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15/06/2020

Crónica da asfixia da sociedade civil pela Passarola de Costa (37) - Em tempo de vírus (XIV)

Avarias da geringonça e do país seguidas de asfixias

Saída de Centeno, um bom ministro das Finanças no género mau

Sim, é verdade. O Dr. Centeno foi melhor do que os outros ministros socialistas das Finanças de que me lembro.

Imaginemos, porém, que o Dr. Centeno quando chegou ao ministério das Finanças resolvia esconder-se dentro do armário e deixar um sósia no seu lugar e o sósia, por ignorância, não faria nada e manteria tudo como fora deixado pela sua antecessora. No final de quatro anos, o crescimento da economia devido aos exportadores e aos turistas e a redução dos juros devida ao outro Mário que estava em Frankfurt permitiriam ao sósia atingir um défice de 2,9% cumprindo as regras de Maastricht sem nada fazer. O verdadeiro Mário satisfez a freguesia eleitoral do seu partido (35 horas, reposição de direitos, carreiras, etc.), aumentou os impostos indirectos e desbastou o investimento público para conseguiu um superavit infinitesimal. É esta a sua obra. So much ado for so little.

No Estado Sucial não há conflito de interesse. Há interesses em conflito

Agora que, segundo a lenda, mais falta faria ao país a caminho da quarta bancarrota da 3.ª República, o Dr. Centeno está agora a caminho do Banco de Portugal por proposta de um ministro que foi seu secretário de Estado no governo que o vai nomear e do qual ele foi ministro das Finanças e da Presidência. Só falta nomear um primo para seu assessor.

O “dois por um” virou “um por dois por mais”

Desde que a troika aterrou na Portela para consertar as finanças deixadas pelo Eng. Sócrates na sua fuga para Paris, foi imposta a regra de substituir a saída dois utentes da vaca marsupial pública por um, regra que o governo do Dr. Costa diz agora ir abandonar para substituir pela regra "um por um". É mais um passe de ilusionismo. O Dr. Costa desde que habita em S. Bento substituiu a regra "dois por um" pela regra um por vários, visto que desde que por lá anda aumentou o número de utentes de 659,1 para 727,8 até 2018 e em 2019 aumentou mais 15,3 para 698,5 mil, ou seja quase 40 mil no total. É em vão que se procurará a menor referência a esta prestidigitação por parte de imprensa amiga.

Um ministro na sombra não é a mesma coisa de um ministro-sombra

Por falar em imprensa amiga do governo (de qualquer governo, mas o Dr. Costa atinge a excelência), um dos seus papéis é projectar luz sobre os ministros na sombra que, diferentemente do sistema britânico, não são membros da oposição a treinarem para serem ministros da pasta de que são ministro-sombra. Os ministros na sombra do Dr. Costa são ministros a que ninguém presta atenção, seja pela sua pasta pertencer ao mundo da realidade alternativa, seja por o ministro em causa ser uma nulidade, seja por acumulação. O periódico preferido para projectar luz sobre os ministros na sombra é (adivinharam) o Expresso. A projecção mais recente é dedicada ao ministro de Mar cujo nome é ??? (aceitam-se palpites na caixa de comentários, sem batota!), a pretexto de ir «mergulhar nas pradarias marinhas do Sado». A projecção anterior foi dedicada ao ministro da Coesão Territorial cujo nome é ??? (aceitam-se palpites na caixa de comentários, sem batota!) que anunciou que vai «financiar a 100%» centenas de projectos municipais.

CP, a TAP do pedronunismo

Umas semanas atrás, o Dr. Pedro Nuno Santos, porta-voz do pedronunismo, ameaçou os accionistas da TAP com «outra música» e acusou-os de má gestão. Compreensivelmente frustrado pelo accionistas da TAP não quererem dançar o tango com ele, o Dr. Pedro poderia muito bem aproveitar o facto de o Estado ser o único accionista da CP e usar os seus conhecidos dotes de gestor para consertar a empresa pública mais escangalhada neste Portugal dos Pequeninos. Pois parece que não. Em vez disso vai transferir 850 milhões do dinheiro dos contribuintes para a CP até 2029.

Boa Nova

A semana passada referi o anuncio nas «próximas semanas» de um banco de fomento que fora privatizado por um governo PS, tinha ressuscitado há três anos e segundo o mesmo ministro já estava criado em Janeiro. Acrescento agora que há sérias razões para pensar que esse banco de fomento em vez de vir ajudar a resolver a insuficiência do crédito às empresas - a banca privada tem privilegiado o crédito ao consumo - parece destinado a fazer-lhe concorrência, uma vez que vai também entrar no retalho, e a fazer política por outro meios (leitura recomendada).

Quanto aos investimentos anunciados no Programa de Estabilização Económica e Social (PEES) a coisa é uma repescagem de tudo o que já foi anunciado, nalguns casos duas vezes ou mais. Para citar Helena Garrido, parece mais uma lista de compras: «inclui uma lista de mais de 80 medidas, boa parte delas financiadas por fundos europeus, algumas sem orçamento previsto e outras que não se percebe se são novas ou antigas, como por exemplo os investimentos em infra-estruturas de transportes

Dois pequenos exemplos da trafulhice subjacente ao PEES: (1) uma dessas mais de 80 medidas exige a identificação dos imóveis públicos disponíveis que segundo o PEES iria agora ser feita, depois de anunciada que iria ser feita, não uma, mas duas vezes em 2016 e 2018, como reparou Filipa Roseta no jornal SOL; (2) depois tanto anúncio de investimento, com a cornucópia bruxelense o aumento entre o previsto no primeiro e no segundo orçamento é de ... 37 milhões!

Choque da Boa Nova com a realidade

Um dos feitos com que o governo socialista se enfeita é o "desempenho digital" o que é quase a mesma coisa que enfeitar-se com o desempenho das exportações ou do turismo. Mas no caso do "desempenho digital" há mais uma razão adicional para não se enfeitar é que, segundo a CE, Portugal tem o 10.º pior desempenho digital da UE.

Insegurança social

Entre os muitos feitos com que o governo do Dr. Costa se enfeitou está também o saldo do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social que atingiu o ano passado 20 mil milhões de euros o que parece uma quantia astronómica até ao momento de se saber que nessa altura daria para pagar uns 18 meses de pensões e agora cada vez menos, visto que ainda a procissão vai no adro e já se sabe que, em relação ao orçamento aprovado em Fevereiro, o suplementar prevê mais 4 mil milhões de euros de despesa na segurança social, resultante do aumento dos subsídios de lay-off e de desemprego, sem contar com a redução da receita das contribuições.

«Queda monumental»

As exportações têm uma queda homóloga de 40% em Abril, enquanto o volume de negócios na indústria cai 33% no mesmo mês e a previsão da criação líquida de emprego no 3.º trimestre é -9%.

Há quem lhe chame um "optimista irritante", mas a meu ver o Dr. Costa é mais um ilusionista que por vezes parece até acreditar nos seus truques, o que o qualificaria como ilusionista-iludido. O orçamento rectificativo, agora rebaptizado de complementar, prevê um défice de 6,3% e a subida da dívida pública para 134,4%. Previsões que resultam da previsão de que o PIB só cairá 6,9% - o que comparado com previsões mais recentes aqui listadas já não é wishful thinking, cai no domínio do delirious thinking.

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