Our Self: Um blogue desalinhado, desconforme, herético e heterodoxo. Em suma, fora do baralho e (im)pertinente.
Lema: A verdade é como o azeite, precisa de um pouco de vinagre.
Pensamento em curso: «Em Portugal, a liberdade é muito difícil, sobretudo porque não temos liberais. Temos libertinos, demagogos ou ultramontanos de todas as cores, mas pessoas que compreendam a dimensão profunda da liberdade já reparei que há muito poucas.» (António Alçada Baptista, em carta a Marcelo Caetano)
The Second Coming: «The best lack all conviction, while the worst; Are full of passionate intensity» (W. B. Yeats)

29/09/2007

CASE STUDY: a propósito de The Bourne Ultimatum

O cinema americano mainstream começou por mostrar a CIA, nas décadas de 40, 50 e 60, como uma agência patriótica que defendia os interesses dos EU por meios discutíveis, mas em geral aceitáveis nas circunstâncias. Nos finais da década de 60 e princípios da década de 70, a emergência contestatária dos baby boomers, pouco dispostos a seguir o exemplo dos seus pais e ainda menos a morreram no Vietname, foi o primeiro sinal da perda confiança dos americanos nas suas instituições. O episódio Watergate com a posterior resignação de Nixon foi o momento de viragem na opinião pública. Os meios liberais (esquerdistas pelos padrões europeus) tornaram-se especialmente cínicos a respeito do governo. A CIA, segundo esses meios, era uma organização sinistra que com eficácia aterradora organizava assassinatos, financiava e apoiava golpes de estado, mantinha no poder ditadores cruéis e corruptos, e nos intervalos fazia lavagens aos cérebros do seu pessoal e espiava e interferia na vida dos cidadãos americanos, apesar disso estar fora da sua missão.

Entretanto Hollywood, infestada pelos liberais, produzia dezenas de filmes mostrando duma forma ultra-fantasiosa essa aterradora eficácia da CIA, só contrariada pela acção de um insider (e, às vezes, de alguns outsiders) que heroicamente denunciava à imprensa, ou ao único officer impoluto sobrevivente, as maquinações ilegais de personagens funestas para protegeram as conspirações do director da CIA, do presidente ou dum seu adviser.

Muitas dessas actividades sinistras ficcionadas por Hollywood podem ser, e são, prosseguidas pela CIA, como pelas outras agências de espiões (seria oportunismo comparar a CIA com a NKVD e o seus sucessores KGB, do qual foi officer Vladimir Putin, e a SVR, manobrados por cordéis cujas pontas estão no Kremlin). O que parece ser puro domínio da ficção é essa putativa eficácia porque, em boa verdade, a CIA tem falhado em toda a linha desde a sua criação. Para citar apenas alguns dos seus falhanços mais clamorosos:
  • Em 1949 não antecipou a primeira bomba atómica soviética em 1949
  • Em 1950 não previu a invasão chinesa da Coreia do Sul
  • Foi surpreendida pelas revoltas anticomunistas na Alemanha de Leste em 1953 e na Hungria em 1956
  • O fiasco da Baía dos Porcos em 1961
  • Passaram-lhe ao lado os mísseis soviéticos para Cuba em 1962
  • O tiro no pé com o golpe de estado do partido Bath no Iraque em 1963
  • Não previu a guerra israelo-árabe de 1967
  • Foi surpreendida a invasão do Kweite em 1990
  • Não detectou nenhum dos preparativos para o atentado WTC em 2001, apesar das inúmeras pistas.
É claro que Hollywood apresentasse a CIA como uma agência essencialmente incompetente isso seria mais ridículo do que ameaçador.

Sem comentários: