Lost in translation (292) - Costa revê o outlook das agências de rating e ameaça baixar-lhes a notação

Numa entrevista, conduzida presumivelmente em portinhol por uma correspondente espanhola do jornal alemão Handelsblatt, que também tem uma edição em língua inglesa, António Costa faz várias considerações sobre as agências de rating e a notação atribuída à dívida portuguesa e conclui: «Vão ter de mudar esses ratings se quiserem permanecer credíveis». (fonte)

O que quereria a criatura dizer com isso que disse? Apesar de não haver razões para ter as agências de rating em grande conta, não seria de esperar ser o governo a mudar as suas políticas e a sua gestão da coisa pública para se tornar credível e as agências de rating lhe alterarem a notação?

Sabe-se lá porquê, recordei a observação de Filomena Mónica citada aqui a respeito dos cábulas. «Comecei a ensinar em 1974 a alunos que, dizendo-se trotskistas, pretendiam ter boas notas sem estudar. Por julgar que o meu papel não consistia em ajudá-los a entoar disparates, mas em estimulá-los a pensar, não cedi».

30/05/2017

ACREDITE SE QUISER: Ceteris Paribus

Segundo as estimativas de Carlos Tavares e Carlos Alves em «A banca e a economia portuguesa», se a partir de 2000 o crédito concedido pela banca «tivesse sido investido com uma eficiência igual ao seu custo (depreciação e uma taxa de juro real de 2% ao ano), o PIB seria hoje de mais quase 40 mil milhões de euros (24% acima do existente). Pobre é, muitas vezes, não tanto quem não tem dinheiro mas quem gasta mal pouco dinheiro que tem.» (Daniel Bessa no Expresso de sábado passado)

De onde podemos concluir, uma vez mais, que o principal custo da corrupção não é o dinheiro apropriado pelos corruptos e corruptores (a legião dos Oliveiras Costas, Sócrates, Salgados, e tutti quanti), tudo por junto umas dezenas de milhões. O principal custo da corrupção são as consequências das decisões de investimento (real ou imaginário) tomadas sob influência da corrupção. Aqui, sim, aplica-se o multiplicador... da corrupção - um milhão de euros de luvas para fazer um elefante branco de dezenas ou centenas de milhões, por exemplo um aeroporto que só abria, abre ou abrirá aos domingos, ou a modernização das escolas secundárias pela Parque Escolar.

É claro que a corrupção floresce na atmosfera pútrida do Estado Clientelar a que em Portugal se chama Estado Social.

DIÁRIO DE BORDO: Consequências talvez indesejadas

Desapontada com o desapego de Trump pelo artigo 5.º do tratado da NATO (*) e a pressão para que todos os sócios do clube paguem a sua parte na festa, Angela Markel disse no domingo num comício em Munique que «estão a ficar para trás os tempos em que podíamos contar com outros».

Haverá quem tenha concluído dessas palavras que a Óropa iria tomar conta de si e disfarce mal o regozijo por pensar ver-se livre do abraço do urso do outro lado do Atlântico. Quem assim pensa, deverá pensar outra vez, por várias razões que a história ilustra, para além da óbvia (Trump é apenas o 45.º presidente americano e até pode vir a ser impugnado): (1) o abraço do urso do outro lado dos Urais é muito mais sufocante; (2) numa Europa amante da paz entregue a si própria e sofrendo das fantasias do softpower a «questão alemã» voltará à agenda e (3) last but not least para quem já está empenhado, a festa não é barata,

 Artigo 5
As Partes concordam em que um ataque armado contra uma ou várias delas na Europa ou na América do Norte será considerado um ataque a todas, e, consequentemente, concordam em que, se um tal ataque armado se verificar, cada uma, no exercício do direito de legítima defesa, individual ou colectiva, reconhecido pelo artigo 51.° da Carta dias Nações Unidas, prestará assistência à Parte ou Partes assim atacadas, praticando sem demora, individualmente e de acordo com as restantes Partes, a acção que considerar necessária, inclusive o emprego da força armada, para restaurar e garantir a segurança na região do Atlântico Norte.

29/05/2017

Crónica da anunciada avaria irreparável da geringonça (85)

Outras avarias da geringonça.

«“Trata-se de uma grande vitória para Portugal”. Quem disse isto? Não, não foi este mês de Maio de 2017. A declaração é do ex-primeiro-ministro José Manuel Durão Barroso, a 28 de Abril de 2004, quando anunciou a saída de Portugal do Procedimento por Défices Excessivos (PDE) em que tinha entrado em 2002.» Recordou Helena Gameiro, a propósito do embandeiramento em arco que assaltou os prosélitos mais excitáveis da geringonça e que curiosamente, mas não estranhamente, deixou Costa a fazer exercícios de prudência.

Prosélitos que distraidamente se embeveceram com «o Ronaldo do ECOFIN» de Schaüble a propósito de Centeno, boutade que é a confirmação de que o governo socialista suportado pela geringonça está a adoptar as políticas que combateu, o que seria positivo se não fosse uma deriva absolutamente oportunista a deixar cair na primeira curva.

TIROU-ME AS PALAVRAS DA BOCA: Há elogios que são enxovalhos para quem os ouve vindos de onde vêm

Quando se tornou conhecido que o execrável Schaüble apelidou Centeno de «o Ronaldo do ECOFIN», os tambores do jornalismo de causas socialistas rufaram exaltando o momento. Dias mais tarde reincidiram e foram mais longe. Desta vez, segundo a imprensa apologética, Schaüble teria dito ser Centeno «uma estrela no Ecofin». Não perceberem que se Schaüble estivesse a falar a sério isso seria pior para a reputação de um ministro das Finanças e de um governo de um partido que fez o seu caminho a defender políticas antagónicas às de Schaüble, do que se Schaüble estivesse a gozar com Centeno.

Mas nem toda a gente estava distraída. Por exemplo, o ex-embaixador socialista Seixas da Costa que escreveu este artigo no JN, reproduzido no seu blogue e amplificado pelo eterno pastorinho da economia dos amanhãs que cantam Nicolau Santos na câmara de eco do Expresso Curto. Leia-se o primeiro parágrafo que aqui no (Im)pertinências não teríamos dificuldade em subscrever:

«Só alguma saloiíce lusitana é que acha que a “teoria económica” da Geringonça é vista com admiração nos círculos preponderantes no Eurogrupo. É claro que eles podem achar curiosos os resultados obtidos, mas ninguém os convence minimamente de que tudo não decorre de um acaso pontual. Para eles, trata-se apenas de um "desenrascanço" conjuntural, fruto de alguma acalmia dos mercados, do efeito das políticas temporalmente limitadas do BCE, do salto das exportações (que entendem nada ter a ver com a ação do governo), do surto do turismo (por azares alheios e sorte nossa, como o “milagre do sol”), bem como do "pânico" de PCP e BE em poderem ver Passos & Cia de volta, desta forma “engolindo sapos” e permitindo ao PS surpreender Bruxelas com o seu seguidismo dos ditâmes dos tratado. Ah! Eles também constatam que a política de estímulo do consumo acabou por não ser o “driver” anunciado do crescimento. E que tudo o que foi feito está muito longe das imensas reformas que eles consideram indispensáveis, nomeadamente no regime laboral e nas políticas públicas mais onerosas para o OGE (Saúde, Educação, Segurança Social, Fiscalidade), por forma a promover uma redução, significativa e sustentada, da dívida. É assim uma grande e indesculpável ingenuidade estar a dar importância à "boca" do cavalheiro alemão!»

Nem mais!

Então, porque disse Schaüble o que disse, seja lá o que for que tenha dito? Conhecendo alguma coisa da cultura alemã (trabalhei com alemães uns 15 anos) arriscaria concluir que Schaüble estaria apenas a tentar incentivar o que lhe pareceu um comportamento menos irresponsável do que ele terá receado de um governo de socialistas apoiado por comunistas e bem-pensantes do radical chic.

Mitos (254) - O terrorismo está a aumentar (II)

Este post é um complemento deste outro a propósito de um comentário de um leitor via email, do qual extraio a seguinte passagem:

«(...) ninguém diz que o terrorismo na Europa está a aumentar, isso é uma distorção por parte dos meios de comunicação, um exemplo clássico da falácia do espantalho… o que nós dizemos é que o terrorismo islâmico na Europa está a aumentar, o que é totalmente diferente!

O próprio gráfico em si, concebido propositadamente para fazer passar uma determinada narrativa, é um exemplo acabado da velha máxima de que é possível mentir às pessoas recorrendo a estatísticas.»

Não creio que o gráfico tenha o propósito de passar uma narrativa, como se pode confirmar lendo o artigo de onde foi extraído e analisando um segundo gráfico que evidencia ser o terrorismo jihadista o mais mortífero desde 2001.


