e tiros nos pés do doutor Lopes e dos seus ministros.

Neste terceiro e último (ou talvez não) capítulo, procuro compreender as razões dessa estranha e ruidosa convergência. Recordo, à cautela, que o Impertinências sempre teve em pouca conta o doutor Lopes, como de resto a maioria dos primeiros-ministros que desfilarem pelo ror de governos que nasceram e morreram desde que percebi que tais coisas existiam. Nesta fase da minha vida, o desfile já conta com mais de duas dezenas de protagonistas, incluindo o doutor Salazar e o professor Marcelo (não ESSE, mas o padrinho dele). Em matéria de PRs, apesar de mais económicos (só me lembro de 8 desde o venerando marechal Carmona até ao sereno doutor Sampaio), os portugueses não ficaram melhor servidos. É neste altura que se costuma dizer que os portugueses (ou os espanhóis, ou os croatas, etc.) têm os governos que merecem e, no caso dos portugueses, é também costume citar aquele general romano que escreveu ao imperador a avisá-lo que os locais não se governavam nem se deixavam governar - uma das poucas tradições que ainda é o que era.

Voltando à vaca fria, porquê uma imensa maioria de luminárias de diversas espécies e de cidadãos estão de acordo com o PR que, no meio de apelos à calma, à tolerância e à serenidade e de juras de coerência, considera que os «sucessivos incidentes e declarações, contradições e descoordenações que contribuíram para o desprestígio do Governo, dos seus membros e da instituições» criam uma «insustentável situação»?

Dou de barato que é visível que esses sucessivos incidentes e etc. foram igualmente sucessivos, e quase sempre mais graves e de maiores consequências, durante o consolado do engenheiro Guterres. De barato, dou eu e mais umas poucas almas - e aqui é que está o busílis. Imensas outras almas ainda hoje estão para perceber o que extinguiu tamanha felicidade. Desde os Estados Gerais o engenheiro Guterres dispôs duma enorme expectativa positiva. Pela imagem e pela palavra, o homem induziu nas mentes a chegada da abundância, o desapertar do cinto e a saída para o recreio no fim duma aula longa e chata do gajo que nunca tinha dúvidas e raramente se enganava. À pala desta expectativa, os portugueses viveram com grande alegria até ao fim da festa de fim de ano lectivo com passagens administrativas que foi a Expo 98. Depois disso, a porca começou a torcer o rabo. Mas o homem, pela sua verve e pela sua compostura, conseguia manter os fazedores de opinião felizes e embevecidos com a brilhante inteligência do senhor engenheiro que parecia estar sempre de acordo com a treta deles, fazendo-os sentir-se igualmente brilhantes. Como felizes ficavam os empresários (com excepção do engenheiro Belmiro que não papava daquelas tretas) com a grande visão do senhor engenheiro que, inevitavelmente, também concordava com eles. A felicidade geral acabou no pântano e, como se sabe, a fuga do senhor engenheiro deixou-nos órfãos deprimidos e sem auto-estima.

Não me dou ao trabalho de relembrar os sucessivos incidentes que também assombraram a governação do doutor José Barroso - outro fugitivo.

O que tinha de diferente o doutor Lopes que esteve 3 semanas para ser nomeado, torrando no lume brando do doutor Sampaio, que falou com metade de Portugal para o nomear e, supõe-se, apenas com a doutora Maria José para o dissolver? Falta de estatuto e compostura. Meio caminho andado, neste país, para a falta de credibilidade que o minou desde o primeiro dia - com excepção dos seus fiéis e dumas centenas de crentes por desespero, ninguém apostava um cêntimo no homem. E antipatia - com excepção da mãe, das namoradas, passadas, presentes e futuras, o homem suscita más vibrações a imensa gente. Por diferentes razões.

Vejamos sumariamente as possíveis razões dos diversos segmentos do mercado político.

Primeiro os consumidores:

O povo e os políticos de esquerda não gostam do doutor Lopes porque imaginam que ele é populista e neo-liberal (onde é que já se ouviu maior besteira?). Digamos que é um ódio visceral, que por isso não carece de explicação. Por boas ou más razões, o doutor Lopes perde aqui, sem apelo nem agravo, 45% do eleitorado.

A terceira idade não respeita o doutor Lopes, e sabe-se como para a terceira idade o respeitinho é muito bonito. Quer tenham sido admiradores do doutor Salazar, do general Spínola, do doutor Cunhal, do doutor Soares, do general Eanes, é preciso reconhecer que a compostura e o sentido das conveniências é coisa que, abundando naqueles, falta definitivamente ao doutor Lopes. Isso retira-lhe mais uns 10% do eleitorado (já descontado o povo de esquerda).

A tribo LBGT, em particular a letra «G», suspeita da atracção que o doutor Lopes é acusado de despertar entre o mulherio. Nem a proximidade política a putativos praticantes dessas modalidades, limpa o seu cadastro. Calculo que o doutor Lopes perde aqui a confiança de mais 2% ou 3% do eleitorado (já descontada a tribo de esquerda)..

