Como ontem contei, o telefonema do Alf e as suas sequelas fizeram entropicar a Tese n.º 3. As castanhas, a água-pé e, last but not least, a Doutora Ana, fizeram o resto.
Esquecendo o que já foi explicado e omitindo o que não precisa explicação, resta a Doutora Ana, psicóloga pela Sorbonne, socióloga e antropóloga amadora, nas horas vagas, que são muitas, porque praticamente já não faz clínica.
Insistiu comigo e fez-me prometer que só apresentaria a tese dos públicos do Pipi depois de especular sobre a especificidade do sexo como temática. Resisti quanto pude, até sucumbir ao argumento que arruma qualquer um habituado a fazer pela vida: não se pode falar dos clientes, de marketing e de merchandising sem falar do produto.
O que tem o sexo de tão especial? Nada que não tenham outras actividades humanas, como comer, por exemplo. Aliás, comer é muito mais importante (lembra-te da pirâmide de Maslow, disse a Doutora Ana), porque sem comer, nada feito. Já que falo disso, a relação entre comida e sexo obedece a funções do tipo zingarilho – quanto mais sexo, mais comida e ao contrário, quanto mais comida, menos sexo.
Até a relação que as criaturas têm com o sexo é parecida com a que têm com a comida. Há os que muito falam e pouco comem, há os que muito comem e pouco falam, há os que não falam nem comem, enfim há de tudo - está-se a ver a abundância na natureza das funções do tipo zingarilho?
Quando olhamos a coisa pelo lado da sofisticação, também aqui encontramos paralelos. No exercício da função, há javardos em qualquer das actividades, observando-se com grande frequência que os javardos a mastigar tendem a fazer do locus coitus um chavascal. A recíproca ocorre com menos frequência, porque, sendo o comer uma actividade semi-pública, alguns dos javardos do sexo tentam manter uma certa compostura enquanto enfardam a ração. Certos teóricos defendem que, tendendo o sexo a ser cada vez mais semi-público, no limite os javardos são-no igualmente em ambos os exercícios.
Mas o que aqui nos traz não é o uso da coisa, mas discorrer sobre ela, que é o que o Pipi faz. Aqui devemos introduzir, uma vez mais, uma distinção entre falar e fazer. Para nós portugueses é uma distinção facílima, com que nos desembaraçamos no dia a dia com grande competência.
Armados com esta distinção, podemos então perceber que se pode falar da coisa com requinte e ser um javardo no exercício da coisa e vice-versa. Mas também aqui, como noutras actividades humanas, parece haver uma certa especialização entre fazer e falar. Por exemplo, os especialistas em gastronomia, que ganham a vida a contar-nos como é bom comer, são geralmente uns sujeitos sofisticados a comer e a contar, e ensinam-nos a comer (degustar, corrigiu a patroa) com requinte. Contrariamente, os sexólogos ganham a vida a tentar convencer-nos a esquecer as maneiras, perder a vergonha e ser javardo.
Mas nem sempre esta teoria dos contrários se aplica. Por exemplo, na parte executiva, os profissionais da comida (no pináculo encontramos os Chefs de Cuisine) pretendem exactamente o mesmo que os profissionais do sexo - ganhar dinheiro a fazer-nos gozar com os seus serviços. Uma pequena diferença no pináculo, que no caso do sexo talvez devessemos chamar cume, onde encontramos, ainda, mais as do que os, diferentemente dos profissionais da degustação – uma chamada de atenção aos comissários europeus e, mesmo aos eurodeputados, é um campo quase virgem, passe o paradoxo, para o combate às desigualdades sexuais.
Na parte descritiva da função vamos encontrar enormes diferenças que importa investigar. Quanto à comida estamos conversados, porque falando dos especialistas em gastronomia, está tudo falado. Importa talvez registar, para futuro aprofundamento, que os especialistas na comida não ganhariam um chavo se descrevessem as iguarias que idealizam como os Pipis descrevem as javardices que inventam.
Chegados aqui encontramos um facto prático notável: não há público para os escritores da comida javarda.
Diferentemente, nos escritores do sexo, além dos citados sexólogos, que fingem praticar ciência, encontramos autores que tratam o tema como os gastrónomos tratam os seus manjares, como também encontramos outros que tratam o sexo como os faxineiros da suinicultura tratam a lavadura servida na gamela dos bácoros.
É aqui que chegamos ao Pipi, embora importe ainda distinguir neste último grupo de autores os diferentes graus de competência a descrever a lavadura, a gamela e o chavascal. Sobre isto as opiniões dividem-se, e o Impertinente, já jurou, não mete prego nem estopa. Há quem, como a Doutora Charlotte e o Dr. Mexia. defenda que o Pipi trata disso com genialidade, há outros que põem algumas reservas, e, quem sabe?, há uma maioria envergonhada por não vislumbrar génio nenhum.
Em conclusão, a única especialidade no tratamento do tema sexo é que há um público garantido para o escritor javardo, como já todos sabíamos, ou (os mais distraídos) ficámos a saber depois do êxito do Pipi.
(Escrito sob influência duma garrafa de água-pé e meio quilo de castanhas assadas)
Our Self: Um blogue desalinhado, desconforme, herético e heterodoxo. Em suma, fora do baralho e (im)pertinente.
Lema: A verdade é como o azeite, precisa de um pouco de vinagre.
Pensamento em curso: «Em Portugal, a liberdade é muito difícil, sobretudo porque não temos liberais. Temos libertinos, demagogos ou ultramontanos de todas as cores, mas pessoas que compreendam a dimensão profunda da liberdade já reparei que há muito poucas.» (António Alçada Baptista, em carta a Marcelo Caetano)
The Second Coming: «The best lack all conviction, while the worst; Are full of passionate intensity» (W. B. Yeats)
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