Seja como for, o meu post anterior faz parte de uma longa série, iniciada aqui há 7 anos com o propósito de desmontar narrativas ou, como agora se diz, factos alternativo e pós-verdade. Tem sido, com outro nome, uma espécie de fact check que só recentemente o Observador vulgarizou em Portugal. Neste caso e em concreto, o mito que pretendi desmitificar foi, como o título indica, «o terrorismo está a aumentar» - o terrorismo em geral, entenda-se - e a este respeito os factos não deixam dúvidas. Acrescento que também se pode concluir não ser até agora o terrorismo jihadista de inspiração religiosa mais mortífero do que foi o terrorismo de inspiração nacionalista do IRA ou do Euskadi.

CAMINHO PARA A SERVIDÃO: O socialismo costista acabou com a vida para além do défice

«O plano é claro: viabilizar o regime português, não através da iniciativa dos cidadãos em Portugal, mas das transferências europeias, confiando na velha complacência de Bruxelas. Daí, a obsessão com o défice, que é a grande contrapartida exigida pela Comissão. E daí, também, que tenha desaparecido aquela vida toda que antigamente havia para além do défice.»

Excerto de «Já não há vida para além do défice» um artigo de Rui Ramos no Observador cuja leitura integral se recomenda vivamente.

26/05/2017

Pro memoria (344) - Costa e a redução da dívida da câmara de Lisboa

A narrativa

«Num debate quinzenal pontuado pela troca de argumento em torno dos méritos herdados de anteriores executivos, o primeiro-ministro lembrou a líder centrista que "em 2009 estava a reduzir em 40% a dívida herdada na câmara de Lisboa" governada por Carmona Rodrigues, actual apoiante da candidatura de Assunção Cristas à autarquia da capital.» (Negócios)

Os factos

A dívida foi reduzida à custa de
  • 286 milhões pagos em 2012 pelo governo PSD-CDS pela compra há mais de 70 anos dos terrenos do aeroporto, 20 anos antes de Costa ter nascido, e pela «compra» dos terrenos da Expo, uns 20 anos antes de Costa ter aterrado na câmara;
  • venda de 500 milhões do património municipal;
  • transferência da dívida para as empresas municipais;
  • extorsão de taxas e taxinhas aos lisboetas e empresas com sede em Lisboa que por habitante é mais de 80% superior à do Porto.
Ainda assim a dívida por habitante em Lisboa é 1.338 € (2,7 vezes a do Porto).

Ver os vários posts que o (Im)pertinências dedicou ao milagre da dívida de Costa em Lisboa, nomeadamente:
O mandato de Costa na câmara de Lisboa foi uma espécie de ensaio de soluções miraculosas e um estágio de preparação para S. Bento.

CONDIÇÃO MASCULINA: Precisamos de homens. Não precisamos de criaturas efeminadas com pénis (3)

Este post pode ser considerado uma sequela deste e deste.

«De acordo com as palavras do Chefe do Estado-Maior do Exército, são os fins-de-semana em casa, e não as exigências físicas e psicológicas do treino, que estão a provocar o grande número de desistências do curso deste ano, fazendo com que dos 57 militares iniciais restem neste momento apenas 17. Estamos por isso a falar de homens de barba rija, capazes de sobreviver uma semana no mato apenas com uma fita na cabeça e um corta-unhas, mas que não conseguem superar a prova da mamã aos Domingos à noite. (...)

A expressão (“MAMA SUME!”), adoptada pela unidade a partir do grito de uma tribo africana, significa qualquer coisa como “aqui estamos, prontos para o sacrifício”. Acredito profundamente no poder motivacional deste lema, e desconfio até que seja depois de o ouvirem que muitos mancebos se sentem com vontade de ingressar no quartel da Carregueira. E não é por alguns o interpretarem erradamente como “MAMÃ, SUMO!” que vou mudar de opinião.»

Lido no Blasfémias

24/05/2017

Centeno foi «além da troika». Volta Schäuble, estás perdoado

Schaüble chama a Centeno "o Ronaldo do ECOFIN"

(Fonte: o diário da manhã DN)

«O Ronaldo do ECOFIN» é como quem diz o Centeno a ir além da troika é o Cristiano a marcar golos? Alguém se lembra dos tempos em que Wolfgang Schäuble, o ministro das Finanças alemão, era diabolizado como um neoliberal empedernido? Alguém se lembra dos tempos em que a obsessão do défice era uma infâmia antipatriótica?

