Sócrates e a mentira
Miguel Angel Belloso, no Diário Económico
Durante os últimos três anos tenho visitado Portugal com alguma frequência questionando-me, muitas vezes, se este é um país normal. A título de curiosidade, posso afirmar que nasci e passei toda a minha vida em Espanha, sendo que, numa altura em que o país se encontra sob a batuta de Zapatero, estou inclinado a dizer que o meu país também não é normal. Assim sendo, estamos empatados. Começando por Portugal, quero expressar que existem alguns aspectos deste rectângulo acolhedor que me incomodam ligeiramente. O primeiro é a reminiscência comunista. O segundo, a hipocrisia dominante. É um facto insólito na Europa que o principal sindicato de Portugal continue a defender a propriedade pública dos meios de produção e dos serviços, que seja reticente perante o mercado e que se comporte como um activista anti-sistema – ao ponto da CGTP ter convocado uma greve geral contra o Governo de Sócrates, que se por alguma coisa se destaca é pela falta de ambição capitalista. A minha opinião acerca dos sindicatos portugueses, espanhóis e outros em geral é muito clara: são um cancro, um dos tumores que impedem o crescimento da economia, que minam o bem-estar dos cidadãos e do progresso social. Estes vivem, fundamentalmente, da subvenção publica, possuem uma representatividade marginal – porque, pelo menos em Espanha, o número de pessoas sindicalizadas é mínimo, sendo poucos os que pagam as respectivas quotas –, e apenas se preocupam em defender o ‘statu quo’: primeiro o seu emprego, que consiste basicamente em protestar e opor-se a tudo, e depois os de quem os têm e querem conservá-los a todo o custo, numa selva laboral mais hostil que nunca. O resultado é óbvio: graves prejuízos para os jovens, estudantes, imigrantes, ou seja, para todos os grupos que não estão instalados.
Antes também já referi, arriscando a minha reputação e talvez pecando por frivolidade, que este é um país frequentemente hipócrita. Levamos quase um mês a discutir o título académico de Sócrates e as eventuais irregularidades que rodeiam a sua licenciatura, despendendo bastante mais energia do que a necessária. Portugal é um país católico. Os políticos mentem mais do que falam - como se comenta em Espanha. Mas a nossa religião já resolveu este dilema. Primeiro mente-se, depois confessamo-nos fazendo actos de contrição, e o padre absolve-nos dos nossos pecados livrando-nos da penitência; se formos perseverantes comungamos, e depois voltamos a mentir porque a natureza humana não tem remédio, gozando a política de uma insanidade muito maior. Com tudo isto pretendo dizer que em Portugal, à semelhança do que acontece em Espanha, a mentira é um pecado venial e perfeitamente corrigível - uma situação completamente diferente da que se vive no mundo anglo-saxónico.
Concluindo e resumindo, vamos deixar de perder tempo a descobrir se o senhor Sócrates é, ou não, engenheiro. Como sou espanhol consigo perceber perfeitamente o cariz jocoso do assunto. Zapatero, por exemplo, que tem a sua licenciatura em Direito perfeitamente acreditada, passou vinte anos como deputado em Madrid a carregar num botão – SIM ou NÃO. Apesar deste ‘curriculum vitae’ espectacular hoje é, infelizmente para o país, o primeiro-ministro de Espanha. Percebo perfeitamente que esta seja uma situação difícil de aceitar por todas as pessoas honestas, mas bastante melhor preparadas, que desejariam ter um timoneiro bem mais capaz. ‘But it’s life’. Em Portugal, o facto irrefutável é que Sócrates é o primeiro-ministro. Deve ser julgado pelos seus actos, deixando de lado os seus títulos académicos. Portugal tem inúmeros desafios pela frente e vai passar muito tempo, caso se dedique a vencê-los, até que voltem a conjugar-se circunstâncias tão propícias e favoráveis: um Governo de maioria absoluta, um primeiro-ministro extremamente popular, uma oposição muito frágil e um país convencido – se bem que ainda reticente e preocupado –, da necessidade de reformas. Catolicamente falando, seria um pecado capital que Sócrates incorresse na passividade, na indolência, no comodismo e no pragmatismo.
Portugal é um país muito pequeno, com uma grande história, que navega entre duas águas. Uma é a que reflecte o recente relatório de Vítor Constâncio, o Governador do Banco de Portugal, estimulando a ambição reformista, destacando as deficiências da economia e da sociedade portuguesa – no mercado laboral, na educação, na Administração Pública. No outro lado encontra-se o sindicalismo comunista rançoso, a resistência à mudança profunda de Portugal, e quem sabe se do pragmatismo calculista do socialismo de Sócrates, talvez mais dependente de governar durante os próximos quatros anos do que aproveitar os que ainda lhe restam. Seria uma pena.
Our Self: Um blogue desalinhado, desconforme, herético e heterodoxo. Em suma, fora do baralho e (im)pertinente.
Lema: A verdade é como o azeite, precisa de um pouco de vinagre.
Pensamento em curso: «Em Portugal, a liberdade é muito difícil, sobretudo porque não temos liberais. Temos libertinos, demagogos ou ultramontanos de todas as cores, mas pessoas que compreendam a dimensão profunda da liberdade já reparei que há muito poucas.» (António Alçada Baptista, em carta a Marcelo Caetano)
The Second Coming: «The best lack all conviction, while the worst; Are full of passionate intensity» (W. B. Yeats)
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Pensamento em curso: «Em Portugal, a liberdade é muito difícil, sobretudo porque não temos liberais. Temos libertinos, demagogos ou ultramontanos de todas as cores, mas pessoas que compreendam a dimensão profunda da liberdade já reparei que há muito poucas.» (António Alçada Baptista, em carta a Marcelo Caetano)
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25/04/2007
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