Our Self: Um blogue desalinhado, desconforme, herético e heterodoxo. Em suma, fora do baralho e (im)pertinente.
Lema: A verdade é como o azeite, precisa de um pouco de vinagre.
Pensamento em curso: «Em Portugal, a liberdade é muito difícil, sobretudo porque não temos liberais. Temos libertinos, demagogos ou ultramontanos
de todas as cores, mas pessoas que compreendam a dimensão profunda da liberdade já reparei que há muito poucas.
» (António Alçada Baptista)
The Second Coming: «The best lack all conviction, while the worst; Are full of passionate intensity» (W. B. Yeats)

30/04/2018

Crónica da anunciada avaria irreparável da geringonça (133)

Outras avarias da geringonça.

Abro a crónica desta semana com um delírio de grandeza da secretária de Estado da Modernização Administrativa, Graça Fonseca, cujo maior feito até à data foi ter partilhado connosco uma informação irrelevante para a governação do país. Agora partilhou connosco outra informação, se possível ainda mais irrelevante, e disse em entrevista que «nos 5 milhões de euros do Orçamento do Estado para propostas dos cidadãos (uma construção de marketing chamada Orçamento Participativo Português) nem o ministro das Finanças pode tocar».

Em resumo, fazendo as contas aos 83 mil milhões da despesa orçamentada, temos a seguinte repartição entre governantes que podem tocar no orçamento:

Graça Fonseca 5/83.000 = 0,006% / Ronaldo das Finanças 82.995/83.000 = 99,994%

29/04/2018

O ruído do silêncio da gente honrada no PS é ensurdecedor (171) - Abafado pelo ruído do nepotismo

«Não acho que seja reprovável uma pessoa viver com dinheiro emprestado de outra. Não é por isso que as coisas estão erradas, mas penso que as pessoas só se deviam pronunciar quando os casos estivessem julgados.»
Arons de Carvalho, fundador, ex-deputado do PS, secretário de Estado de Guterres e mandatário nacional da candidatura de António Costa ao cargo de secretário-geral, em entrevista ao jornal i.

ARTIGO DEFUNTO: As teorias da conspiração como álibi para não fazer nada

Segundo as conclusões de três especialistas que publicaram no Observador o artigo «As falsas “provas” da TVI sobre o incêndio da Mata Nacional de Leiria», não tem qualquer fundamento a a reportagem “A Máfia do Pinhal” emitida no Jornal das 8 de 13 de Abril da TVI que atribui o incêndio na Mata Nacional de Leiria a uma «conspiração de madeireiros para incendiar (...) com o objetivo de obter benefício económico através da depressão do preço da madeira, induzida pelo excesso de oferta e urgência de a vender antes de se começar a degradar»


Atribuir os incêndios florestais a pirómanos ou a conspirações de madeireiros não é absolutamente nada original. Pelo contrário, é bastante popular até entre os "especialistas", pois não é verdade que o semanário de reverência citou um relatório onde se concluiu que 98% dos incêndios têm origem humana, apesar de mais de metade dos incêndios em Portugal não serem investigados?

É claro que atribuir a teorias da conspiração o que resulta de um conjunto complexo de factores causais, como a geografia, o coberto vegetal, a meteorologia e a época do ano, actuando sobre um combustível cuja acumulação pelo abandono das terras, pela incúria dos proprietários e a negligência dos governos é a principal razão da magnitude dos incêndios, nos dispensa de actuar sobre os factores controláveis (essencialmente a acumulação de combustível). Daí a razão da popularidade desta visão.

28/04/2018

Faixa de Gaza, fábrica de mártires explorada pelo Hamas

«Urged on by a Hamas leader who told them not to fear death but to welcome martyrdom, hundreds of Palestinian protesters, at least two armed with handguns, stormed the security barrier from Gaza into Israel on Friday.