Criminosos a quem emprestaram um pretexto

Manchester suicide bomber moved from gangs to radical Islam

Salman Abedi, a student at University of Salford, was born in UK to Libyan parents

(Financial Times)

Muitos dos soldados do Islão fundamentalista são meros criminosos, potenciais ou de facto, alguns deles recrutados nas prisões, reciclados por ideólogos fanáticos que lhes emprestaram uma causa, isto é um pretexto para exercerem a violência arbitrária sob a forma de terrorismo.

O ruído do silêncio da gente honrada no PS é ensurdecedor (151) - Ética republicana


Nomeações recentes de apparatchiks socialistas com currículos notáveis:
  • Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais - Ricardo Rodrigues, advogado e ex-vice presidente do grupo parlamentar socialista, que há 7 anos "tomou posse" por "acção directa" de dois gravadores de jornalistas da revista Sábado e com eles abandonou a entrevista por o estarem a questionar sobre o "caso de pedofilia" (CM e Expresso); 
  • Conselho de Fiscalização do Sistema Integrado de Informação Criminal - António Gameiro, deputado e presidente da distrital de Santarém do PS, condenado pelo tribunal (decisão confirmado pela Relação) a restituir 45.000 euros que reteve de uma venda em que foi procurador de uma cliente. (O Ribatejo)
(Lido aqui)

23/05/2017

Crónica da anunciada avaria irreparável da geringonça (84)

Outras avarias da geringonça.

Até um dos mais contumazes adeptos da geringonça concedeu que o tão celebrado crescimento da economia de 2,8% no 1.º trimestre ficou a dever-se às exportações e ao investimento e não à receita da Mouse School of Economics que faria o crescimento brotar do consumo resultante do aumento do rendimento pelas políticas de reversão. Também é prudente lembrar que a última vez que a economia cresceu num trimestre 2,8% foi em 2007, era governo o animal feroz, e nos trimestre seguintes a coisa foi minguando, voltou a crescer quase a esse nível em 2010 um pouco antes da bancarrota no 2.º trimestre de 2011.

Ainda que o investimento tenha tipo um papel no crescimento do 1.º trimestre devemos saber que, segundo dados do Eurostat (citados aqui), o investimento total em 2016 em Portugal foi o mais baixo da UE com excepção da Grécia e em 20 anos caiu mais de 10% em percentagem do PIB, tendo sido o quarto com maior descida. Não deveria surpreender ninguém que o mais elevado índice de investimento em 2016 seja o da Irlanda onde o investimento nos últimos 20 anos foi o segundo que mais cresceu.

22/05/2017

Um governo à deriva (32) - Crescimento apesar de... ou... aconteceu

Como que uma continuação daqui.

Dizendo mais ou menos a mesma coisa por menos palavras, a propósito do tão festejado crescimento de 2,8% no primeiro trimestre, João Salgueiro: «não se fez nada para isso. Aconteceu».

Para ler mais palavras, vá à entrevista do Negócios.

Mitos (253) - A banca está bem e recomenda-se

«Se olharmos para os cinco maiores bancos do sistema financeiro português (CGD, BCP, Novo Banco, BPI e Santander) constatamos que se perderam quase 22,5 mil milhões de activos durante 2016. Isto em si não seria mau se a economia não acabasse subfinanciada, não se perdendo investimento. Porém, foi mesmo isto que sucedeu, pois esta redução foi em parte feita à custa de uma queda do crédito concedido (o qual registou uma quebra colectiva de 13 mil milhões de euros) e teve um impacto negativo no investimento. Por outro lado, perderam-se 11 mil milhões de depósitos! 

Se, por um lado, o total dos activos desceu, seria de esperar um menor volume de imparidades. Porém, ao invés, assistimos a um crescimento destas imparidades em 3300 milhões de euros, ficando o ano de 2016 registado como o ano em que se registaram mais 6000 milhões de euros de novas imparidades! Se os resultados de 2015 foram colectivamente maus (-330 milhões de euros), os de 2016 foram piores (-1910 milhões) embora particularmente por causa da CGD, que este ano apresentou um resultado negativo de -1860 milhões de euros. 

