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13/12/2023

Mitos (333) - Lisboa no Estado Novo não era um deserto cultural

Para quem tenha sido infectado por uma década ou mais de ensino "progressista" e de formatação esquerdista da História, é difícil de imaginar que se passassem na Lisboa dos anos 50 coisas como esta descrita por Jorge Calado, cientista e melómano.  

«Hoje é inimaginável, mas o Teatro Nacional de São Carlos (TNSC) era, então, um dos melhores e mais prestigiados teatros de ópera da Europa. Certamente melhor que Madrid (praticamente sem ópera), e com melhores elencos que Paris. Apresentava, em média, 15 títulos por temporada! Wagner era cantado pelos solistas de Bayreuth, e Mozart pela elite dos cantores da Ópera Estatal de Viena. Em 1949 e 50, Tebaldi cantara cá sete papéis (Mozart, Rossini, Verdi, Gounod, Giordano). Em 1958 — o ano da Callas — tivemos a Elektra, de Christel Goltz, e a Brünnhilde (“Die Walküre”), de Birgit Nilsson, a estreia (!) do “Così fan tutte”, de Mozart, com o superlativo elenco da Ópera de Viena, “Falstaff” com Tito Gobbi e Renata Scotto (aos 24 anos), Giulietta Simionato e Luigi Alva na “Italiana in Algeri”, “Dialogues des Carmélites”, de Francis Poulenc, um ano após a estreia mundial no Scala de Milão e com a mesma encenadora (a célebre Margherita Wallmann), “Príncipe Igor” (estreia portuguesa), do químico Borodine, etc. Quanto ao parceiro da divina Callas, o desconhecido Alfredo Kraus, afirmar-se-ia como o tenor predileto da casa! (Em 1958 cantou também o Duque de Mântua e o Chevalier de la Force nos “Dialogues”.)

Excetuando Itália, Londres e Nova Iorque — onde cantou regularmente — e Grécia, México, Brasil e Argentina no início da carreira, Callas apresentou-se em óperas completas em muito poucas cidades do continente europeu. A Companhia do Scala de Milão levou-a a Berlim e Viena (com a “Lucia di Lammermoor”, dirigida por Karajan) e a Colónia (com “La sonnambula”); Paris só a viu em cena pela primeira vez, em 1964 (“Norma”), no final da carreira. A vinda a Lisboa foi um golpe de génio e sorte de José Duarte de Figueiredo, o diretor vitalício do São Carlos (por alcunha, “O Figueirinhas”).»

Excerto de «A mulher que morreu três vezes», Jorge Calado na Revista do Expresso

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