Israeli troops responded with lethal force, wounding hundreds, at least several fatally

(NYT)

27/04/2018

CASE STUDY: A luso-sensibilidade à desigualdade e a luso-expectativa que o governo trate disso

O Eurobarómetro «Fairness, inequality and inter-generational mobility» permitiu comparar a percepção dos 28 países em três dimensões. Em duas delas («Justiça e igualdade de oportunidades» e «Progressão temporal») não há diferenças assinaláveis entre as percepções dos portugueses e as médias europeias. Como se pode ver nos diagramas seguintes, onde se encontra um verdadeiro abismo é na «Percepção sobre as desigualdades de rendimento» em que os resultados de Portugal mostram que os portugueses: (a) são os mais sensíveis às desigualdades (apesar de Portugal não ser o país mais desigual) e (b) os que mais esperam que o governo intervenha para as reduzir.


Não há razão para surpresa. Já por diversas vezes citei as análises de Geert Hofstede que mostram os portugueses como um dos povos mais femininos do mundo (com um baixo score na dimensão cultural masculinidade do modelo de Hofstede) e também um dos mais colectivistas (com um baixo score na dimensão cultural individualismo), de onde a extrema sensibilidade à desigualdade (corolários: direitos adquiridos e progressão automática nas carreiras independente do desempenho) e a forte expectativa que o governo trate disso (corolários: tendência esquerdizante e preferência pelo nanny state).

26/04/2018

CASE STUDY: Trumpology (31) - Give a dog a bad name and hang him

Mais trumpologia.

Não faltam motivos para criticar Donald Trump pela sua errática e desastrosa presidência, o que torna difícil perceber porque o atacam sem razão em vários casos como o da performer porno Stephanie A. Gregory Clifford, petit nom Stormy Daniels.

Numa sociedade que aceita a profusão de escolhas sexuais representadas na sigla LGBTQQIAAP (L = lesbian, G = gay, B = bisexual, T = transgender e fiquei a saber que Q = queer, Q = questioning, I = intersex, A = allies, A = asexual, P = pansexual), o que tem de condenável uma transacção comercial sexual ocorrida em 2006 entre um promotor imobiliário e a citada performer?

E se o promotor imobiliário resolveu candidatar-se à presidência, sabendo-se como os mídia americanos desenterram esqueletos e coscuvilham as cuecas dos candidatos, não é razoável que faça outra transacção com a perfomer em questão, dez anos depois da primeira, propondo-lhe através do seu advogado um acordo de confidencialidade e pagando-lhe a bonita soma de USD 130 mil?

Claro que é razoável. Irrazoável seria Trump ter pressionado e intimidado uma inocente estagiária para lhe proporcionar um fellatio gratuito na Sala Oval e, em cima disso, baseado no subtil distinguo inspirado na jurisprudência do tempo da condenação das bruxas da Salém entre coitus e fellatio tivesse negado publicamente ter tido sexo com ela («I did not have sexual relations with that woman») e tivesse sido aplaudido por uma audiência de mastronç@s que vinte anos mais tarde arvorariam com a maior falta de vergonha o hashtag metoo.

Resta acrescentar a falta de vergonha da performer Stormy que, depois de ter livremente aceite vender o seu silêncio por USD 130 mil, resolver accionar o promotor imobiliário entretanto eleito e, ainda por cima, depois de ter conseguido o título de the world’s most searched for porn star atribuído por um jornal especializado.

25/04/2018

DIÁRIO DE BORDO: Um 25 de Abril impertinente

O meu 25 de Abril foi o dia em que comecei a descobrir que as coisas não eram o que pareciam ser.

Em que comecei a descobrir que o país estava coalhado de democratas, socialistas e comunistas nunca antes vistos, nascidos nos escombros do colapso por vício próprio do edifício decadente do Estado Novo. Pouco a pouco, nos dias e meses seguintes, para minha surpresa, o coalho derramou-se pelo país numa maré do coming out, como lhe chamaríamos hoje. Em cada empregado servil, venerador, de espinha dobrada e mão estendida, havia um heróico sindicalista pronto a lutar pelos direitos dos trabalhadores e pelo «saneamento» do patrão.

Em que comecei a descobrir como tinha sido possível o marcelismo ter-se mantido de pé 6 longos anos, depois do Botas ter caído da célebre e providencial cadeira. Que nunca tinha havido uma oposição digna desse nome. Que a mole imensa do povinho lá tinha feito pela vidinha, esgueirando-se pelas frestas das fronteiras, pelas cunhas da tropa e pelas veredas das guerras do ultramar.