Por fim, há que não esquecer: 1) a necessidade da CGD fechar o seu financiamento de 500 milhões através de dívida júnior emitida no mercado internacional; 2) a litigância em torno do Novo Banco quer pela reclassificação da senioridade da dívida e que foi transferida para o BES quer pelas providências cautelares levantadas à venda do Novo Banco; e 3) o desfecho do processo do Montepio

De um artigo do professor João Duque, um economista impertinente, publicado (por engano?) faz algum tempo no Expresso

21/05/2017

ESTADO DE SÍTIO: Roçar-se pela fama

«A pressa em roçar-se pela fama de um pobre cantor indefeso e desarmado mostra bem quem é esta gentinha da política, que Portugal inteiro despreza. Por um voto e um pouco de presuntiva simpatia, roubada ao próximo, vende unanimemente a sua dignidade e a dignidade das suas funções. O carácter, para ela, não passa de uma ficção. Agora sabemos quem nos governa.»

Eles e Nós, Vasco Pulido Valente no Observador

A propósito do agora sabemos (sabemos há muito), recordo o lema de estimação do (Im)pertinências: «Os cidadãos deste país não devem ter memória curta e deixar branquear as responsabilidades destas elites merdosas que nos têm desgovernado e pretendem ressuscitar purificadas das suas asneiras, incompetências e cobardias.»

ACREDITE SE QUISER: Portugal está na moda e Lisboa é cool

A OZY é uma revista lançada há quatro anos, online, de largo espectro que vai desde as notícias vulgares, contadas de forma invulgar, sobre política, negócios, desporto, passando pela cultura, seja lá o que isso for.

Até há pouco tempo a OZI desconhecia praticamente a existência de um país chamado Portugal. Praticamente, mas não totalmente. O nosso Cristiano Ronaldo já tinha sido objecto das atenções da OZI graças ao seu «twisted, goofy bust» da autoria do escultor Emmanuel Santos. Ronaldo, uma vedeta internacional mais conhecida por enquanto do que o presidente Marcelo, não conta para o efeito. Nem o escultor que passou também a vedeta por ter desvalorizado a polémica sobre o busto com «Nem Jesus agrada a toda a gente», o que é inteiramente verdade e quem duvida pergunte a um muçulmano.

Com o governo Costa, a geringonça e sobretudo o presidente Marcelo, Portugal ficou na moda. O papa Francisco veio a Fátima, o Salvador ganhou a Eurovisão - até então um festival ridículo sempre ganho por canções foleiras e onde as nossas belas canções eram sistematicamente desprezadas - e a OZI publicou numa única semana dois artigos sobre Portugal. Ou, mais precisamente, dois artigos sobre Lisboa, uma cidade presidida pelo sucessor de Costa (sempre ele) e habitada oficialmente pelo presidente Marcelo, em Belém, pátria dos famosos pastéis.

No primeiro desses artigos (IS LISBON'S HOTTEST HANGOUT THE FUTURE OF THE OFFICE?) a OZI fala-nos sobre o Mercado da Ribeira, ou mais precisamente sobre «the first international outpost of London workspace provider Second Home» que lá podemos encontrar. No segundo artigo (INSTAGRAM TRAVEL GUIDE TO … LISBON) a OZI descreve-nos «their favorite little-known spots to eat, drink, shop and sight-see».

20/05/2017

Encalhados numa ruga do contínuo espaço-tempo (76) - He’s hopeless (III)

Continuação de (I) e (II) e daqui.

Backward, comrades!
O manifesto eleitoral do Partido Trabalhista tem tudo aquilo que se pode esperar de um manifesto eleitoral de uma sopa de radicais, desde os órfãos dos diversos marxismos até simplesmente lunáticos. Lá encontramos a dose habitual de nacionalizações dos caminhos de ferro, dos correios, da energia, do abastecimento de água, aumentos dos impostos de quase 50 mil milhões de libras (1/3 do PIB português), nomeadamente sobre as empresas, abolição das propinas das universidades, aumento da despesa pública em saúde e educação, e o incontornável aumento dos salários dos funcionários públicos - uma parte importante da sua clientela eleitoral - e até a adopção de um salário máximo correspondente a 20 vezes o salário mínimo.

O resultado praticamente certo é o naufrágio eleitoral do Partido Trabalhista, com grande gáudio de Theresa May que pode vir a ter a maior maioria das últimas décadas, o que a acontecer mostra o juízo e maturidade do eleitorado. Um resultado provável é a secessão do Partido Trabalhista com muitos deputados e outros militantes a criarem um novo partido ou a juntarem-se aos liberais-democratas.

