O exemplo da cadeia causal que vai da Monica Lewinsky à operação Choque & Cagaço não é o único exemplo mediático da teoria do caos. À escala doméstica temos vários. Aqui vai um deles, investigado pelo Impertinente.
1. O estado inicial do sistema
Em 5 de Outubro de 1910 caiu a monarquia de podre. A baderna republicana que se lhe seguiu, antes de cair igualmente de podre às mãos dos militares e do Botas em 1926, teve umas veleidades sociais que incluíram em 1919 o congelamento das rendas e a inflexibilidade contratual dos arrendamentos para habitação, que se manteve por mais de 60 anos, até meio dos anos 80, resistindo ao Botas, ao Prof. Marcelo, aos governos definitivamente provisórios e aos governos provisoriamente definitivos.
Não houve consequências de maior durante décadas de inflação reduzida ou mesmo de deflação, mas a partir dos finais dos gloriosos sixties a coisa começou a derrapar quando a inflação subsequente aos choques petrolíferos desvalorizou irremediavelmente rendas que não eram actualizadas há décadas. Consequências para começar: novos arrendamentos por preços especulativos, niente de obras de conservação e parque habitacional ao nível albanês.
2. A evolução do sistema
Após o 25 de Abril, a coisa derrapou ainda mais, com as taxas de inflação tropicais. O mercado de arrendamento, que já andava pelas ruas da amargura, tornou-se quase inexistente e faleceu quando a banca capitaneada pelo Sr. Eng. Jardim Gonçalves começou a apostar fortemente no crédito imobiliário.
A partir daí, o cruzamento de interesses
- da banca (crédito à construção civil e à compra de habitação),
- dos promotores imobiliários (terrenos comprados às câmaras por grosso e vendidos a retalho aos construtores),
- dos construtores (casas de má qualidade vendidas a preços de boa qualidade),
- das câmaras municipais (venda de terrenos, licenças de construção e sisa),
- dos partidos ("contribuições" dos construtores),
- dos autarcas (generosas "luvas" dos promotores e construtores),
- dos clubes de futebol (terrenos doados, alterações aos PDMs, subsídios, etc.),
fez o resto, sem esquecer os munícipes radiantes com os polivalentes e, mais recentemente, as belas rotundas.
A alteração da lei do arrendamento veio tarde e a más horas e foi meia reforma.
3. O comportamento futuro (agora já presente)
Resultado nesta altura do campeonato: falecimento do mercado de arrendamento; degradação do parque imobiliário, construção civil como motor duma economia atrasada, uma casa de má qualidade para cada português, PDMs com fogos para 30 milhões de portugueses, endividamento médio das família superior ao rendimento disponível, endividamento do sistema financeiro privado à banca internacional, vulnerabilidade da banca portuguesa às OPAs hostis (apesar da betonagem estatutária), aparelho autárquico corrompido até à medula e uma Fátima Felgueiras no Brasil.
4. Onde está a borboleta?
No Brasil.
Será isto um bater de asas da borboleta que causa um furacão? Ou um rato que pare um montanha? Não. Isto é um furacão que cospe uma borboleta ou uma montanha que pare uma rata.
É a teoria do caos, ainda, mas revertida.
Our Self: Um blogue desalinhado, desconforme, herético e heterodoxo. Em suma, fora do baralho e (im)pertinente.
Lema: A verdade é como o azeite, precisa de um pouco de vinagre.
Pensamento em curso: «Em Portugal, a liberdade é muito difícil, sobretudo porque não temos liberais. Temos libertinos, demagogos ou ultramontanos de todas as cores, mas pessoas que compreendam a dimensão profunda da liberdade já reparei que há muito poucas.» (António Alçada Baptista, em carta a Marcelo Caetano)
The Second Coming: «The best lack all conviction, while the worst; Are full of passionate intensity» (W. B. Yeats)
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Pensamento em curso: «Em Portugal, a liberdade é muito difícil, sobretudo porque não temos liberais. Temos libertinos, demagogos ou ultramontanos de todas as cores, mas pessoas que compreendam a dimensão profunda da liberdade já reparei que há muito poucas.» (António Alçada Baptista, em carta a Marcelo Caetano)
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