Em que comecei a perceber que o leitmotiv do drama não era uma ditadura suportada por uma direita retrógrada e infinitamente estúpida. Nem era uma ditadura provinciana, bafienta, decadente, de brandos costumes, que mantinha um número de presos políticos que envergonharia qualquer ditadura à séria (112, depois dum mês agitado de prisões).

Em que comecei a perceber que também não era a guerra colonial, que em 25 anos fez o equivalente ao número de mortos de 4 ou 5 anos de guerra rodoviária. Nem a guerra cujo fim foi uma humilhante fuga às responsabilidades (nem mais um só soldado para as colónias, berravam os bloquistas avant la lettre) que desencadeou em Angola, Moçambique e Timor a enorme hecatombe humana dos 20 anos seguintes.

Em que comecei a perceber que o leitmotiv do drama era a resposta à pergunta: como foi possível a uma tal ditadura manter-se quase 50 longos anos sem ter sido seriamente ameaçada?

Em que comecei a perceber que o 25 de Abril foi princípio do fim das nossas desculpas como povo. Que nada adiantaria sacudir a água do capote, e mandar a coisa para cima dos eles que escolhemos para nos desgovernarem.

E foi neste 25 de Abril que descobri que já não me restava pachorra para aturar, mais um ano, as comemorações do gang do esquerdismo senil que se julga proprietário da data.

[Este post foi publicado no trigésimo aniversário da chamada revolução dos cravos. Hoje poderia escrever o mesmo, mas não foi preciso porque já estava escrito.]

SERVIÇO PÚBLICO: Causas de que o jornalismo de causa prefere ignorar

«Mas não fazer nada de jeito, nada de relevante, nada de fundo sobre a Operação Marquês é mesmo uma opção jornalística? Deve mesmo tratar-se este caso como todos os outros ou como as questões do momento que vão e voltam? Ou, neste caso, é uma profunda e determinada opção de não jornalismo?

É mesmo uma opção editorial dedicar mais recursos e tempo a falar dos dramas do consumo do abacate ou do futuro da mobilidade urbana do que da Operação Marquês? A pergunta é demagógica e capciosa, porque qualquer jornal, site, rádio ou televisão fazem dezenas de escolhas diárias em paralelo e umas não anulam as outras. Mas a resposta não é demagógica nem capciosa: não, não deve ser opção editorial não dedicar um esforço sério a este caso. Infelizmente foi a de muitos jornalistas e redações, que se esconderam na confortável sombra de um manto que explica tanto o tempo da justiça como o silêncio tático da política.

Os jornalistas não são juízes nem políticos. Não se devem confundir com eles. Mas não podem usar as limitações ou as hesitações daqueles como argumentos para a sua confortável inação, que, no limite, redunda numa profunda incompetência ou inutilidade.»

«Isto não é não jornalismo», FacebookRicardo Costa no Expresso Diário, defendendo a reportagem da SIC sobre a Operação Marquês que desencadeou uma indignação que está mais preocupada com a violação do segredo de justiça (que aliás não teve lugar porque a acusação está feita) do que com «a divulgação da acusação mais grave da nossa democracia, que cruza a maior falência bancária do pós-25 de Abril e o colapso da jóia da coroa da bolsa portuguesa».

24/04/2018

Depois de 27 (vinte e sete) meses de execução orçamental teve uma epifania

Jornal Económico

Lost in translation (304) - O senhorio dos senhorios



«Garantimos a todos os portugueses o direito a uma habitação adequada» disse Costa durante a apresentação da contra-reforma do arrendamento para habitação.

Sabendo que nem Costa, nem o governo, nem mesmo o Estado Sucial dispõe de meios (habitações para arrendar ou oferecer ou dinheiro para pagar as rendas aos senhorios) para garantir tal coisa, não percebi o enigma e recorri mais uma vez ao nosso tradutor automático (um web bot de AI com machine learning baseada numa Neural Network com acesso a servidores de Big Data), que me sugeriu a seguinte tradução:
«Vamos obrigar os senhorios a arrendarem as habitações que nós quisermos, a quem nós quisermos, pelo preço que nós entendermos. Ou melhor, estamos a pensar fazer isso e esperamos as reacções. Depois logo se vê. Até pode ser que se esqueçam.»

