No artigo «O congelador social», publicado no Expresso do dia 7 de Outubro e integralmente citado neste post, o economista Luís Aguiar-Conraria mostra como o impacto da pandemia nos sistemas educativos, e em particular do Portugal dos Pequeninos, veio confirmar que as políticas facilitistas dos governos de esquerda (desvalorização da avaliação, supressão dos exames, etc.) tendem a ter as consequências opostas às intenções anunciadas, degradando o ensino público e assim prejudicando o desempenho dos alunos pobres, ao mesmo tempo que promovem a transferência dos alunos das «famílias certas» para as escolas privadas, assim acelerando a degradação do ensino das escolas públicas.
Num exercício de despudorada hipocrisia, muitos dos defensores mais ruidosos do ensino público, incluindo os "famosos" da esquerdalhada, inscrevem os seus filhos no ensino privado.
«Por definição, não é possível ter todos nos 20% do topo da escala económico-social. Por cada pessoa que ascenda a esse quintil, alguém descerá. Quem lá está quer que os seus filhos lá fiquem. Qual a melhor forma de o garantir do que impedir que os filhos dos outros lá cheguem?
O ensino em Portugal mais parece um complô das classes dominantes para evitar a ascensão social dos mais pobres, transformando o elevador social que a escola devia ser num travão. Há umas décadas, apenas uma pequena minoria chegava ao ensino superior. Esse problema foi ultrapassado, mas as formas de discriminação continuam, ainda que mais subtis. Há cursos melhores e piores e as escolas básicas e secundárias parecem desenhadas para assegurar que são os filhos das famílias certas que ascendem aos cursos certos.
Como todos sabem, o principal determinante do sucesso escolar das crianças é o meio sociocultural da sua família. Uma escola que fosse um elevador mitigaria essa diferença. Com a debandada das classes altas e médias altas para as escolas privadas, ficámos com um ensino segregado: as públicas ficam com uma clientela sem capacidade reivindicativa e sem competências para apoiar as suas crianças, que por sua vez ficam sem os pares que podiam puxar por elas. Há exceções, mas são isso mesmo, exceções geralmente localizadas nos bairros certos. As privadas tornam-se bolhas de privilégios e garantem o serviço: não só dão notas inflacionadas como garantem uma mais intensiva preparação para os exames.
Os mecanismos de controlo que permitiriam atenuar estas diferenças têm vindo a ser paulatinamente destruídos (por Governos socialistas, sublinhe-se). O caso dos exames nacionais é paradigmático. Como já não contam para as notas finais das disciplinas, servindo apenas para o cálculo da nota de entrada no Ensino Superior, o ministério deixou de recolher informação das escolas privadas sobre as suas notas internas, perdendo o principal instrumento que tinha para identificar casos de inflação de notas. Se já antes havia vários indicadores que mostravam que as escolas privadas eram useiras e vezeiras nesta tática, ficaram agora com rédeas livres.
A supressão de exames tem mais efeitos. Tornou-se verdadeiramente impossível estudar os efeitos das escolas encerradas com medo da covid e do ensino à distância nas capacidades das crianças.
No início de setembro, nos Estados Unidos, saíram os resultados de exames nacionais a crianças de nove anos. Os resultados foram assustadores. O título do “The New York Times” é ilustrativo: “A pandemia apagou duas décadas de progresso na matemática e na leitura”. Agora assustei o leitor, ficou preocupado com o seu filho ou com o seu neto. Mas não se preocupe, olhando para os dados com mais detalhe, percebe-se que quem se lixa são os mesmos de sempre. Foram os piores alunos a ver a sua performance cair mais, os melhores quase não foram prejudicados. Se olharmos para a decomposição étnica, é mais do mesmo: negros e hispânicos foram afetados de forma desproporcionada. E a explicação é simples: as escolas destes alunos não estavam preparadas para ficarem fisicamente fechadas, além da ausência de apoio familiar em casa com as aulas à distância.
Em Portugal, como não temos dados, podemos fingir que isto não aconteceu e que as desigualdades não se agravaram. Já lhe tinha dito que o nosso ensino mais parece uma conspiração das classes dominantes? Pois, já tinha. Desculpe ser repetitivo.
A sério, escusa de se preocupar. Há um outro estudo feito em Itália, com dados verdadeiramente animadores para as classes mais instruídas. Neste caso, os autores compararam a evolução da aprendizagem das crianças com pais sem curso superior com as restantes. Novamente, a generalidade das crianças viu os seus resultados (neste caso, em Matemática) piorar e, mais uma vez, as que tinham pais sem curso superior ficaram mais prejudicadas. O resultado verdadeiramente animador para as classes dominantes vem a seguir: os que mais perderam com as escolas fechadas foram os melhores alunos das famílias mais desfavorecidas, ou seja, os principais candidatos a subir de elevador foram os que viram as portas fechar-se. Só podemos especular sobre a explicação, mas não é difícil: as crianças das famílias desfavorecidas com boa performance escolar eram as mais beneficiadas com a escola, eram aquelas que tinham na escola a possibilidade de ganharem o que não têm em casa — o tal ascensor social; com escolas disfuncionais, são as mais prejudicadas.
Em Itália, nos EUA e em vários outros países, estes dados existem. Governos e autoridades escolares estão eticamente obrigados a atuar e a investir nos que ficaram para trás. Em Portugal, aplicamos planos de recuperação de aprendizagem sem saber quanto se perdeu nem quem é que foi prejudicado. E, não sabendo, nem precisamos de ser hipócritas para não investir nos que mais perderam.
Já lhe tinha dito que o ensino português parece uma conjura para fazer da escola um congelador social?»
1 comentário:
Em qua partidos terão votado, nestes últimos quarenta e tal anos, as tais classes mais desfavorecidas??
Enviar um comentário