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08/04/2019

Crónica da avaria que a geringonça está a infligir ao País (182)

Outras avarias da geringonça e do país.

Citar a desvergonha da comissão parlamentar da transparência das funções públicas, depois de três anos e mil horas de discussão, ter cedido à promiscuidade entre o estatuto de deputado e o de lóbista encartado, sob a forma de sócio de sociedade de advogados, vai para além do escopo desta crónica dedicada aos estragos que a geringonça causa ao país, porque desta vez os estragos também são responsabilidade doutras agremiações.

Por falar de comissões parlamentares, nas audições de Carlos Costa e Victor Constâncio têm sido recorrentes os problemas de memória de ambos, com a pequena diferença que o primeiro actuou tarde e más horas e o segundo actuou pontualmente para facilitar o assalto de Sócrates ao BCP (ver I, II, e III) e, quando confrontado com a sua inacção na supervisão dos bancos, desculpou-se que não era o pelouro dele porque «estava essencialmente concentrado na política monetária» o que me remete para a sua famosa declaração Mississipi no discurso de tomada de posse em 2000 onde concluiu que «sem moeda própria não voltaremos a ter problemas de balança de pagamentos iguais aos do passado. Não existe um problema monetário macroeconómico». Só não foi um prognóstico irremediavelmente idiota porque acertou na parte «iguais aos do passado», já que a bancarrota de 2011 foi muito mais grave do que as anteriores.

Estava escrito no livro do destino, em ano de eleições, apertado pela queda nas sondagens e pelo familygate, Costa foi levado a forçar a mão ao Ronaldo das Finanças, deslustrando-lhe o brilharete em Bruxelas, e sucumbiu à recuperação parcial da contagem do tempo de serviço para a promoção automática independente do mérito, recorde-se. Estima-se que a coisa fique em 240 milhões por ano a adicionar ao aumento de 7,5% da massa salarial da responsabilidade deste governo, qualquer coisa como 2,2 mil milhões de euros resultantes de mais contratações para responder à redução do horário para 35 horas - aquela redução que o governo tinha garantido não ter impacto orçamental e que o entertainer residente em Belém promulgou garantindo «que será solicitada fiscalização sucessiva, se for evidente, na aplicação do diploma, que aquele acréscimo é uma realidade». Garantia que foi juntar-se à vichyssoise, ao Cristo que desceria à terra, ao líder da oposição na páginas do Semanário e às muitas outras tretas com que nos vem entretendo há décadas, com aparente gáudio dos néscios.

Outros exemplos do esforço selectivo para fazer feliz a clientela dos funcionários públicos: eliminação do salário máximo dos juízes que poderá ultrapassar o do primeiro-ministro, juízes que ainda recuperam mais tempo de serviço e repetição do prémio aos funcionários do fisco equivalente a 5% das cobranças coercivas em 2018. Porquê? Ora, porque é preciso manter mansos os juízes quando tenham de lidar com os membros da famiglia socialista e motivados os executores da extorsão fiscal que depena os contribuintes para dar pasto à vaca marsupial pública.

Dirigido ao eleitorado da região metropolitana de Lisboa, o departamento do governo que funciona na câmara anunciou pela quarta vez uma obra a fazer - telemóvel a substituir o passe e o bilhete nos transportes. Para o mesmo eleitorado o governo tinha anunciado em 2017 mais 278 camas nos hospitais de Lisboa e Vale do Tejo até ao final de 2018 e o resultado foi menos 96 camas do que as então existentes.

Apesar de se tentar apresentar como um dedicado money sucker, a execução dos fundos europeus deste governo é a mais baixa nos últimos 30 anos, como o boletim económico do Banco de Portugal mostrou. Por uma razão óbvia: os fundos europeus co-financiam projectos e o problema está no "co" que depende da participação portuguesa que sai do orçamento e aí entra nas contas do Ronaldo das Finanças porque o dinheiro não chega para tudo e em primeiro lugar tem de ir para o bolso da freguesia eleitoral dos funcionários públicos. Na próxima vaga de fundos da política de coesão em 2021-2027 Portugal vai receber menos 1,6 mil milhões do que na actual o que seria uma razão para o money sucker ter aproveitado plenamente esta vaga.

A redução dos preços dos passes dos transportes públicos é um bom exemplo das medidas erradas de Costa. Em vez de subsidiar selectivamente o preço dos transportes dos trabalhadores mais pobres, oferece preços especiais indiscriminadamente, incluindo a urbanitas que não precisam e a reformados da classe média para poderem passear nos tempos livres. Tudo financiado por 117,5 milhões de impostos (começaram por ser 85,1 milhões) que serão pagos todos os anos por contribuintes de todo o país dos quais Lisboa absorverá 70%. Outro exemplo de tirar dos bolsos de todos em benefício dos que menos precisam é a intenção de acabar com as taxas moderadoras do SNS que são pagas por uma minoria de "utentes" que têm rendimentos mais altos - há uns anos não chegavam a 30% e hoje serão menos.

O inspector-chefe da Polícia Judiciária Militar na investigação do circo de Tancos confirmou que o palhaço ministro da Defesa tinha sido informado da palhaçada do aparecimento de armas ter sido inventada. É bem possível que até o palhaço-em-chefe soubesse da palhaçada, o que é normal num país em que quem não é palhaço não é bom chefe de família.

Continuando nas palhaçadas, Álvaro Santos Pereira, o ex-ministro da Economia, confirmou no parlamento - o lugar por excelência da palhaçada - que o governo de Costa pressionou a OCDE para retirar a referência a corrupção do relatório sobre Portugal e para que ele, responsável pelo relatório, não estivesse presente na sua apresentação. Cá para mim, esta foi até agora a medida anti-corrupção mais bem sucedida deste governo.

Qualquer representação da árvore genealógica do governo, como esta ou esta ainda mais ambiciosa, arrisca-se a ficar rapidamente desactualizada à medida que novas espécies vão sendo descobertas. Entre as novas descobertas talvez a mais notável, por agora, seja o caso do ministro da Transição Energética (este nome é um achado) que teve a mulher, a ex-mulher (a mesma) e uma namorada (esta é outra) no ministério e em empresas tuteladas. É obra e é muito para um homem só.

Quanto à dívida pública, retomou o seu curso natural na governação socialista e voltou a aumentar 1,2 mil milhões em Fevereiro.

Adaptado daqui
A locomotiva que tinha puxado a economia portuguesa continua a perder gás: os indicadores mostram que em Março a indústria da Zona Euro registou a maior contracção desde 2013. Por isso, o Fórum para a Competitividade prevê um arrefecimento da economia portuguesa que estima crescerá entre 1,3% a 1,6%. E como a economia para crescer precisa de investimento e este foi em 2018 inferior em 6,5 mil milhões ou 15% ao de 2008, dos quais 2,7 mil milhões são investimento público que o governo prometeu aumentar 40% em 2018 e apenas aumentou 10% , o mais provável é que as piores previsões se confirmem.

Até porque o investimento precisa de poupança e a poupança subiu na Zona Euro para 12% mas desceu de novo em Portugal para um novo mínimo de 4,6% - repare-se o fosso abissal de mais de 7%. Por isso, até o desemprego pode começar a aumentar de novo como de resto o governo já admitiu ao aumentar de 6,3% para 6,6% a taxa de desemprego de 2019 prevista.

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