Os empresários, que não pesam como eleitores, mas sopram nas orelhas do doutor Sampaio, também não apreciam o estilo fogoso do doutor Lopes, ainda para mais quando o governo toma umas tímidas medidas, como a limitação do sigilo bancário e a redução dos benefícios fiscais da banca.

Não vou perder mais tempo com os consumidores, porque só até aqui já temos garantidos os 55 por cento dos inquiridos que na sondagem da Universidade Católica consideraram a actuação do governo "má" ou "muito má".

Depois os canais de distribuição do produto:

Mais do que as confusões entre piano e violino, o que os artistas dos palcos, dos écrans e da escrita nunca perdoarão ao doutor Lopes, a quem também eles não reconhecem estatuto, foi ter estado sentado em cima da caixa das esmolas durante a sua estadia na secretaria de estado da cultura do governo do doutor Cavaco. Recorde-se, já agora, que ao doutor Cavaco essas almas também não reconheciam estatuto (este confundiu os Thomas, o Mann e o More), mas toleraram-no durante algum tempo porque lhes parecia o único capaz de evitar a quebra da caixa das esmolas. Vem a propósito citar o doutor Eduardo Prado Coelho cujo espírito pragmático o fez incensar o doutor Cavaco, antes de se dedicar, com o mesmo zelo, ao engenheiro Guterres.

Os ódios de estimação do resto da intelligentzia mergulham as suas raízes na mesma terra dos artistas - falta de estatuto. O homem não tem Cóltura (com maiúscula). Aqui, como em quase todos os países atravessados pela tropa de Napoleão, quem não tem Cóltura (com maiúscula) não merece estar lá. En passant, isso explica parte do ódio endémico a George Bush.

Dos jornalistas, aparte casos do foro clínico, como o doutor Delgado, a classe não gosta do homem, nem bem, nem mal passado. Desde logo porque uns 80% (a lei de Paretto também se deve aplicar aqui) se inscreve numa das modalidades da esquerdalhada. Muitos dos restantes consideram-se intelectuais e, mutatis mutandis, também não reconhecem estatuto ao doutor Lopes, que entre outros vícios tem o mau costume de tentar falar ao povo por cima deles. A estória da criação da central de comunicação, medida estúpida em si mesma, invocou os demónios da classe jornalística e matou os últimos vestígios de respeitinho pelo homem.

Mesmo entre o pessoal político da sua coutada, o doutor Lopes concita os ódios de quase todo o baronato pêessedeista, que está em operações de reagrupamento das tropas fiéis e aliciamento de novos recrutas, esperando prudentemente um trauliteiro que os conduza ao assalto final ao púlpito do doutor Lopes.

É por estas, e por outras, que o doutor Lopes ainda antes botar a assinatura no enésimo volume dos livrinhos de tomada de posse estava já irremediavelmente condenado a um triste fim, fizesse o que fizesse. E assim se explica uma exoneração singular na história da 3ª república. Singular porque se trata dum governo cujo passivo não era assim tão grande como o pintaram e cujo activo não era tão insignificante como o quizeram fazer. Singular ainda pelo processo de cernelha adoptado pelo PR que, ao invés de exonerar o governo, dissolve a AR. Depois do processo ínvio seguido pelo PR que decide primeiro, consulta depois e faz este discurso, o que ainda se percebe melhor é a demissão do governo, manifestando pouca disposição para ficar a fazer de sitting duck da oposição.

Continua?

11/12/2004

TRIVIALIDADES: O movimento dos reformados.

Eu sei, eu sei. Deveria estar a concluir o terceiro episódio do folhetim «Despedido pelas razões erradas?». Ou a comentar a demissão do governo demitido e a maior trapalhada que o doutor Sampaio conseguiu criar até hoje. Mas não me apetece.

Em vez disso, apetece-me comentar umas imagens que passaram há um par de horas num qualquer canal dum qualquer comício numa qualquer sala (um clube recreativo na cintura industrial de Lisboa?, como se dizia 30 anos atrás), com o camarada Jerónimo de Sousa (o «de» não é bocadinho suspeito para um camarada operário?), a exortar à luta dos trabalhadores, perorando para uma escassa centena de velhinhos reformados à mistura com uma meia dúzia dos netos deles, assistido por uma claque de majorettes funcionários do partido.

SERVIÇO PÚBLICO: Há pior do que a imprensa regional portuguesa subsidiada? (finalmente a resposta)

A este pergunta provocadora o Impertinência respondeu prudentemente talvez.

Graças ao impagável Economist, estamos agora em condições de dar a resposta definitiva: pior que a imprensa regional portuguesa subsidiada só a imprensa regional francesa pesadamente subsidiada.