23/04/2018

Títulos inspirados (75) - Mais? Não estão já os suficientes?

Ciganos querem mais ciganos na política

ci·ga·no 
(talvez do francês antigo cigainactual francês tsigane ou tzigane)
adjectivo
1. Relativo a ou próprio dos ciganospovo nómadade origem asiáticaque se espalhou pelo mundo (ex.: canto cigano). = ZÍNGARO
...
adjectivo e substantivo masculino
...
6. [Pejorativo]  Que ou quem age com astúcia para enganar ou burlar alguém. = BURLÃOIMPOSTORTRAPACEIROVELHACO


"cigano", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008- 2013, https://www.priberam.pt/dlpo/cigano [consultado em 23-04-2018].

Crónica da anunciada avaria irreparável da geringonça (132)

Outras avarias da geringonça.

Depois de ter aumentado a despesas com salários em 530 milhões em 2016 e em 400 milhões em 2017, o governo prepara-se para a aumentar mais mil milhões de euros (valor bruto) entre 2018 e 2020 à pala do «descongelamento das carreiras» um eufemismo para esconder a promoção por antiguidade e sem mérito.

Ao mesmo tempo, escreve o Negócios, o «governo assume alívio no redução dos funcionários públicos», o que é uma maneira criativa de dizer que o governo não só não cumpriu o compromisso com Bruxelas de só contratar um por cada dois funcionários que saíssem como acabou a aumentar o número de utentes da vaca marsupial pública.

Moral da estória: manter a freguesia da geringonça satisfeita não é barato.

O ruído do silêncio da gente honrada no PS é ensurdecedor (170) - De vez em quando ouve-se uma vozinha


Instrumento de corruptos e criminosos. Esta deve ser uma das poucas coisas em que concordo com La Pasionaria do PS. Regeneração? Como regenerar um partido em que os seus órgãos estão ocupados por uma maioria de corruptos e seus cúmplices, por acção ou omissão? Como regenerar um partido em que um ex-secretário-geral e actual presidente do parlamento não vê nada de reprovável no facto de um presidente do partido que empregou no Estado toda a família receba subsídios de viagem por viagens que não paga? Sem falar no governo, atestado de gente que carregou Sócrates ao colo ou, na melhor hipótese fechou os olhos.

E não me venham dizer que todos os partidos ou todos os políticos são iguais, porque não são. E, ainda que todos fossem iguais, alguns são mais iguais que os outros, como no Triunfo dos Porcos.

22/04/2018

SERVIÇO PÚBLICO: A intervenção da geringonça no arrendamento, uma espécie de Reforma Agrária do século passado

«Aquilo que está subjacente à histeria em torno da dita crise da habitação é o velho horror ao mercado. E é também o ódio de classe da oligarquia estatista a tudo e a todos que procuram obter rendimentos que não passem pelo crivo dos subsídios, dos apoios e dos programas propagandeados por juntas de freguesia, câmaras, gabinetes, institutos, linhas de apoio…

(...)

O que interessa é o potencial de controlo político que cada intervenção estatal comporta. E no caso da habitação esse potencial é enorme. Tanta declaração de rendimento para ser passada e confirmada. Tanto sociólogo a dizer “os nossos bairros” para explorar o ressentimento. Tanta mediador cultural para servir de interlocutor. Tanta empena mal impermeabilizada mas cobertinha por murais artísticos.

Esse universo anunciado de rendas sociais, rendas reguladas, rendas acessíveis e rendas condicionadas ocupa hoje o lugar que a Reforma Agrária desempenhou no século passado: a esquerda acredita que é ali que fará a sua sementeira de votos.»

