Não vou gastar muita cera com o defunto Raríssimas, a propósito do qual já aqui e aqui queimei umas velas num tom irónico - o mais apropriado a este exemplo clássico da promiscuidade entre o Estado governado por socialistas de várias tendências e a sociedade civil que é cada vez mais um apêndice do primeiro. Destaco apenas dois episódios que dispensam quaisquer outros: num orçamento marcado pelas cativações de verbas prioritárias, o governo encontrou espaço para quadruplicar este ano para 1,2 milhões os subsídios ao empreendimento de Dona Paula e o ministro Vieira da Silva dispôs-se a apadrinhar uma cerimónia em que a Raríssima foi considerada uma fundação que nunca foi.
E o que dizer à substituição do demissionário secretário de Estado da Saúde, conhecedor íntimo no sentido bíblico de Dona Paula, por mais outro membro da numerosa família socialista, Rosa Matos Zorrinho, cônjuge de Carlos Zorrinho, eurodeputado e membro influente do aparelho socialista. À nomeada ex-presidente da ARS do Alentejo foram atribuídas compras obscuras - nada de especialmente grave pelo padrões socialistas, reconheça-se. E, falando da família socialista, consulte-se aqui uma lista incompletíssima de familiares e amigos do peito que pululam no aparelho governativo costista.
Mais um exemplo recente a acrescentar à longa história da promiscuidade entre o aparelho socialista e a banca: estando o PS endividado até ao tutano (um exemplo louvável de coerência) careceu de um empréstimo para tapar os buracos mais urgentes de dois milhões concedidos pelo Novo Banco (que gere os restos do BES sobrantes da era DDT) que lhe foi concedido com uma hipoteca de 27 imóveis que cobre apenas 55% do capital.
Não conheço exemplo histórico de um país que se tenha desenvolvido à força de subsídios. No caso português, já foram recebidos dezenas de milhares de milhões de euros de Bruxelas e uma boa parte foi torrada sem ter efeitos duradouros significativos. Não fico por isso muito surpreendido quando passo os olhos por esta lista de 20.844 operações aprovadas pelo programa Portugal 2020 totalizando despesas elegíveis de 15,6 mil milhões, em média 750 mil por projecto, com 1% dos projectos representando 30% da despesa e os maiores projectos a parecerem-me bastante vagos e discutíveis. Pergunto-me: (1) quem seleccionou e aprovou estes projectos já algum dia arriscou um cêntimo para lançar uma empresa e criar postos de trabalho e faz alguma ideia da viabilidade desses projectos e do seu potencial valor acrescentado? e (2) quem apresentou e vai desenvolver estes projectos tê-lo-ia feito se em vez de suportar entre 40% a 92% do "investimento" tivesse de suportar 10%?
Não é preciso procurar para encontrar exemplos de dinheiro alheio mal aplicado. Veja-se o caso da encomenda do governo para a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa comprar por 200 milhões uma participação de 10% no Montepio, como se este valesse 2 mil milhões quando não vale nem metade, face ao BCP e ao BPI que têm uma capitalização bolsista de 3,9 e 1,7 mil milhões, respectivamente.
Portugal teve seis World Travel Awards que dão muito jeito para brunir o brasão e principalmente para promover os destinos portugueses e ajudar assim a pagar as facturas de manter a clientela eleitoral da geringonça feliz. Esses prémios devem-se principalmente a várias entidades, tais como a Natureza, os empresários de turismo e a um outro político com mais visão que promoveu o país. Destes últimos ocorre-me Adolfo Mesquita Nunes do governo PSD-CDS, que fez um bom trabalho cujos frutos ainda se estão a fazer sentir, frutos com que o governo de Costa se tenta enfeitar sem que se veja o fundamento.
No capítulo das boas notícias, enquanto não chegam as más, temos também o upgrade em dois níveis da notação da Fitch de BB+ para BBB. É positivo? Claro que é positivo, porque nos permite um financiamento mais fácil e mais barato. Não esqueçamos, porém, que isso nos conduziu no passado ao facilitismo e ao endividamento crescente com três resgates no currículo. Desta vez vai ser diferente, dirão os optimistas que costumam ser os pessimistas mal informados. Será?
Entretanto, repare-se que os países com notação BBB têm em média uma dívida pública de 41% do PIB em contraste com os nossos quase 130%. Estamos em cima de gelo fino e se este quebrar não vai ser o BBB que nos salva. Aliás, recordemos que um ano antes do resgate quando já era visível a sua inevitabilidade, mas vista por pouquíssima gente como é costume, as três agências de rating davam a Portugal notações A e AA-. E, no entanto, um ano depois... Sem esquecer que Costa achava há menos de dois anos que as agências eram «uma gente que já demonstrou não ser minimamente credível, fiável».
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Com uma rapidez relativamente inesperada, o MP está a começar a indiciar por homicídio por negligência vários actores na tragédia de Pedrógão Grande, começando pelo seu comandante de bombeiros. Dado o sistema jurídico garantístico, como se diz em juridiquês, que nos foi oferecido por gerações de juristas e legisladores, tenho as maiores dúvidas que destas investigações resultem condenações a não ser que algum dos suspeitos tivesse sido fotografado a pôr fogo num eucalipto (se for pinheiro fica logo ilibado). E tenho a certeza que os autores morais da tragédia, nomeadamente Costa e a sua MAI. serão poupados. E não deveriam porque o primeiro nomeou a segunda e a deixou a boiar e nomeou ainda mais uma dúzia de amigos incompetentes para a Protecção Civil. E não, não estou a falar do que deveria ter sido feito nos últimos 200 anos para mitigar o risco de incêndio das florestas. Estou a falar da incompetência e desorganização completas do combate aos incêndios demonstradas por este governo.
Registo aqui as declarações do ministro Santos Silva, o tal que gosta de malhar na direita, ao jornal alemão Die Zeit onde confessa não ser «fundamentalmente contra a política de austeridade, mas era preciso dar um sinal de recuperação», o que traduzido do politiquês socialista deve querer dizer: nós socialistas deixámos o país falido para a direita o recuperar e agora podemos voltar ao mais do mesmo com alguma folga.
De entre os exemplos recentes de oportunismo e mistificação que rodeiam as negociações entre as várias peças da geringonça, destaco o acordo entre o governo e o BE, para dar aos berloquistas uma bandeirinha, como lhes chamou o camarada Jerónimo, que consistiu em descer a contribuição para a segurança social dos recibos verdes de 29,6% para os 21,4% a partir de ... Janeiro de 2019.
Na semana que passou tivemos um exemplo do que podemos esperar da geringonça em matéria de reversões, agora que a lista de 2015 parece estar esgotada. A pretexto da queda da rentabilidade dos CTT e da consequente baixa das cotações, comunistas e bloquistas defendem a renacionalização da empresa por, dizem, não estar a prestar capazmente o serviço público. Em primeiro lugar, recordemos que a parte historicamente mais importante dos CTT - a distribuição de correio - está rapidamente a tornar-se obsoleta. Há cada vez menos a gente a escrever cartas e os grandes volumes produzidos por utilities, bancos, seguradoras, etc. estão a ser substituídos por documentos digitais enviados por email. Na parte que ainda resta dos grandes volumes, os CTT enfrentam uma concorrência feroz que abocanha a parte mais rentável da distribuição nos grandes centros urbanos. Mas vamos admitir que os CTT privados não estão a ser bem geridos e cumprir os padrões convencionados de serviço público. Olhemos para o que é o sector empresarial do Estado e as centenas de milhões que todos os anos lá vertem os contribuintes. Alguém acredita que uns CTT públicos, nas actuais circunstâncias em que o modelo histórico dos correios está acabado, não seriam mais uma empresa a viver com injecções de dinheiro como todas as outras?
Lê-se não se acredita. A transferência do Infarmed para o Porto, anunciada por Costa no dia seguinte a saber-se do chumbo da candidatura para sedear a European Medicines Agency, e confirmada pelo ministro da Saúde, que de seguida a desconfirmou, afinal é para ser estudada por um grupo de 27 peritos, médicos, farmacêuticos, economistas e professores universitários que durante seis meses consumirão o melhor das suas sinapses para concluírem se o Infarmed deve ou não emigrar. Não se admirem se a conclusão for deixar fica o Infarmed em Lisboa.
O episódio Infarmed é um excelente exemplo do modelo de governação costista que se baseia no princípio de que os mídia existem para limpar a folha socialista e o levarem a ele num andor e que a opinião pública não consegue focar-se por mais do que uns dias seja no que for. Assim sendo, e Costa tem razão em ambas as coisas, é apenas preciso criar um facto político de curta duração para apagar algo que correu mal. Depois logo se vê.
Entretanto, vão-se vendo os resultados das políticas socialistas. Nos 10 primeiros meses do ano, o crédito a particulares atingiu quase 12 mil milhões (mM) de euros, mais do que o total do ano passado. Desse montante 3,4 mM foram crédito ao consumo, que atingiu o máximo desde 2007, e 6,7 mM para compra de habitação, tendo os novos créditos aumentado 55%. O consumo privado cresce há 16 trimestres consecutivos e a poupança bruta continua negativa.
Sem surpresa, porque o acréscimo do consumo, agora como desde que aderimos à CEE, dirige-se maioritariamente aos bens importados, as importações continuam a aumentar (21,4% em Outubro e 14,2% este ano) acima das exportações (11,8% em Outubro e 10,8% este ano), agravando o défice comercial em 2,7 mil milhões. Já vimos isto, não é verdade?
1 comentário:
A sessão (de Vieira da Silva, ministro do Trabalho, Segurança Social e Solidariedade na Assembleia da República, a 18-12-2017) ficou marcada pela ausência de perguntas dos partidos de esquerda sobre o papel de Vieira da Silva na Raríssimas. Apenas o CDS e o PSD fizeram perguntas concretas.
Tal como noticiou o CM no domingo, Vieira da Silva, enquanto deputado, omitiu o cargo que tinha na associação Raríssimas no registo de interesses – o que é obrigatório segundo o Estatuto dos Deputados. Ontem, o ministro justificou a falha como um esquecimento.
Fonte: Correio da Manhã, 19-12-2017
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