Estávamos em Janeiro e a ministra do Mar anunciava pomposamente «um acordo de paz social» que poria fim às greves do Sindicato dos Estivadores no porto de Lisboa. Estamos em Maio e a «paz social» consiste no centésimo nos últimos dez anos pré-aviso de greve até 27 de Maio. Lá teremos em breve a mesma ministra a anunciar com a mesma pompa outro acordo.
Estávamos no princípio de Abril e o chefe da geringonça prometeu
1,4 mil milhões de euros do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS) para reabilitação urbana. Estamos em Maio e a coisa já caiu para 500 milhões. Neste caso é mau para a credibilidade da geringonça que já não tem como piorar, mas é menos mau para a sustentabilidade da segurança social porque usar um fundo de financiamento das pensões futuras para especulação urbana é mais um daqueles expedientes socialistas do tipo viaje agora e pague depois.
O mesmo governo que já tinha batido o recorde de 1.000-nomeações-1.000 em 100-dias-100, bateu agora um novo recorde: em quatro meses nomeou 273 dirigentes em regime de substituição para atribuir jobs for the boys fintando a necessidade de abrir concursos públicos.
Continuou durante a semana o mal-entendido dos contratos de associação com as escolas privadas - ver a este respeito o Explicador do Observador que explica tudo quando é preciso para se perceber que jamais se poderá chegar a um entendimento com gente que imagina que o ensino público é gratuito e não percebe que o montante pago por cada turma num contrato de associação é menor do que o custo médio de uma turma numa escola pública e que, portanto, o que está aqui em causa é muito simplesmente continuar a garantir o emprego garantido dos funcionários públicos do ministério da Educação.
Outra saga em que abundam os mal-entendidos é a dos «Lesados do BES», um nome que é um achado para designar um bando de patetas que foi vítima de um conto do vigário dos Espírito Santo. O que no passado teria feito deles alvo da chacota da aldeia faz hoje deles indignados exigindo da aldeia que lhes pague a burla. Sim, porque é disso que se trata por detrás de um complicado esquema de veículos financeiros, fundos daqui e dali que acaba com os sujeitos passivos a pagarem (ver aqui a explicação explicada em compliquês), É claro que uma outra solução transparente seria possível se existisse uma espécie do Financial Services Compensation Scheme do Reino Unido, Contudo, teria o grave inconveniente para o bando de patetas de receberem um máximo de 50 mil libras se fosse provado o mis-selling, um grande e difícil «se», porque muitos «lesados» tinham obrigação profissional de perceber que estavam a comprar um produto especulativo de risco.
Foi divulgado a semana passada o Boletim da Primavera da CE onde Bruxelas anuncia as suas previsões de um inverno difícil para as finanças públicas portuguesas em contraste com o verão resplandecente que a geringonça nos anuncia. Em matéria de défice vai uma distância de 900 milhões de euros (0,5% do PIB). Nada bate certo, mas onde a coisa atinge proporções aflitivas é exactamente na variável que condiciona o crescimento: o investimento. Ora repare-se:
Fonte: jornal SOL |
Fonte: Expresso |
É possível que tenha de ser negociada, porque para pagar a dívida seria preciso crescer e para crescer seria preciso investir e para investir seria preciso poupar e quanto a poupanças estamos conversados. Como se pode ler no Boletim Económico do BdeP de Maio a taxa de poupança em Portugal que havia crescido entre 2009 e 2013 voltou a cair depois de a troika fazer as malas e está agora nos 4,2% do rendimento disponível, um terço da média da zona euro e metade da poupança anterior à adesão ao euro.
Por isso, entre fazer as reformas indispensáveis e adoptar as políticas impopulares necessárias para incentivar o crescimento ou efabular, Costa não hesita e vai apresentar ao congresso do PS no próximo mês propor a mutualização das dívidas e a criação de um Fundo Monetário Europeu. Ou seja, Costa vai propor as políticas que os países solventes da Euro Zona devem adoptar para continuar a financiar o Estado português e as corporações dele dependentes.
E já que falo em congressos, o do Berloque de Esquerda vai ter várias moções aparentemente encontradas num baú dos anos 60 (ou anos 70 para os revolucionários domésticos, sempre com jet lag): uma sobre o sistema produtivo, a propriedade colectiva e a planificação da economia, outra para os ricos pagarem a crise e ainda outra defendendo a semana de trabalho de 32 horas «para dividir o trabalho pelos braços disponíveis». Segundo a TSF (que deve saber do que fala) as moções estão de acordo numa coisa: «os socialistas vão acabar por ceder a Bruxelas e o BE vai ter de sair do acordo das esquerdas». Ficará difícil conseguir manter a flutuar a geringonça, até mesmo para o enorme talento equilibrista de Costa.
Por todas estas razões, não é difícil entender a percepção que essas entidades míticas chamadas mercados têm de um país governado por uma geringonça. Ora veja-se o que essas entidades míticas pensam das nossas chances de entrar no cano outra vez, comparativamente com outros PIGS (excepto a Grécia cujo risco já ninguém se dá ao trabalho de avaliar):
Fonte: Deutsche Bank |
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