Alguns jornais regionais franceses são subsidiados pelo governo até 15% das vendas. Os correios franceses cobram portes insignificantes para entregar aquelas mistelas impressas. Os jornalistas (todos) desfrutam de generosos benefícios fiscais. É claro que este maná não é exclusivo da imprensa regional, mas isso são contas de outro rosário - o artigo do Economist aborda igualmente a crise que atravessam os principais jornais franceses, as pilhas de dinheiro que torram para levar as causas justas et la grandeur de la France até às refractárias meninges dos leitores.

10/12/2004

TRIVIALIDADES: As profecias do professor Rosas.

Os mercados contrariam as profecias da pitonisa do radical chic, o camarada professor Fernando Rosas. Segundo este especialista em pitról, o preço do barril devia estar a caminho dos USD 8O [ver aqui as previsões do camarada citadas pelo Anacleto].


[A «cabala involuntária» dos mercados]

09/12/2004

BLOGARIDADES: «Um país à beira mar pasmado».

Um retrato a la minute implacável do paraíso da mediocridade, saído da oficina de Semiramis.

08/12/2004

CASE STUDY: Despedido pelas razões erradas? (2)

No primeiro capítulo falei do quid pro quo sorrateiramente escondido na convergência de criaturas tão díspares como os analistas, os comentadores, as luminárias, com destaque para a categoria especial das luminárias que vivem da cóltura. Todos estas criaturas somadas (quero dizer subtraídas) dão a intelligentzia cá do burgo, num original concerto a uma voz. Além da intelligentzia, também os cidadãos mostraram uma grande convergência de opinião sobre o governo do doutor Lopes.
No primeiro capítulo referi também a magra obra dos primeiros 4 meses de governo de que não se vê grande diferença dos antecedentes.

Neste segundo capítulo o Impertinências nomeia e comenta sumariamente algumas das barracadas e tiros nos pés que o doutor Lopes e os seus ministros prodigalizaram.

  • A «deslocalização» do governo foi a primeira ejaculação precoce do doutor Lopes. O resultado final foi, apesar de tudo, bastante mitigado, se descontarmos os engarrafamentos a que se poupa o staff das secretarias «deslocalizadas» e os custos de representação mais moderados na província. O que é isto comparado com 6 anos de guterrismo que deram um aumento líquido de 70.000 utentes da vaca marsupial pública?
  • A bronca da tomada de posse, foi um exercício fútil e ridículo cujos efeitos se limitaram a reduzir a credibilidade do doutor Lopes, se isso foi possível. Pela sua originalidade, fez lembrar algumas tomadas de posse durante o PREC, as quais, note-se, nunca conduziram a nenhuma dissolução da AR.
  • O tiro no pé do barco do aborto foi mais no pé do doutor Portas do que no pé do doutor Lopes. Exercício tão ridículo como o anterior, teve contudo um custo mais elevado - umas toneladas de combustível gastos desnecessariamente pelas fragatas a rondarem um barco carregado de sapatões com má cama.
  • O encerramento anunciado da refinaria de Matosinhos, que não chegou a ser, reconduz-se à categoria de ejaculação precoce a que o doutor Lopes é bastante atreito. Não deu em nada, porque os seus ministros encarregaram-se de o desmentir.
  • A bronca do inquérito sobre o acidente na refinaria de Matosinhos, não é nada comparada, por exemplo, com as guerras entre os professores Sousa Franco (falecido) e Augusto Mateus ao tempo do 1º consolado do engenheiro Guterres.
  • A barracada da colocação de professores deve-se em substância ao governo do doutor José Barroso. Foi um caso típico de má gestão da imagem e de ingenuidade da tia ministra face à trapaça do aparelho administrativo escondendo a dimensão do desastre.
  • A confusão da alteração das taxas moderadoras do SNS é em tudo semelhante ao do encerramento da refinaria: ejaculação precoce do doutor Lopes, rapidamente anulada pelo ministro.
  • O circo mediático do contraditório ao professor Marcelo já foi suficientemente escalpelizado pelo Impertinências aqui, aqui e aqui. Não dou mais para este peditório, que pode muito bem ter sido uma «cabala involuntária» acidental (género: ainda bem que me ajudas), montada em cima da oportunidade oferecido pela azelhice asinina do ministro dos Assuntos Parlamentares que não seguiu sábios exemplos, como o do doutor Soares que, segundo se sabe, preparava no conselho de ministros o alinhamento do telejornal. Em vez de fazer uns telefonemas, comprar umas consciências em saldo, cobrar uns favores e prometer outros, o asno zurrou para os média. Terá sido o maior balázio que o governo enfiou nas próprias patas.
  • O episódio montado pelos média à volta da sesta do doutor Lopes antes da sessão da AR é antológico e devia ser estudado em todos os cursos dessa coisa que alguns chamam ciências da comunicação social. Em vez do doutor Lopes subir nas sondagens, por práticas recomendáveis, foi vilipendiado. Sem razão. A haver razão, deveriam ter sido ostracizados in illo tempore os doutores Soares (sestas durante cerimónias públicas) e Sousa Franco (sestas que se prolongavam até ao meio dia - não há memória de nenhum reunião do CM em que tivesse entrado antes das 3 da tarde).
Terá havido vários outros episódios semelhantes. Não vale a pena puxar pela memória, porque não acrescentam nada aos relatados. A que se resumem estes episódios? A nada. Nenhum prejuízo assinalável, salvo para a abalada reputação do doutor Lopes. Apenas sound bites e o som e a fúria das oposições, com especial destaque para os barões do PSD, gostosamente ampliado pela caixa de ressonância dos média. Barracadas, tiros nos pé e uma profunda incompetência para lidar com os média por parte de quem tanto deles dependia.
(Cenas dos próximos capítulos: como explicar que tão magra obra e tão inócuas argoladas tivessem alimentado tanto ruído e tivessem tão drásticas consequências?)

07/12/2004

CASE STUDY: Despedido pelas razões erradas? (1)

Nunca se tinha visto tanto português de acordo. O actuação do governo foi "má" ou "muito má" para 55 por cento dos inquiridos na sondagem da Universidade Católica e "medíocre" ou "má" para 79,7%, na sondagem do IPOM. Concordam com a dissolução da AR 74,2% e 59% dos inquiridos, segundo as sondagens do IPOM e da Eurosondagem, respectivamente. Com este score, ao fim de 4 míseros meses, o governo do doutor Lopes vai entrar para o Guiness. Será provavelmente o pior governo do mundo. Por uma vez na vida, o PCP e o BE falaram em coro de «alívio», pelos vistos em uníssono com o sentir do povo esmagado por 120 dias de santanismo. O período de graça, que sustentou o guterrismo durante 2 anos, não durou no santanismo um só dia.

Por trás de tanta fartura de concordância espreita um quid pro quo. Donde veio esta insólita convergência de analistas, de comentadores, de luminárias e de cidadãos que já engoliram todos os sapos que havia para engolir nos últimos 30 anos (por falta de tempo, não vou recuar até ao fássismo)?
Comecemos pelo que fez o governo do doutor Santana Lopes em 4 meses de vida. O balanço é magro, pouca coisa, mas alguma, foi feita:
  • Aprovou a lei das rendas, que vinha a ser empurrada com a barriga pelo menos deste o tempo do saudoso engenheiro Guterres.
  • Alterou o regime das SCUTS, uma dádiva do governo do saudoso engenheiro Guterres (30 anos das concessões de 900 km custariam, e custarão com o doutor Sócrates, 8% do PIB)
  • Alterou timidamente o sigilo bancário (o suficiente para invocar demónios sem rosto)
  • Limitou os absurdos privilégios dos bancos no IRC (idem, com rosto)
  • Limitou os absurdos privilégios no IRS dos direitos de autor
  • Aboliu os benefícios fiscais do PPR/E e das CPH (chateando a sua base eleitoral) para compensar a redução de IRS nos escalões mais baixos (para felicidade da base eleitoral da esquerda)
  • Preparou um orçamento que ainda ninguém explicou em que é pior do que os antecessores, e parece ser tão bom aos olhos do PR que os sound bites (ainda não desmentidos) que escorrem para os jornais dão indicações de que o PR desejava a aprovação que teve lugar esta tarde.
Tudo isto é um bocado merdoso para 4 meses? É sim senhor. Mas alguém se lembra as decisões dos três governos anteriores nos primeiros 4 meses?

(Cenas dos próximos capítulos: as barracadas e os tiros nos pés)

ESCLARECIMENTO:
Uma percentagem significativa dos posts do Impertinências tem referências críticas ao doutor Santana Lopes, desde há mais de um ano, ainda nem ele sonhava vir a ser primeiro-ministro - tinha então ambições mais modestas, como ser o próximo PR. Então porquê este súbito desvelo impertinente pelo homem? O homem é ele e a circunstância, teria dito Ortega y Gasset se não estivesse a olhar para o umbigo. Ocupei-me do homem. Agora é a vez da circunstância.

06/12/2004

CASE STUDY: Capitalismo selvagem versus capitalismo social.

Na pátria do capitalismo selvagem, o procurador geral de NY Eliot Spitzer e a Securities and Exchange Commission fazem ajoelhar uma das famílias mais poderosas no mundo financeiro do imperialismo globalizante - os Greenberg. Chefiada pelo patriarca "Hank", a família controla a AIG (a seguradora que até então tinha a maior capitalização bolsista em todo o mundo), e o management da Marsh (o maior corretor mundial de seguros). O fundamento são práticas de negócio consideradas irregulares na pátria do capitalismo selvagem. Na pátria do capitalismo social são triviais, umas, e outras também o seriam, se os mercados financeiros tivessem aqui a sofisticação que têm lá.

