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04/09/2017

Crónica da anunciada avaria irreparável da geringonça (99)

Outras avarias da geringonça.

Um evento trivial, uma "aula" de Cavaco Silva aos jovens aspirantes a apparatchiks do PSD, transformou-se no acontecimento da semana, graças aos barretes que o PS e o presidente dos Afectos enfiaram nas suas próprias monas, suscitando variados comentários incluindo o do presidente que, como M Jourdain dizia prosa sem o saber, garantiu não comentar fazendo um comentário surpreendentemente insípido.

Registe-se o reconhecimento em entrevista à Bloomberg do ministro Santos Silva - o que gosta de malhar na direita - que o seu governo apenas abandonou «the most orthodox austerity». De onde temos de concluir que o governo adoptou a nova austeridade socialista, baseada, como agora já sabemos, em perdões fiscais, cativações, cortes do investimento e engenharia orçamental.

Entre os vários resultados desta nova austeridade boa, temos o aumento do número de «utentes» à espera de cirurgia, número que no primeiro ano da geringonça atingiu 211 mil, com o tempo médio de espera mais alto desde 2011, isto é desde os tempos da austeridade má.

Os devaneios das luminárias da geringonça aos mídia da estranja devem merecer sempre uma atenção especial. A adicionar à entrevista "institucional" de Santos Silva, devemos ler com interesse a entrevista «The Portuguese Experiment» da líder bloquista Catarina Martins à New Left Review, uma revista inglesa da esquerda revolucionária intelectualizada de inspiração marxista, onde abre a sua alma e confidencia o que pensa sobre o PS, a geringonça, etc. e diz o que não costuma dizer em público - podem ler-se aqui os highlights em português.

Apertado pelos parceiros da geringonça que precisam de mostrar serviço, o governo não olha a despesas para fazer feliz a sua clientela eleitoral. Ele são 50 milhões este ano e 120 milhões no próxima para rever as pensões desde Agosto; ele são 60 milhões em 2018 para as pré-reformas dos funcionários públicos com carreiras contributivas mais longas; ele é descongelamento de carreiras que ainda ninguém sabe quanto custará. E mais virá a caminho com os 11 (onze) mil professores contratados que o BE pretende blindar com um contrato vitalício.

Rendido aos ditames do PC, o governo assiste passivamente à instrumentalização pela CGTP dos 3.600 trabalhadores da Autoeuropa na sua luta pelo controlo de uma empresa que é o terceiro maior exportador (já agora, o segundo é a Navigator, agora ameaçada pelo eucaliptofobia). Trata-se de uma briga intra-geringonça porque tudo tem a ver com a disputa entre o sindicato da CGTP comunista e a CT bloquista que teve a liderá-la durante 20 anos António Chora, possivelmente o único bloquista com juízo, que explicou ao Negócios tratar-se de «assalto ao castelo e a tentativa do PCP pressionar o Governo para algumas cedências noutros lados». Segundo o sindicato, a greve foi um sucesso: na quarta-feira não saiu um único carro da linha de montagem apesar de adesão à greve ser inferior a 50%.

Para não ficar atrás da CGTP, a UGT faz das fraquezas forças e ameaça com uma greve na função pública por causa do descongelamento das carreiras. Na verdade, está apenas a capitalizar o que quase inevitavelmente resultará da pressão de comunistas e bloquistas.

O calote continua a aumentar. Segundo a CIP (entrevista de António Saraiva ao Expresso), o governo deve 1.000 milhões de euros às empresas, dos quais 300 milhões a fornecedores de equipamentos médicos. Em Julho os pagamentos em atraso aumentaram 169 milhões de euros (relatório de execução orçamental da DGO) .

Apesar dos atavios de inovação com que o governo de Costa se enfeita, o certo é que Portugal caiu um lugar no Global Innovation Index (Cornell + Insead) de 30.º (score 46,4) para 31.º (score 46,1).

Depois de conhecido o crescimento homólogo do 2.º trimestre revisto para 2,9%, Costa anunciou urbi et orbi a convergência com a EU nos próximo dez anos. Wishfull thinking? É bem provável se olharmos para o crescimento em cadeia do 2.º trimestre (0,3%) muito inferior ao do 1.º trimestre (1%); quando observamos que as importações continuam a crescer e as exportação desceram pela primeira vez em dois anos; quando verificamos que o aumento das importações, alegadamente devido ao aumento do investimento, se deve à compra de equipamentos de transporte e constatamos os seguintes contributos da procura interna vs externa no 1.º semestre:
Jornal Eco
E, já agora, quando constatamos que o financiamento das empresas pela banca continua a descer e o que cresce é o crédito às famílias (v. diagrama seguinte).

Expresso
Poderia ser diferente? Dificilmente, dado o estado comatoso da banca portuguesa depois de 6 anos de socialismo socrático e das montanhas de dinheiro gastas pelos contribuintes (e pelos accionistas, que não constam do diagrama), como se pode ver nos diagramas seguintes:

Expresso


As vendas de automóveis vão de vento em popa tendo aumentado de quase 8% até Julho, contra uma previsão inicial de 2%.

Reforçam-se os sinais de degradação das contas externas com o 1.º semestre a apresentar pela primeira vez nos últimos 4 anos um défice de 635 milhões na balança corrente e de capital, resultante do aumento dos défice da balança comercial e da balança de rendimentos.

Ninguém deveria ficar espantado por a dívida pública ter voltado a subir 100 milhões de euros em Julho atingindo 249,2 mil milhões, apesar dos esforços do semanário de reverência para a reduzir no título da broadshit.

E a execução orçamental vai ser um sucesso? Depende do que se considera sucesso. Se falarmos do défice contabilístico, provavelmente será o que o governo poderá considerar um sucesso, apesar de os resultado do 1.º semestre não poderem transpor-se para o ano por várias razões entre as quais estas.

E agora que se aproximam as eleições autárquicas é preciso aplicar o multiplicador às boas notícias, anunciando o «alívio fiscal» que em duas horas se reduziu de 3,6 para 1,6 milhões da famílias. Quem não ficará aliviado são as 200 mil famílias «ricas» (4% do total) que suportam quase 30% do IRS arrecadado, com os seus rendimentos entre 50 e 100 mil euros por ano.

A criação de «mediadores de recuperação de empresas» arrisca-se a ser uma das medidas mais ridículas deste governo. Neste momento já existem 400 almas inscritas no IAPMEI para a evangélica missão de recuperar empresas insolventes ou a caminho. Segundo o Expresso, entre essas almas encontram-se professores universitários (juro!), funcionários públicos (juro!), engenheiros e solicitadores.

Falando de ridículo, não podemos omitir a declaração do ministro do Ambiente na comemoração do 10.º aniversário da ICAP (Internacional Carbon Action Partnership) de que Portugal quer ser carbono neutro na primeira metade do século. É uma declaração arrojada depois de se saber que até Julho, graças aos incêndios, as emissões de dióxido de carbono ultrapassam em 40% as emissões do ano passado.

Termino com uma notícia que parece má mas é boa: o indicador de confiança dos consumidores e clima económico diminuiu em Julho.

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