Este exercício obsessivo de erudição vem a propósito da putativa homenagem de Woody Allen, no seu «Meia-noite em Paris», ao mundo supostamente extinto da cultura (europeia). Pura ilusão na minha opinião. Woody Allen limita-se a explorar o filão descoberto para fazer filmes ao ritmo de um por ano desde 2005 com «Match Point». Escreve um script com as suas obsessões do costume, como sempre fez, encontra uma cidade (Londres várias vezes, Barcelona ou Paris) disposta a financiar uma parte substancial da produção e filma lá as suas obsessões devidamente decoradas com a atmosfera local. O seu talento, humor e independência de espírito tornam o exercício interessante, permitindo-lhe até gozar por antecipação os seus anfitriões e co-produtores, como em «Hollywood Ending», onde uma cegueira psicossomática do protagonista realizador (ele próprio) transforma o filme dentro do filme num perfeito disparate o qual, contudo, acaba por ser um êxito devido a recepção da crítica francesa e europeia, sempre babada pelo exotismo, que considera a obra genial.
Igualmente ilusão a presumida extinção da cultura, cujo consumo actual Ferreira Alves compara com o consumo do seu círculo de relações nos anos 60. «Comíamos cinema clássico … papávamos Bergman …, e ninguém podia chegar à puberdade sem ter lido pelo menos um romance de Tolstoi, …» escreve, imaginando o Portugal essencialmente iletrado desses anos reduzido ao seu círculo de amigos. Ao contrário dessa época, hoje centenas de milhar de portugueses comem cinema, papam, lêem, etc., em resumo consomem esses produtos da cultura aos magotes, felizmente sem grandes manifestações de erudição, salvo naquelas poucas centenas de habitantes das capelas do costume.
Suspeito dever-se este estado de espírito saudosista e deprimido da Pluma em relação à cóltura à pouca atenção e aos minguados dinheiros públicos que este governo tem disponíveis para «apoiar» as artes «independentes», deixando legiões de artistas «independentes» sem um módico de subsídios, mirrando os seus inchados egos sob o sol inclemente da falta de públicos interessados na sua produção artística.
Se tivesse que fazer uma sugestão para o conforto e o alívio de Ferreira Alves, seria a de se instalar precisamente em Paris e desfrutar de l’exception française animada por um presidente preocupado com a cóltura, cuja esposa Bruni pode ser vista no «Meia-noite em Paris», interpretando uma guia de museu a ridicularizar com as palavras irónicas de Woody Allen o ridiculamente pedante Paul, protagonizado por Michael Sheen. Podemos imaginar facilmente Paul a escrever o ridiculamente erudito artigo da Pluma Caprichosa.
Como no pior pano cai a melhor nódoa, Sarkozy, o marido de Carla Bruni, também foi recentemente contaminado pelo ridículo da erudição sem causa, e é citado pelo seu biógrafo Franz-Olivier Giesbert, a discorrer sobre Lévi-Strauss, Camus, Proust, Sartre, Steinbeck, Barbey d'Aurevilly, Hegel, Balzac, Corneille, Racine, Maupassant, Chateaubriand, sem esquecer les grands hommes d’état que o precederam Napoléon, Louis XIV, Napoléon, Clemenceau, Thiers. Sendo uma lista bem mais magra do que a de Clara Ferreira Alves, ao menos sempre fica mais composta do que a lista de Cavaco Silva composta pela «Utopia» de Thomas
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