Um capitalista nacional que tinha interesses na pátria do capitalismo selvagem, onde fechou recentemente os seus negócios de gado e gás, comportando-se sempre respeitosa e obedientemente , vem à sua terra natal - pátria do capitalismo social - perde a voz de falsete e fala grosso para um semanário de Paço d'Arcos. Aponta os dois problemas que, segundo ele, o presidente da Autoridade da Concorrência professor Abel Mateus sofre: «incontinência verbal e uma necessidade extraordinária de aparecer todos os dias nos jornais». Isto a propósito das acções que a Autoridade da Concorrência tem em curso para tentar limitar o monopólio do operador incumbente de telecomunicações (PT), de que o senhor Monteiro de Barros é accionista. O título da entrevista nesse semanário - bastião do capitalismo social - tem o educativo título «Patrick manda calar Mateus».


[O corajoso capitalista social e a autoridade incontinente]

ARTIGO DEFUNTO: Os correspondentes de guerra do semanário de Paço d'Arcos.

«Sampaio impediu Santana Lopes de visitar esta semana o banco turco do Millenium bcp»
Tentei perceber no artigo defunto do correspondente do Expresso em Ancara se o PR tinha disputado com o PM o direito a ficar numa foto com o gerente da agência de Izmir do BankEuropa. Não consegui.

«O secretário-geral das Nações Unidas Kofi Annan está perante uma campanha cada vez mais intensa para o obrigar à demissão (...). Os ataques a Annan são encabeçados por colunistas de rádio e jornais americanos neo-conservadores e políticos republicanos de extrema-direita (...) para "punir" Annan por declarar "ilegal" a invasão do Iraque (...)».
Se Tony Jenkins, o correspondente do Expresso em NY, fosse o correspondente nas Antas, este artigo defunto poderia ser a respeito do senhor Pinto da Costa, que, como se sabe, está também a ser injustamente acusado. Em relação a Kofi Annan, o Impertinências já se fez eco em devido tempo (aqui).

05/12/2004

LOG BOOK: Never ask.

«(...) another great example is their (leftist) inconsistent stance on the "Race doesn't exist". (...) But without race, how can you have "diversity" and multiculturalism and all the other goals cherished by the left that actually "require" the existence of racial differences?»
[email from a Dissecting Leftism's reader about race and Leftist Logic]

«You are booing me because I'm not black»
[singer Christie Hynde during a show in Rio, quoted by the brazilian magazine Veja - seen in Sábado, a portuguese magazine]

03/12/2004

O IMPERTINÊNCIAS FEITO PELOS SEUS DETRACTORES: Ainda a democracia das conveniências.

Do meu amigo AB e detractor do Impertinências, mais acidental que habitual:
«Li com atenção, apesar do pouco tempo que tenho nestes dias finais do ano, o seu texto sério sobre um assunto sério. Concordo com algumas coisas. Discordo de outras.

Sampaio, aceitou PSL para primeiro ministro há quatro meses. Apesar de considerar que iríamos entrar num período muito complicado devido principalmente à personalidade do novo primeiro ministro, considerei que o PR tomou a decisão correcta. Até aqui estamos ambos de acordo, parece-me.

Quatro meses depois, o PR dissolve a AR. E bem, segundo Je. Aqui discordamos.

Falar de «móbil» ou de «misterioso fundamento» enviesa a apresentação dos seus argumentos e por isso mesmo enfraquece-a. Haver interesses por detrás de qualquer decisão é inevitável em tudo na Vida. Na política ainda mais. Na baixa política muito, muito mais.

Parece-me evidente que os governos do PSL têm apresentado fissuras e atritos anormalmente altos. Remodelação após poucos meses, um ministro que se demite após uns dias em função, um mal-estar popular generalizado quanto ao Governo (fale com os taxistas, barómetro muito fiel da sociedade portuguesa, quer se fale de futebol quer se fale de política). Eu próprio, anti-socialista visceral, considero que a situação era ridícula e a curto prazo insustentável.

Se o PR não puniu Guterres, uma nódoa acabada, será isso motivo para não punir PSL? No máximo só provará a falta de consistência do PR. Mas quanto a isto, poucos tinham e têm dúvidas.

A política e mais particularmente a constituição não são obras cientificas. Em economia existe uma área, a dos contratos incompletos, na qual se prova que não é possível construir um contrato completo (no sentido de definir tudo sem deixar espaço para dúvidas). Se um contrato entre duas partes só pode ser incompleto, imagine-se quanto incompleta não poderá de ser uma constituição. E então a Constituição Portuguesa, fruto de calores revolucionários...

Os artigos que citou deixam uma ampla margem de manobra. É verdade: não há rebelião nem insurreição. Mas uma visão mais minimalista poderia considerar que um governo que não se aguenta 4 meses, um ministro que não se aguenta 4 dias, atritos evidentes entre os membros do Governo, a opinião generalizada que este não é um bom governo (e tudo isto sem uma oposição digna desse nome) é obra.

O governo não «funcionou regularmente»: não aguentou quatro meses, em maioria, sem crises de maior que pudessem de certo modo explicar a sua remodelação. Estamos todos de acordo que para gerir uma família, uma empresa, um país é preciso estabilidade. Conhece alguém mais desestabilizado do que o PSL? Quando há uns anos se criticava o modelo de gestão das empresas públicas com mudança de conselhos de administração de três em três anos, que dizer da governação de um país que não aguenta quatro meses e que honestamente surpreenderia se aguentasse os próximos quatro meses?

