A Europa sem dono
«Os gregos de Chipre queixam-se do imperialismo alemão. Teriam no entanto mais razões para se queixar da ausência desse imperialismo. Porque uma Alemanha imperial estaria talvez disposta a pagar pela parte grega da ilha, mais não fosse para não dar lugar aos russos. Mas a Alemanha de hoje não é imperial, nem aspira a dominar a Europa. Desejaria certamente que os sócios do euro funcionassem como ela, como um Estado de direito, onde o governo central pode pouco, e uma economia social de mercado, onde o bem-estar depende da produtividade. Mas ter governadores em Nicósia, direta ou indiretamente, não. A Alemanha, tal como o Japão, foi submetida depois da guerra à mais implacável operação de lobotomia cultural da história. Hoje, o antigo Reich é uma espécie de Suíça em ponto grande. As suas empresas não são o avatar dos exércitos que perdeu: são apenas empresas.
Os alemães nunca viram na moeda única o cavalo de Troia através do qual ocupariam, sem o general Rommel, as praias e os olivais do sul do continente. A população alemã não queria o euro. Quem quis o euro foram os franceses, que o impuseram à Alemanha como o preço da unificação. Foram os portugueses, os espanhóis, os italianos, e os gregos, que tudo fizeram, inclusive aldrabices, para partilhar a moeda da Alemanha. O euro não traduz o poder alemão, mas o contrário: a debilidade alemã. A UE é uma união de fraquezas paroquiais.
A Alemanha não quer mandar. Mais: a Alemanha não pode mandar. A Alemanha sofre dos males do resto da Europa. Tem uma população envelhecida e em retração. Não sabe bem como pagar o Estado social. A sua dívida pública é das mais altas do mundo. Há apenas dez anos, a Alemanha ainda era o 'doente' da Europa. A economia alemã foi a que menos cresceu entre 1995 e 2005, precisamente quando a Europa do sul fazia a festa das novas urbanizações e dos centros comerciais, explorando os juros baixos do euro. As coisas só mudaram quando Gerhard Schroeder sujeitou a Alemanha às reformas estruturais e à austeridade que a Europa meridional agora rejeita porque "não funcionam".
A condução alemã da crise é geralmente explicada pelo eleitoralismo dos seus governantes. Não chega. É preciso contar com a insegurança germânica. A Alemanha não sente ter poder para disciplinar a Europa do sul, caso a livrasse da pressão dos mercados. Nem capacidade para sustentar os previsíveis desmandos mediterrânicos, caso aceitasse a mutualização das dívidas. E talvez não esteja convencida de que os PIGS valem tudo. A Alemanha, em 2012, exportou mais para o Reino Unido do que para a Itália, mais para a Suíça do que para a Espanha, mais para Singapura do que para Portugal, mais para Taiwan do que para a Grécia. Dos cinco maiores parceiros comerciais da Alemanha, só dois estão no euro (França e Holanda).
Como a Alemanha não está compradora, os irredutíveis gauleses de Nicósia tentavam, a meio da semana, vender-se à Rússia. Durante décadas, o problema da Europa foi a ambição imperial da Alemanha. Ninguém imaginou que, um dia, o problema pudesse ser a falta dessa ambição.»
Rui Ramos, no Expresso
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Lema: A verdade é como o azeite, precisa de um pouco de vinagre.
Pensamento em curso: «Em Portugal, a liberdade é muito difícil, sobretudo porque não temos liberais. Temos libertinos, demagogos ou ultramontanos de todas as cores, mas pessoas que compreendam a dimensão profunda da liberdade já reparei que há muito poucas.» (António Alçada Baptista, em carta a Marcelo Caetano)
The Second Coming: «The best lack all conviction, while the worst; Are full of passionate intensity» (W. B. Yeats)
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Pensamento em curso: «Em Portugal, a liberdade é muito difícil, sobretudo porque não temos liberais. Temos libertinos, demagogos ou ultramontanos de todas as cores, mas pessoas que compreendam a dimensão profunda da liberdade já reparei que há muito poucas.» (António Alçada Baptista, em carta a Marcelo Caetano)
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25/03/2013
Mitos (105) – O «imperialismo» alemão quer mandar na Europa
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