Continue a ler este artigo imperdível de Helena Matos

A geringonça tem visão que Ronald Reagan caracterizou com ironia e rigor assim: «If it moves, tax it. If it keeps moving, regulate it. And if it stops moving, subsidize it

A metalúrgica do regime afunda-se com ele (10)

Actualização de (1), (2), (3), (4), (5), (6), (7) , (8) e (9)

Recordando: a Martifer, dos irmãos Martins, foi em tempos um dos exemplos de sucesso de José Sócrates e uma das meninas dos olhos do jornalismo promocional (uma variante do jornalismo de causas). Quando começou a afundar-se foi acolhida em 2007 pela Mota-Engil, a construtora mais emblemática do regime, de que foi presidente executivo Jorge Coelho que agora voltou à administração como lóbista em chefe. A Martifer teve mais 137 milhões de euros de prejuízos em 2014 e esteve desde Abril de 2015 a tentar vender 55% da Martifer Solar que contribuiu com metade dos prejuízos do grupo. Em Agosto de 2016 uma participação de 55% da Martifer Solar foi finalmente vendida à francesa Voltaliad. Nessa altura a Martifer Solar foi avaliada em de nove milhões de euros, uma fracção do que lá foi torrado.

Sem surpresa para ninguém, o principal financiador da Martifer foi o BES, à época o banco do regime, créditos que foram herdados pelo Novo Banco que entretanto já havia perdoado 26 milhões à Estia, uma imobiliária dos Martins. Entalado com os restantes muitos mais milhões, o Novo Banco pressionou a Mota-Engil (outro dos grandes devedores do Novo Banco) a tomar conta da gestão afastando os irmãos Martins. A estória está aqui relatada no Expresso num tom eufemístico e fantasista, como seria de esperar de um jornal promotor da Martifer pela pena de Nicolau Santos.

Assim continua a purga dos 6 anos do festim socrático e se consuma mais um episódio da defesa dos centros de decisão nacional.

21/04/2018

CASE STUDY: A doutrina Somoza como modo de vida (4)

A acrescentar aos múltiplos exemplos de gente que não é de esquerda e de empresários que foram constituídos arguidos, condenados e presos pela justiça brasileira, temos agora Aécio Neves, senador e ex-candidato presidencial pelo PSDB, constituído arguido na Operação Lava Jato. Aécio Neves foi incriminado com base em gravações feitas em maio de 2017 pelo empresário Joesley Batista que beneficiou do regime de delação premiada.

Alguém clamou que se tratava de um golpe da esquerda revolucionária, socialista, comunista? Alguém ouviu Aécio Neves discursar em cima de um telhado contra a justiça e a comunicação social?

Dúvidas (220) - Se metade dos incêndios não é investigada como se sabe que 98% têm origem humana?

Mais de metade dos incêndios em Portugal não são investigados

Relatório conhecido esta sexta-feira revela que 98% dos incêndios em Portugal têm origem humana...

20/04/2018

COMO VÃO DESCALÇAR A BOTA? (16) - A "competividade" e a "protividade", segundo Costa

É certo que um Costa que em 25-01-2015 nos diz "Vitória do Syriza é um sinal de mudança que dá força para seguir a mesma linha" e decorridos 3 anos nos diz em 16-04-2018 que aspira a bater o recorde europeu de redução da dívida ao mesmo tempo que em valor absoluto a tem vindo a aumentar, merece pouco crédito. Ainda assim, a capacidade de nos surpreender permanece intacta como mostram as suas declarações no jantar do 45.º aniversário do PS, junto ao Cristo Rei, um local apropriado para nos anunciar novos milagres:
«A direita dizia que para Portugal recuperar competitividade era preciso baixos salários e fragilização dos direitos laborais. A verdade é que aumentámos o salário mínimo em 2016, em 2017, este ano – e ficam já a saber que voltaremos a aumentá-lo em 2019 (Expresso)
Confrontemos o discurso de Costa sobre a recuperação da "competividade", como ele lhe chama, com a realidade baseada em dados actualizados na véspera desse discurso.

Labour productivity and unit labour costs (Eurostat)
Entre o ano anterior ao resgate e o último ano do governo PSD-CDS a produtividade (ou "protividade", segundo o costês) aumentou 1,9%. Nos dois anos do consolado de Costa a produtividade desceu 0,3% e em relação a 2010 Portugal foi o quarto país da EU28 em que a produtividade menos progrediu. Vamos ver como Costa descalça a bota quando a festa acabar, ruir o palanque das fantasias e os salários reais voltarem a cair para compensar a perda de competitividade. Os seus antecessores fugiram, um para Genebra e outro para Paris. Tentará Costa fugir para Belém desalojando o inquilino actual, outro contador de estórias?

