Outras avarias da geringonça.
No meio do folhetim das sanções e dos planos B, ficámos a saber o que já sabíamos: a arma principal da geringonça para adiar o descarrilamento da execução orçamental são as cativações. E o que são as cativações? O Glossário da Execução Orçamental explica: é a retenção (ou congelamento) de verbas do orçamento de despesa determinada na Lei do Orçamento do Estado. Há apenas dois pequenos problemas: (1) segundo o governo, as cativações são apenas 350 milhões euros, uma gota de água no oceano da despesa e (2) a cativação evita o pagamento, não evita a despesa e já se estão a avolumar as montanhas de facturas por pagar.
Em paralelo com as cativações, o governo está a usar uma carpintaria orçamental mais à bruta, como no caso dos reembolsos de IRS adiados sucessivamente com estórias da carochinha.
Ainda quanto a sanções, nubladas pelo denso nevoeiro da propaganda, no Eurogrupo, onde a geringonça diz contar vários aliados, só o ministro das Finanças grego se mostrou contra a aplicação das sanções et pour cause. Em matéria de nevoeiro, não esqueçamos o défice de 2015 que Costa põe em 3,2%, para fins de agiprop interno, e para Bruxelas sem medidas one-off põe em 2,8% (a este expediente o Expresso, o semanário do regime, chamou «a doutrina Costa»).
Vistos de fora, os riscos de fecho dos mercados continuam a aumentar. O economista-chefe do francês Natixis, Patrick Artus, diz que Portugal é o país em maior risco, porque o acesso ao financiamento do BCE a taxas próximas de zero pode ter os dias contados, o país não é competitivo por falta de mão-de-obra qualificada e pela baixa produtividade e os investidores desconfiam das políticas adoptadas. Também o Commerzbank alerta para a travagem do BCE à compra de dívida portuguesa o que faz Portugal ficar mais dependente dos mercados.
Não espanta, pois, que a cotação dos CDS (Credit Default Swaps, que medem o risco da dívida) a 5 anos tenha vindo a subir com este governo e alcançado a do Brasil depois da saída de Dilma (ver este diagrama no Insurgente)
Também vistos de dentro os riscos estão a aumentar. O Conselho das Finanças Públicas no seu último relatório chama a atenção para as ameaças à execução orçamental já no segundo semestre deste ano, incluindo a reposição de salários e a recapitalização da Caixa. O Núcleo de Estudos sobre a Conjuntura da Economia Portuguesa da Universidade Católica reduziu a previsão de crescimento da economia para 0,9% este ano.
Previsivelmente, para quem resume a vida à retórica, o chefe da geringonça responde a estes ameaças com conversa fiada anunciando medidas iguais a tantas outras que nas últimas décadas foram adoptadas pelos governos socialistas com os resultados conhecidos. A falta de fé dos empresários nas políticas de incentivo ao consumo, é compensada por um excesso de fé por uma parte das famílias que recomeçaram a consumir desalmadamente reduzindo a poupança outra vez em Junho, depois de no 1.º trimestre, segundo as contas nacionais do INE, ter sido negativa em 356 milhões (significando em economês dos jornais que as famílias gastaram mais do que o rendimento disponível) o que ocorre apenas pela segunda vez desde 1977. Com este impulso ao consumo espera o governo puxar pela economia... espanhola, francesa e alemã que agradecem os automóveis e os bens de consumo duradouro que lhes compramos.
Temos de reconhecer que a geringonça, que funciona mal em quase tudo, funciona magistralmente em matéria de agitprop na manipulação da opinião pública. Estão constantemente a ser lançados temas laterais para tirar o foco dos reais problemas. Um exemplo recente foi a não transferência da contribuição extraordinária cobrada ao sector energético em 2014 e 2015 para ir reduzindo o celebrado défice tarifário nascido com o governo de Guterres. Ora se é verdade que o governo PSD-CDS deveria ter transferido a verba de 2014, é igualmente verdade que o governo da geringonça que tomou posse em Novembro de 2015 teve 6 meses para transferir as verbas quer de 2014 quer de 2015. É claro que não o fez com o mesmo propósito das cativações e dos outros expedientes
Além do agitprop, o governo também tem mostrado jeito para manobrar a geringonça nos mares revoltos de Bruxelas minimizando as inevitáveis contradições com comunistas e bloquistas. Foi assim que lhes prometeu negociar o OE 2017 em paralelo e em privado com o PCP e BE e a CE passando por cima da apresentação prévia de um draft à CE.
Infelizmente para a eficácia do agitprop de Costa, existe o agitprop de Marcelo através do seu agente Marques Mendes que veio tornar público na SIC o «braço de ferro» entre o governo e o BCE sobre a capitalização da Caixa.
Não poderia terminar a crónica desta semana sem uma referência ao milagre de um dos associados da geringonça, o tele-evangelista professor doutor Louçã, que coordenou um estudo de milagreiros onde se prova que sem troika o défice seria zero. É uma espécie de milagre de Fátima só com pastorinhos da economia dos amanhãs que cantam e sem Nossa Senhora.
Our Self: Um blogue desalinhado, desconforme, herético e heterodoxo. Em suma, fora do baralho e (im)pertinente.
Lema: A verdade é como o azeite, precisa de um pouco de vinagre.
Pensamento em curso: «Em Portugal, a liberdade é muito difícil, sobretudo porque não temos liberais. Temos libertinos, demagogos ou ultramontanos de todas as cores, mas pessoas que compreendam a dimensão profunda da liberdade já reparei que há muito poucas.» (António Alçada Baptista, em carta a Marcelo Caetano)
The Second Coming: «The best lack all conviction, while the worst; Are full of passionate intensity» (W. B. Yeats)
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Pensamento em curso: «Em Portugal, a liberdade é muito difícil, sobretudo porque não temos liberais. Temos libertinos, demagogos ou ultramontanos de todas as cores, mas pessoas que compreendam a dimensão profunda da liberdade já reparei que há muito poucas.» (António Alçada Baptista, em carta a Marcelo Caetano)
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19/07/2016
Crónica da anunciada avaria irreparável da geringonça (40)
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1 comentário:
Soberbo.
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