Entrevista do Expresso a Daniel Bessa, um economista que por engano passou 5 meses pelo governo de Guterres, onde faz uma radiografia honesta, lúcida e corajosa das experiências socialistas passadas e presentes.
Quem são os culpados da crise?
José Sócrates foi o operacional que estava aos comandos no momento do sinistro. Mas os maiores responsáveis políticos estão lá atrás: são o primeiro-ministro entre 1995 e 2000 e o governador do banco central depois disso. São pessoas, não é agradável estar a falar em pessoas, mas são pessoas no exercício de funções que eram muito importantes e que podiam ter invertido o curso dos acontecimentos.
Porquê António Guterres?
A última grande oportunidade que nós tivemos para ter um futuro melhor foi na década de 90. A descida a pique dos juros trazida pela perspetiva da adesão ao euro teria resolvido o défice. Mas o Estado pôs-se a gastar dinheiro quando a economia privada por si só resolvia o problema do desemprego. É uma responsabilidade grande, que partilhei durante cinco meses e por aí me fiquei.
E Vítor Constâncio?
A profissão do primeiro-ministro é ganhar eleições e tomar medidas que favoreçam o partido. Mas o banco central não existe para ganhar eleições. Com a adesão ao euro, o Banco de Portugal difundiu a tese que um pequeno país integrado numa grande zona monetária não tem limites ao endividamento. Mas ignorou o prémio de risco que um dia viria a subir como subiu.
E o atual Governo? Esta aposta no mercado interno terá sucesso?
Pelas minhas contas, não há multiplicação nenhuma se o Estado gastar mais. Agravará é o défice orçamental e o défice externo porque a economia está muito aberta e a carga fiscal já é muito elevada. O próprio Governo já aceita que os resultados vão ficar aquém do esperado. Isto vai criar uma grande frustração porque há muita gente que acredita e que vai ficar dececionada.
Quando?
Quanto mais cedo melhor. Quando se apurarem as contas do primeiro semestre, em agosto, setembro ... já é um bocado tarde para corrigir o défice. Por isso digo que a probabilidade de não se aumentar o IVA até ao fim do ano é de apenas 1%. Não vou dizer que tenho a certeza absoluta mas ...
... apostava um jantar com o primeiro-ministro?
Em como terá de subir o IVA? Aí isso apostava! E quanto mais tarde ele vier a sentir essa necessidade, pior.
Faz sentido continuar a repor salários da função pública quando o aumento de impostos é inevitável?
Não estou a ver António Costa a dizer que Passos Coelho tinha razão ... O PSD propunha subir apenas metade dos salários da função pública, mas o PS propôs repor tudo e depois encontrou este aumento faseado ao longo do ano para gastar menos. O Governo não resistiria a um recuo destes. A probabilidade de o Partido Comunista e o Bloco de Esquerda recuarem na reposição integral dos salários da função pública é de uma num milhão. Coisa diferente é aceitarem um aumento do IVA...
Como vê o colapso das previsões do investimento? O PS dizia 7,8%, agora o Banco de Portugal diz 0,7%?
É terrível. Sabemos que as empresas estão endividadas e que a banca não está recetiva a financiar. Mas há um problema de que ninguém fala: as empresas não vão investir se não tiverem rentabilidade. Nos últimos anos, conseguimos o facto notável de aumentar as exportações de menos de 30% para mais de 40% do PIB. Se as coisas estivessem a correr bem, teríamos visto um aumento do investimento nas indústrias exportadoras ...
Mas não aconteceu ...
O que me leva a pensar porquê. O encerramento de uma empresa tem custos muito grandes quanto ao imobilizado e aos trabalhadores. Desde que o prejuízo de estar aberto seja melhor do que o prejuízo de fechar, é melhor continuar a produzir mesmo com prejuízo. Temo que isso possa estar a acontecer em muitas empresas: aumentaram as exportações mas não se livraram dos resultados negativos.
Essas empresas vão falir?