O professor Vital Moreira explica tudo isto muito melhor do que eu. Não sei se o faz do alto da sua autoridade mas em todo caso fá-lo e é reconhecido como sendo capaz de o fazer. Eventualmente poder-se-á não concordar com ele, mas deixe-o estar lá no alto da sua autoridade que apesar de tudo foi bem conquistada.

Os sound bites dos média certamente são um factor a considerar. Mas já encontrei o PSL duas vezes a entrar num restaurante (e eu não saio muito), com comitivas de cerca de duas dúzias de pessoas (das quais muitas mulheres, algumas jeitosas) quando eu estava a sair do restaurante. Não há nada que possa alterar o meu juízo: um primeiro ministro que sai para começar a jantar às 23h00 ou está vendido aos espanhóis e segue os horários e hábitos deles, incluindo a famosa siesta, ou então não pode governar a sério um país. Também pode não ser motivo formal para dissolver a assembleia, mas tem dúvidas que o pais está mal servido com PSL?

O PSD deu um tiro no pé ao eleger um palhaço. O PR teve a oportunidade de o tirar de lá. Se o fez no momento que mais lhe convém, que posso dizer? Foi esperto.

Em Espanha, o PP perdeu as eleições por causa de um erro. UM erro. UM só erro. Depois de tudo o que fez para desenvolver a Espanha. Será por isso menos democracia?

Ao retirar o tapete ao PSL, só vejo dois problemas: - se ele concorrer à eleições (poderá ele fazer outra coisa?) e ganhar estamos fritos; - se o PS ganhar estamos fritos.»

A resposta apressada do Impertinências (por email):
«Em muito do que diz, por de trás do óbvio bom senso, estão duas coisas: a falta de memória (com esses mesmos argumentos quase todos os governos anteriores deveriam ser demitidos - lembra-se da agitação social, das greves, das manifestações dia sim dia não?) e a ideia (perigosa) que os contratos sociais, isto é a constituição, se podem «ajeitar».

Os argumentos do bom senso resistem mal quando se considera o facto do PR pretender aprovar este orçamento para ser executado por um outro governo (ou o mesmo, mas nessa altura a dissolução terá sido inútil).

Não costumo entrar pelo caminho da análise conspiratória e também não vou fazê-lo desta vez. Alguém o fará por mim nos jornais.»

Mal escrevi esta última linha da mensagem fui expulso pela empregada que queria limpar o escritório e me obrigou a enviá-la assim mesmo, sofreando o o pesado fogo de artilharia que a mensagem do AB estava mesmo a pedir.

Quando a empregada finalmente me deixou regressar, já tinha perdido a virilina. Ainda mais porque ela partilhou comigo a sua análise da situação política:
ó sôtor o que é que me diz destes invejosos que estão a tramar o doutor Pedro? Têm mas é dor de cotovelo, porque ele gosta de mulheres e elas dele. Desses senhores nem as mulheres deles gostam, que são pagas para isso, quanto mais.
Vox popoli, vox Dei.

CASE STUDY: Uma democracia das conveniências.

Quando há 4 meses o PR nomeou o doutor Santana Lopes, a oposição em coro, acompanhada por solos dos gerontes e algumas vozes da maioria, clamou pela dissolução da AR esgrimindo argumentos políticos e esquecendo a letra da Constituição. O doutor Sampaio resolveu, e bem, não ouvir essas vozes. Tratou, e bem, de obter (frágeis) garantias de que o governo seguinte daria continuidade às políticas do governo cessante. Gostando-se ou não do doutor Lopes, tendo-o ou não na conta de incompetente, as leis da democracia é que a devem governar e não os juízos de valor ou as conveniências políticas. O doutor Sampaio não fez, e bem, juízos de probabilidade, ou pelo menos não tirou daí consequências institucionais, sobre o que o governo iria ou não fazer, em particular no que respeita à consolidação orçamental. E como, se o quisesse, extrairia consequências?

Quatro meses depois, o mesmo doutor Sampaio, anuncia a intenção de dissolver a AR «nos termos do art. 133º, alínea e) da Constituição da República». Esta alínea e) dá a competência ao presidente para «dissolver a Assembleia da República, observado o disposto no artigo 172.º, ouvidos os partidos nela representados e o Conselho de Estado».

[ver aqui o texto da Constituição - os dez mandamentos dos que não aceitam a sua alteração radical, mas a aplicam conforme as conveniências]

É claro que o móbil do doutor Sampaio é o governo ou, mais exactamente, o primeiro-ministro. Mas o que pode o PR fazer para se livrar deles? O invocado artigo 172.º não diz uma palavra sobre o fundamento da dissolução, mas tão só as circunstâncias em que não pode ter lugar e a subsistência da assembleia actual até à 1ª reunião da nova assembleia. Qual é então esse misterioso fundamento? A incompetência óbvia do primeiro ministro? Mesmo dando de barato que este primeiro ministro é mais incompetente do que o engenheiro Guterres, que o doutor Sampaio deixou alegremente torrar o baú do tesouro e fugir do pântano, qual o dispositivo constitucional para demitir o governo ou exonerar o primeiro ministro?

