Até agora identifiquei três espécies principais de adeptos da Trumpologia: (1) os devotos com limitada capacidade de elaboração mental que acreditam em qualquer treta debitada pelo objecto da sua devoção e constituem provavelmente a maior parte dos eleitores americanos de Donald Trump e dos seus admiradores no estrangeiro; (2) os adeptos providos de capacidade média de elaboração mental, e em certos casos até acima da média, que por isso se apressam a elaborar justificações dos discursos e das acções do Sr. Trump e (3) os cínicos e realistas para quem o Sr. Trump é apenas o veículo possível para adoptar algumas políticas da sua conveniência, grupo onde podemos encontrar a maioria dos tecnogarcas e outros oportunistas que parasitam a Trumpologia.
Baseada numa espécie de credo quia absurdum, a vida para os primeiros é fácil (*) e, por razões diferentes, também é fácil para os terceiros ou pelo menos é fácil até ao ponto em que as acções do Sr. Trump atropelam os seus interesses e, mais raramente, as suas ideias.
Difícil é a vida dos segundos, nos quais podemos incluir as figuras da direita liberal ou conservadora doméstica, constantemente sobre pressão para darem o melhor dos seus intelectos para justificar com um módico de racionalidade discursos e acções contraditórias, sem lhes ocorrer que com um cinismo comparável ao dos tecnogarcas americanos poderiam invocar o princípio Amicus meus, inimicus inimici mei (Mateus 17:22-23) e dispensarem-se de contorcionismo, na melhor hipótese, ou patetice, na pior.
Poderia dar inúmeros exemplos, desde as "tarifas" que mudam todos os dias às políticas orçamentais, mas vou apenas citar os dois mais recentes relacionados com a invasão da Ucrânia: depois de ter exibido várias demonstrações de apreço e compreensão, o Sr. Trump criticou duramente o Sr. Putin pelas tretas com que ele desde sempre o vem enrolando e, menos de uma semana depois de ter sido inesperadamente suspensa a entrega de armas à Ucrânia, foi inesperadamente retomada.
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(*) A Economist identifica como «um dos superpoderes de Donald Trump (...) dizer algo em um momento, contradizer no próximo e convencer a maioria dos fiéis do MAGA de que ele nunca mudou sua posição». A meu ver, engana-se ao atribuir aos supostos superpoderes do Sr. Trump o que não passa de uma consequência da limitada capacidade de elaboração mental da maioria dos fiéis, ou, no caso da minoria, de uma impulso irreprimível de justificar essas acções contraditórias por falta de coragem de invocar o princípio bíblico.
2 comentários:
O (Im)Pertinente continua a não entender, ou melhor, a não querer entender.
As tarifas e a Ucrânia são perfeitamente secundárias para aqueles que votaram ou que simpatizam com Donald Trump. Desde logo, porque os avanços e recuos nesses capítulos são perfeitamente compreensíveis à luz da filosofia de Trump de tratar tudo na vida como se fosse um negócio.
Mas, mais importante, quem votou em Trump fê-lo porque a alternativa era uma lunática neomarxista semianalfabeta que pretendia continuar o trabalho de demolição da sociedade norte-americana iniciado por Obama e continuado por Biden. O (Im)Pertinente não parece capaz de perceber isto. Não por incapacidade intelectual, saliente-se, mas pela manifesta miopia intelectual que parece afectar quase todos aqueles que, por viverem em certas bolhas de privilégio, tendem a descurar os valores e as experiências das pessoas fora dessas bolhas.
Refiro-me, no caso concreto do (Im)Pertinente, à incapacidade de olhar para o mundo para lá da economia, e de perceber que nem toda a gente coloca a economia no topo das suas prioridades. Bem sei que isto parecerá inconcebível, talvez até completamente absurdo ao (Im)Pertinente. Mas é mesmo assim: para alguns de nós, manter o nosso país e o nosso modo de vida é MUITO mais importante do que ter a economia a crescer todos os anos. E nem sequer é garantido que Donald Trump venha mesmo a “destruir a economia dos EUA”, como vaticinam os seus críticos. Pelo contrário, continuar a importar milhões de pessoas que não se revêem nos EUA é que acabarão por destruí-los. Não há crise económica que não tenha remédio, por mais amargo que seja. Mas uma implosão seguida de substituição demográfica? Para isso, não há cura possível, é a morte garantida.
Repito (-me) : olhar para os "States" com lentes de graduação europeia provoca, no mínimo, "erros de paralaxe"...
"Other voices, other rooms", como dizia o outro...em "americano", já se vê...
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