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08/08/2017

DIÁRIO DE BORDO: Todo o pai é filho, mas nem todo o filho é pai

«O sacrifício e a renúncia são os pilares do casamento, da família, da vida. Não há vida, isto é, não há filhos sem este ato de anulação - o ato mais difícil de explicar numa época de likes, shares e tinders. Não há vida e civilização se andarmos todos atrás da felicidade enquanto prazer imediato. Eu queria mesmo acabar o "Khadji-Murat" do Tolstoi ou passar a tarde com a minha mulher, mas o que eu tenho de fazer é trocar uma fralda, preparar uma sopa e carregar 30 quilos numa areia mole que consome cada um dos meus passos. (...) 

E é mesmo nestas alturas que um tipo descobre que passou a vida inteira a gostar burocraticamente dos pais. Eu gostava dos meus pais, apenas. Agora, sim, posso dizer que os amo. Agora, sim, depois de perceber aquilo que eles tiveram de diminuir para me criarem, já posso dizer que os amo. O amor não é um afeto ou um impulso, é uma dura confissão à saída das trincheiras. E, por falar em trincheiras, tenham um bom dia de praia.»

Foi ao ler a crónica, assim para o melodramático, mas em todo o caso suficientemente realista para me recordar os meus tempos de pai de infantes, «Praia, inferno e paraíso» de Henrique Raposo no Expresso, de onde extraí os dois parágrafos precedentes, que me ocorreu uma outra leitura também recente do artigo «In defence of the childless» da Economist.

Como o título anuncia, trata-se de defender o direito a não ter filhos, direito que segundo o articulista tem estado ameaçado por preconceitos que vão desde o papa Francisco, que disse «não ter filhos é uma escolha egoísta», a outros que criticam a falta de contribuição para «produzir os futuros trabalhadores que pagarão as suas pensões». Sem pôr em causa o direito à escolha de não ter filhos, é difícil discordar destes «preconceitos».

Para contrapor a estes «preconceitos», o articulista puxa da bazuca e argumenta que os políticos que não têm filhos não são menos capazes do que os políticos que os têm. É possível, porque encontramos exemplos óbvios nos dois sentidos como Donald Trump (cinco filhos) versus Angela Merkel (sem filhos) ou Winston Churchill (cinco filhos) versus Adolf Hitler (sem filhos). Contudo o argumento mais imbecil para louvaminhar os políticos sem filhos e, por via deles, todas as criaturas sem filhos, é que «as suas oportunidades de nepotismo são limitadas e eles poupam seus países ao espectáculo da política dinástica, que pode levar à mediocridade». Imbecil porque sendo o nepotismo o favorecimento de parentes e de amigos não é preciso ter filhos para praticar o nepotismo e tendo a maioria dos políticos filhos é natural que a maioria dos casos de nepotismo envolva políticos com filhos.

Parece-me uma linha argumentativa muito parecida com o que faz o politicamente correcto que começa por combater a discriminação de certas minorias e acaba a discriminar outras minorias ou mesmo as maiorias, pretendendo impor-lhes o pensamento único e o newspeak.

1 comentário:

Anónimo disse...

Malta inculta, a que agora escreve nos papers.
Os velhos, como eu, sabem que no mundo (e neste país) ter sete a dez filhos era habitual. Metade morria antes de chegar aos 16 anos. A outra metade servia de «segurança social» pois cuidava e sustentava os pais lá para o seu fim de vida.