Pactologia
«Recurso à conversa dos consensos para ocultar a incapacidade de se assumirem posições difíceis, em nome das quais, justamente, se foi eleito».
O professor Carrilho não se deu ao trabalho de definir «consenso» e deixou-me o encargo de o fazer também no Glossário:
Consenso
Um acordo virtual, sobre matérias que não se sabe exactamente quais são, mas sobre as quais se suspeita existirem opiniões muito diferentes, que nenhuma das partes está muito interessada em conhecer. Durante o processo de procura do consenso todos se sentem obrigados a fingir boa vontade para chegar a resultados práticos que, em definitivo, ninguém quer chegar. Há dois desfechos possíveis para o consenso: o positivo e o negativo (em rigor equivalem-se nos efeitos finais). No consenso positivo concorda-se com «grandes princípios», o que entre gente sem princípios não significa o que significa. No consenso negativo concorda-se que não se concorda, por a outra parte estar de má fé como se demonstrou durante o processo negocial (quem está de má fé é afinal o único ponto insusceptível de consenso).
Esclarecidas estas questões metodológicas, constato que o amplo consenso conseguido no Compromisso Nacional é, como não podia deixar de ser, baseado em equívocos, o menor dos quais não é o de esperar que o próximo governo seja «suportado por uma maioria inequívoca».
Os equívocos começam no diagnóstico onde predomina a tese oficial da esquerdalhada, agora convertida em tese de bloco central, de que na génese da crise portuguesa está a crise financeira e económica mundial cuja origem foi nos Estados Unidos (where else?). O facto da China, a Índia e o Brasil crescerem a dois dígitos ou quase, a África a 4 ou 5%, os Estados Unidos a 3%, a maior parte da Europa ao redor dos 2%, a OCDE a 2,9% e a economia mundial a crescer
Para usar a síntese de Carlos Abreu Amorim, «hoje, a nossa média do crescimento económico é a pior dos últimos 90 anos. Temos a maior dívida pública dos últimos 160 anos e a dívida externa mais alta dos últimos 120. O desemprego é o mais elevado dos últimos 80 anos e conhecemos a segunda maior vaga de emigração desde meados do século XIX». Como e porquê chegámos aqui? Não há responsáveis por isto? Somos todos responsáveis? [vou escrever sobre a minha responsabilidade, um dia destes]
Dirão os «pragmáticos», os diagnósticos não interessam. O que interessa são as medidas. Ah é? E as medidas não são soluções para os problemas que os diagnósticos pretendem identificar? E como se consegue o milagre de chegar a acordo quanto às soluções quando não há acordo sobre os problemas? Concretizando, se a nossa crise resulta da crise financeira criada pela ganância do capitalismo neo-liberal americano, só temos que esperar que o camarada Obama trate do assunto. Nós por cá todos bem. Vamos continuar a insuflar a ficção do Estado Sucial, a engordar o «monstro» do doutor Cavaco, a alimentar as corporações que o habitam e a abençoar a promiscuidade entre este Estado e o empresariado do regime.
Os equívocos continuam na medicina dos compromissos. Compromisso entre o presidente, o governo e os principais partidos para mais um PEC - o PEC 4.1, uma versão melhorada do rejeitado pelo parlamento que agora aprovará o que antes rejeitou. Compromisso entre os principais partidos, com a bênção presidencial, para assegurar o suporte por uma «maioria inequívoca».
Além de equívocos potencialmente nocivos, como todos os equívocos o são, estes compromissos são inúteis porque em matéria de medidas de curto prazo, isto é em matéria de PEC, o que se fará é o que o eixo Paris-Bruxelas-Frankfurt-Berlim mandar que seja feito. A curto prazo, qualquer governo fará o papel de gestão do protectorado portucalense. A diferença são as reformas a médio e longo prazo que o país precisa para sair do buraco onde o conduziu a presença asfixiante do Estado omnipresente. E nesta matéria não há compromissos – haverá alternativas, se as houver, o que também não é certo se o PSD continuar a ser um PS com outra gente e os mesmos hábitos.
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