Lost in translation (303) - Ronaldo das Finanças sobre o resgate do Montepio


Mário Centeno, o Ronaldo das Finanças aka o Vítor Gaspar do PS, disse em entrevista ao Negócios, a propósito da misericórdia da entrada das Misericórdias no capital da Associação Mutualista Montepio Geral que «se formos chamados a ajudar o Montepio temos de estar disponíveis» porque «o garante último da estabilidade financeira é o Governo, e dentro do Governo o ministro das Finanças».

Confundido com o enigmático pensamento de Centeno, recorri, uma vez mais, ao nosso tradutor automático (um web bot de AI com machine learning baseada numa Neural Network com acesso a servidores de Big Data), introduzi o seu discurso e obtive o seguinte output:
«O dinheiro destinado às obras sociais que mandámos as Misericórdias injectar na instituição controlada pelas maçonarias chamada Associação Mutualista, não chegará para a resgatar. Por isso, os contribuintes têm de estar disponíveis para lhes ser extorquido mais dinheiro para a manter a flutuar.»

19/04/2018

A mentira como política oficial (42) - "Como se finge que não se está a fazer fazendo"

«Durante quase dois anos e meio, o Governo disse uma coisa e fez outra, como se alertou várias vezes neste espaço a partir determinada altura. Reduziu o défice público e caminha para o excedente orçamental, está a conseguir controlar a dívida e tem consciência que está longe de ter o problema das contas públicas resolvido. Mais do que tudo isso, concretizou em 2017 uma política orçamental que segue as melhores práticas de política económica: contra-cíclica, como salienta o Conselho de Finanças Públicas.

Fez tudo isso à socapa, dizendo que não o estava a fazer – afinal estavam a ser repostos rendimentos com a eliminação dos cortes salariais na função pública e das pensões e o fim da sobretaxa. E como é que se concretizar uma política de redução do défice público mascarada de expansionista, como se finge que não se está a fazer fazendo? Cortando em despesa pública que não tem representantes, que não está capturada, que é de todos e não é de ninguém. Despesa pública que só se nota que faz falta a prazo. É assim que chegamos aos cortes no investimento público.

O importante, dirão os pragmáticos, é atingir os objectivos. Os meios com que se atingem esses objectivos não são relevantes. Se é preciso fingir, finge-se. Se é preciso cortar em despesa, que se corte na que não tem associações ou sindicatos que a defendam. Esta pode ter sido a táctica que conseguiu conciliar os objectivos económico-financeiros (de redução do défice e conquista da confiança na economia) com os objectivos políticos (de conquista e estabilização do poder). E deste ponto de vista António Costa e Mário Centeno foram brilhantes na frieza com que traçaram e concretizaram este caminho. Mesmo sabendo que, se corresse mal, o país pagaria um preço elevado. Mesmo sabendo que não estava a dizer toda a verdade ao seu povo. Mesmo sabendo que cortar despesa pública sem voz é desproteger os mais frágeis, os que precisam dos serviços públicos básicos. Mas tudo isso só se vê a prazo, como só a prazo um dia o povo poderá perceber os fingimentos.»

Excerto de «Temos um novo António Costa?», Helena Garrido no Observador

Acrescente-se que o sucesso desta mistificação só foi possível aproveitando a extrema infantilização do eleitorado português com a cooperação do jornalismo de causas que infesta as redacções arregimentado à volta da geringonça. E não, o importante não é apenas atingir os objectivos. O que distingue as sociedades democráticas é que nem todos os meios são legítimos.

De resto, os objectivos, isto é as metas que foram fixadas no programa de governo, não foram atingidos: a austeridade não terminou, modificou-se; o investimento público não aumentou, reduziu-se significativamente; a descapitalização da economia prosseguiu e o crescimento não foi por via da distribuição de rendimentos e do consumo, como pretendia o PS, mas por via do turismo e das exportações. E quando chegar a próxima crise - a única certeza quanto às crises é que acabarão por chegar - já não teremos os 170 mil milhões de dívida pública que tínhamos no início do resgate de 2011 mas 250 ou 300 mil milhões.