É uma questão dramática que ninguém discute em Portugal. É óbvio que a Galp, a Portucel e muitas outras grandes, médias e pequenas empresas (PME) estão a ganhar dinheiro. Mas não sei se o grosso das empresas que foram trazidas à exportação estão a ganhar dinheiro. O país precisava de fazer um trabalho aturadíssimo - a partir dos dados do Banco de Portugal e outros - para saber se as empresas exportadoras estão a ganhar dinheiro.
E os apoios a quem exporta?
Os subsídios do Portugal 2020, o banco de fomento, a ideia de um segundo mercado em bolsa para PME... Tudo isso é bom mas curto em comparação com a magnitude do problema do endividamento das empresas portuguesas. Quando veio a troika, só a dívida externa empresarial era um PIB... Sabe que há coisas que não têm cura... Por isso, começámos a entrevista a falar do supervisor ... Deixámos chegar a dívida a um nível tão elevado que alguma parte só terá cura com a transmissão de propriedade.
Vender é a consequência?
Quantos bancos portugueses há hoje? Onde está o capital da PT, da REN, da EDP? Está a ser progressivamente tomado por investidores do exterior. Mas sabe o que me incomoda? É esta ideia de que precisamos da CGD para acudir os desvalidos do rigor dos espanhóis. Como o Santander e o CaixaBank vão ser muito rigorosos, é preciso que o banco público financie quem eles não financiam, os riscos maiores... Esta conversa é terrível porque mina a credibilidade da instituição. Aqui responsabilizo tanto o Governo como as empresas. Dá a impressão que a última pessoa com que se preocupam é o depositante ...
A concentração da banca pode aumentar o crédito às empresas?
Pelo contrário. Os bancos negoceiam linhas de financiamento com as empresas, isto é, acordam emprestar até um limite de crédito. Veja o caso do Banif agora absorvido pelo Santander: não tenho dúvidas que a generalidade das empresas que eram clientes dos dois bancos têm agora um limite de crédito inferior à soma dos dois limites anteriores. E se a fusão dos dois maiores bancos de empresas vier a acontecer, o limite de crédito será novamente apertado para a quase totalidade das empresas que é cliente do BCP e do Novo Banco.
A economia tem salvação?
Só se apostar no crescimento de grandes e médias empresas exportadoras. Ou estas empresas crescem ou o país não cresce. Portucel, Amorim, Celbi, BA Vidro, Sovena, Sogrape, Polisport, Outsystems, Brisa Inovação, Criticai Software, Vision-Box, WIT Software, Siscog, grupo Pestana ... são apenas alguns exemplos.
Como pode o Governo incentivá-las a investir, crescer, criar emprego?
Partilha de riscos, por exemplo. Porque é que só metemos o Estado e o dinheiro público no mau? Somos ou não somos capazes de criar incentivos para o bom poder crescer? Parece haver disposição para tomar o risco dos investidores no banco mau. E para tomar o risco dos investidores nos negócios bons?
Our Self: Um blogue desalinhado, desconforme, herético e heterodoxo. Em suma, fora do baralho e (im)pertinente.
Lema: A verdade é como o azeite, precisa de um pouco de vinagre.
Pensamento em curso: «Em Portugal, a liberdade é muito difícil, sobretudo porque não temos liberais. Temos libertinos, demagogos ou ultramontanos de todas as cores, mas pessoas que compreendam a dimensão profunda da liberdade já reparei que há muito poucas.» (António Alçada Baptista, em carta a Marcelo Caetano)
The Second Coming: «The best lack all conviction, while the worst; Are full of passionate intensity» (W. B. Yeats)
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Pensamento em curso: «Em Portugal, a liberdade é muito difícil, sobretudo porque não temos liberais. Temos libertinos, demagogos ou ultramontanos de todas as cores, mas pessoas que compreendam a dimensão profunda da liberdade já reparei que há muito poucas.» (António Alçada Baptista, em carta a Marcelo Caetano)
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