A alínea g) do artigo 133.º atribui ao PR a competência para demitir o Governo,«quando tal se torne necessário para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas, ouvido o Conselho de Estado» (n.º 2 do artigo 195.º). Está em causa o «regular funcionamento das instituições democráticas»? Temos alguma insurreição em marcha, um golpe de estado, uma revolução?

Quanto à exoneração do primeiro-ministro o PR só pode fazer «em caso em caso de demissão do Governo ... e na data da nomeação e posse do novo primeiro-ministro».

Em conclusão: o PR não encontrou, nem poderia encontrar, nenhum fundamento constitucional para exonerar o primeiro-ministro ou demitir o governo. Vê-se obrigado a uma pega de cernelha para exonerar o primeiro-ministro pela via dissolutiva da AR. Os mesmos que vaiaram o doutor Sampaio pela decisão de nomear o doutor Lopes primeiro-ministro exultam agora com a bondade da sua decisão de o exonerar por esta via dissolutiva.

O professor Vital Moreira do alto da sua autoridade explica-nos que «constitucionalmente trata-se de uma decisão discricionária; devendo ser politicamente justificada (desde logo perante o Conselho de Estado), ela pode porém basear-se em qualquer factor relevante, entre eles a instabilidade política, a falta de sustentação política e social do Governo, o descrédito parlamentar, etc.»

O Impertinências, um cidadão com os impostos em dia, aguarda ansiosamente que o doutor Sampaio explique que a instabilidade política pode ser medida pelos sound bites dos média, ou onde está a falta de sustentação política num governo apoiado por uma maioria na AR, ou quais os sinais de falta de sustentação social deste governo que são distintos dos de todos os governos anteriores, ou qual é a novidade do descrédito parlamentar. Ou que explique o etc. do professor Vital Moreira.

Entendamo-nos: pelos critérios da competência - os únicos que fazem sentido lógico e político, mas não constitucional - o primeiro-ministro, nunca devendo ter sido nomeado, não precisaria de ser exonerado. Mas ele foi escolhido pelas luminárias do partido mais votado pelos eleitores para substituir o doutor Barroso e 4 meses depois foi eleito unanimemente pelos aparatchiks desse mesmo partido. Terá sido a Constituição violada? Não parece.

Entendamo-nos: pelos critérios da competência quantos dos deputados desta e das assembleias anteriores deveriam ser chumbados? Quantos dos ministros deste e dos anteriores governos deveriam ser afastados? Quantos dos líderes centrais ou locais de todos os partidos nunca deveriam ter sido eleitos pelos aparatchiks? Quantos dos aparatchiks seriam rejeitados num exame de literacia e numeracia políticas?

Uma democracia pode funcionar assim? Só uma democracia das conveniências onde os políticos, os partidos e os próprios cidadãos cumprem as leis que lhes convém, quando lhes convém - desde as leis fiscais até à lei constitucional. E onde nos leva uma democracia das conveniências? A lado nenhum. Ficamos onde estamos.

02/12/2004

TRIVIALIDADES: Ejaculações terminais.

Uns dias antes da demissão anunciada pelo PR, o governo continuava a trabalhar para o nosso bem, produzindo abundantes ejaculações dos órgãos legislativos, como por exemplo as duas seguintes:
Despacho Normativo n.º 47/2004. DR 277 SÉRIE I-B de 2004-11-25 do Ministério da Agricultura, Pescas e Florestas
Estabelece as regras de atribuição de um lote de direitos ao prémio à vaca em aleitamento, a partir da reserva nacional, para o ano de 2005

Portaria n.º 1452/2004. DR 278 SÉRIE I-B de 2004-11-26 do Ministério da Ciência, Inovação e Ensino Superior
Autoriza o funcionamento do curso bietápico de licenciatura em Terapia da Fala na Escola Superior de Saúde Atlântica, da Universidade Atlântica, e aprova o respectivo plano de estudos
Podemos descansar que, com ou sem governo, a vaca em aleitamento terá prémio e haverá gente para nos explicar isso mesmo sem falas de ssssopinha de massssinha e sem molhar os eules.

TRIVIALIDADES: As sete vidas do doutor Lopes.

Alguns detractores habituais já apontaram o dedo sujo ao Impertinências, insinuando, a propósito da profunda análise política que pacientemente explanei aqui, que me estava a fazer a um lugar no governo do doutor Lopes, agora que ele vai ter que segurar os ministros que lhe restam com guitas.

