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29/06/2004

DIÁRIO DE BORDO: Cherne grelhado ou Filet de Mérou à la crème d'ail? (1)

Tenho estado tão entretido a ler as fratricidas blasfémias do Blasfémias que não tive tempo de escrever impertinências sobre o incontornável problema da sucessão do doutor Durão Barroso.

«Só há uma maneira de impedir o que parece um curso inexorável: que quem deve falar, fale. Que diga, alto e bom som, o que pensa e o que diz em privado. Que quem tem autoridade para falar, e muita gente a tem, fale» escreveu JPP no Abrupto. Muitos dos que deviam falar ficarão calados. E, dos que falarem, muitos não terão autoridade para falar. E, dos que falarem com autoridade, nenhum dirá impertinências.

Podemos olhar para o dilema do cherne de diferentes ângulos. Começo pelo que poderia ser o ponto de vista do próprio doutor Durão Barroso. Se tiver pachorra, continuarei com o ângulo institucional e o ângulo político.

Compreende-se perfeitamente que o ainda primeiro-ministro troque um desconsolado na periferia por um consolado no centro. Que troque a horda manhosa de pêessedês, sedenta de mordomias, por grupos selectos que já têm mordomias, ainda que não desdenhem aumentá-las, mas sem ânsias. Que esqueça os punhais da traição escondidos atrás de vibrantes declarações de apoio dos seus colegas de partido. Que deixe para trás a maçada de maninfestações contra a guerra, contra o desemprego, contra a globalização. Contra-contra, diria o Scolari, se fosse político. Que troque um salário merdoso de primeiro-ministro por um salário decente de presidente da CE. Que deixe de ter que responder às interpelações, comentários, pedidos de esclarecimento e outros expedientes parlamentares do tele-evangelista e dos radicais chic do BE, dos trogloditas do PCP, dos bloquistas do PS e as de outras luminárias parlamentares. Que deixe de se preocupar com os queques de direita com quem teve de se coligar. Que deixe para trás as eleições legislativas com as suas incontornáveis campanhas de peixarada, beijinhos e abraços, comícios de vendedores de banha da cobra.

É certo que terá que se ocupar a valorizar a contextualidade episódica. Mas é diferente. É outra coisa. Não é certo que tenha de se transformar num eurocrata. Um dos seus antecessores não o foi. Não é certo que Durão Barroso tenha a liderança e a visão dum Jacques Delors. Mas também não é certo que as não tenha.

Em resumo, do seu ponto de vista pessoal, compreendo perfeitamente que o doutor Durão Barroso troque o Portugal dos Pequeninos pela Órópa.

Sobra um pequeno pormenor. O doutor Durão Barroso foi eleito para governar por uma legislatura um país deixado de rastos pela incúria guterrista, num pântano de crise económica e orçamental. Anunciou intenções e iniciou tímidas reformas, cuja continuidade ele tem obrigação de perceber ficará seriamente comprometida. Não foi eleito para compor o seu currículo ou prosseguir uma carreira internacional.

O doutor Durão Barroso não deve, por isso, esperar que algum dia venha a merecer outra vez a confiança dos eleitores. Não a minha, pelo menos.

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