Não confirmo, nem desminto, mas devo fazer um declaração de princípio. O doutor Lopes é o paradigma do político mal-amado. O homem faz tudo para gostarem dele, mas há uma longa lista de ingratos que o detestam: os jornalistas, os barões do PSD, o presidente da República e até a oposição, que deveria ser a sua primeira admiradora. O amor, tal como o ódio, é mau conselheiro, nestas coisas da política, como na vida real. Por isso, os que detestam o doutor Lopes já lhe passaram a certidão de óbito. Mais devagar. Desde quando um político incompetente não tem futuro em Portugal?

Esperai sentados pela passamento político do doutor Lopes. Ele é como o gato, tem sete vidas e ainda lhe restam duas - gastou uma a confundir o piano com o violino, outra no vai-e-vem Lapa-Figueira da Foz, outra na câmara de Lisboa, outra neste governo provisório e ainda outra na noite alfacinha. Que irá ele fazer com as duas vidas que lhe restam?

01/12/2004

DIÁRIO DE BORDO: As notícias da sua morte política são manifestamente exageradas.

As premissas

Premissa A
O bom povo português é profundamente feminino (ver, por exemplo, o post impertinente Macho? Moi?). Atributos do estereotipo feminino: ciúme do sucesso e amor desvelado ao desgraçadinho. Quem quer que seja visto como vítima tem garantida a sua simpatia.

Premissa B
O bom povo português está cansado de apertar o cinto e espera ansiosamente melhores tempos para trocar de casa, de carro, de electrodomésticos e passar das férias no pardieiro da Quarteira a outras paragens. Precisará de mais alguns anos e de várias crises para aceitar as drásticas reformas indispensáveis para o país sair da fossa e galopar atrás da Europa dos outros 24. Até lá, como bem antecipa o Jaquinzinhos, não haverá voluntários ao suicídio político que seria liderar um governo para fazer essas reformas.

Premissa C
O doutor Lopes, que é incompetente como primeiro ministro, mas não é parvo, renascerá das cinzas, vitimando-se. Tem boas razões para isso: os média, os comentadores, os analistas, os barões do seu próprio partido, o presidente da República, fizeram deste governo o bombo da festa (também tiveram boas razões para o fazer).

Premissa D
O doutor Lopes não precisará de nenhum congresso do PSD para se legitimar. Já foi eleito sem oposição. Os barões tiveram falta de comparência (com excepção do mais pequeno deles todos, mas que, nem por isso, é o menor) e perderam a legitimidade para colher os frutos da queda do governo. O doutor Cavaco tem mais do que fazer do que dar outra vez para o peditório do doutor Pacheco Pereira.


Os cenários

Cenário 1
O choradinho do doutor Lopes comove os eleitores que dão ao PSD a pole position, mas não a maioria (apesar de tudo o bom povo não é assim tão parvo). O doutor Portas, consegue um bom resultado e chega-se a frente para a coligação. O doutor Sampaio constata que deu dois tiros, um em cada pé, e convida o doutor Lopes a formar governo. O doutor Lopes, enquanto puder, derramará sobre o povo os frutos da sua bondade. Quando sair (Assembleia dissolvida pelo engenheiro Guterres, entretanto eleito) o povo terá compreendido, finalmente, que está fodido, mas poderá não ter ainda percebido o que será necessário para deixar de o estar.

Cenário 2
O choradinho do doutor Lopes não comove suficientemente os eleitores que dão ao PS a pole position, mas não a maioria (apesar de tudo o bom povo não é assim tão parvo). Dos dois tiros que deu nos pés, o doutor Sampaio só perceberá um deles, e convida o engenheiro Sócrates a formar governo. O engenheiro Sócrates não fará uma coligação com o doutor Jerónimo (não é parvo e percebe que daria uma injecção de adrenalina ao moribundo), nem com o doutor Anacleto (o engenheiro Sócrates é parvo, mas não tanto). O engenheiro Sócrates (que não é muito diferente do doutor Lopes, só que tem uma ejaculação menos precoce), fará umas reformazitas de emergência, deitará pela borda o pouco que o governo PSD-PP fez de positivo, e prolongará a ilusão do bom povo de que poderá continuar a empurrar o problema com a barriga para a frente. Quando terminar o seu trabalho podemos rebobinar e voltar ao princípio: os mesmos problemas, agravados, e alguns novos. O engenheiro Sócrates terá a desculpa de mau pagador do costume: não tem maioria. Poderá aspirar a um segundo mandato.

Cenário 3
O choradinho do doutor Lopes não comove suficientemente os eleitores e o povo está tão carente que vê no engenheiro Sócrates o embuçado saído do nevoeiro que o conduzirá ao paraíso sem esforço. O governo maioritário PS fará as mesmas coisas que no cenário 2 e acrescentará mais alguns dislates, apenas com a vantagem de, no final do mandato, não ter boas desculpas. Nessa altura podemos rebobinar, como no cenário 1, com a diferença que o engenheiro Sócrates terá as suas aspirações a um segundo mandato comprometidas.

Entre os 3 cenários, venha o diabo e escolha.