ARTIGO DEFUNTO: Os dois regimes noticiosos

«Na última meia dúzia de anos, os portugueses passaram por dois regimes noticiosos: entre 2011 e 2015, não podia haver boas notícias; desde 2015, não pode haver más notícias.»

Rui Ramos no Observador

19/05/2017

¿Por qué no te callas? (19) - Le couronnement de sa carrière


«Em Portugal as coisas estão a melhorar. Muito, muito rapidamente e muito bem. Os últimos números mostram uma taxa de crescimento de 2,8. E penso que no final do ano será de cerca de 3,2, o que é uma grande surpresa. O défice está a descer 1,4 %, o que é muito, muito, muito bom. O investimento está aumentar, a exportação está a aumentar».

Marcelo Rebelo de Sousa lendo a bola de cristal à sua homóloga da Croácia, a charmosa Kolinda Grabar-Kitarović.

CASE STUDY: Trumpologia (18) - Factos alternativos

Mais trumpologia.

A administração Trump (se é que se pode chamar administração ao caos do governo americano gerido pelo tweeter de Trump) baniu a entrada nos Estados Unidos de nacionais de seis países maioritariamente muçulmanos com o alegado propósito de proteger o país do terrorismo. Vários tribunais americanos já se pronunciaram contra a ordem executiva de Trump por o presidente não ter esses poderes e/ou por considerarem que a ordem se fundamenta numa atitude discriminatória e, por isso ilegal, contra o islamismo.

The Economist
Se a ilegalidade por uma ou outra razão é matéria de opinião, a eficácia da ordem executiva para prevenir o terrorismo, considerando os dados do seu historial, é matéria de estatística.  Basta olhar para o diagrama anterior para se perceber que a decisão de Trump se baseia, uma vez mais, em factos alternativos e na recusa esquizofrénica da realidade, um traço que, reconheça-se, o Donald partilha com a secção mais assanhada da esquerdalhada que o vilipendia.

18/05/2017

Lost in translation (291) - «Política pura» escreveu ele

Confesso que provavelmente não teria lido este artigo do ministro dos Negócios Estrangeiros Santos «Gosto de Malhar na Direita» Silva no Público, a propósito do jovem Salvador e da sua «Amar por dois», se não fosse o Expresso Curto lhe ter feito uma referência: «Bizarro? Não, meus caros, chama-se política pura (ou de como surfar mais uma onda de notícias positivas…)»

Fiquei esclarecido. «Política pura» para o Expresso é uma prosa gongórica e auto-encomiástica de apropriação pelo governo socialista de realizações de portugueses.

¿Por qué no te callas? (18) - Oliveira da Figueira em Belém


Fazendo um número que em tempos Sócrates como primeiro-ministro se atribui tentando vender Obrigações do Tesouro ao governo brasileiro, o presidente dos Afectos propõe-se vender dívida ao mundo árabe. Se o número de Sócrates ainda se pode considerar, com boa-vontade, no perímetro do seu papel executivo, o número de Marcelo deve considerar-se como uma representação serôdia do papel de Oliveira da Figueira?

17/05/2017

LASCIATE OGNI SPERANZA VOI CH'ENTRATE: O fim do estado social (7)

[Continuação de (1), (2), (3), (4), (5) e (6), uma série longamente interrompida e agora retomada]

O sistema de segurança social americano, ao contrário do português, financiado com as receitas correntes, é financiado por fundos de pensões que os estados e as cidades americanas constituem para pagar as pensões futuras. O défice global de financiamento desses fundos foi estimado recentemente (fonte FT) em $ 3,85 biliões (3.850.0000.000.000). Só o ano passado o buraco de financiamento aumentou mais de 400 mil milhões (mais do dobro do PIB português). A taxa média prevista de rendimento dos fundos é 7,5%, um valor virtualmente inatingível - no último ano disponível foi de 2,9%.

Ainda assim, apesar do enorme buraco dos fundos públicos, o valor global dos fundos de pensões públicos e privados americanos andará por um valor astronómico de $ 14 biliões ou 80% do PIB (Fonte OCDE)

E  nós por cá? O saldo do Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS), a coisa mais parecida com um fundo de pensões, anda pelos 15 mil milhões de euros (uns 8% do PIB), escassamente suficiente para pagar um ano de pensões. Se lhe adicionarmos os fundos de pensões privados atinge-se uns 18 mil milhões de euros ou 10% do PIB (Fonte OCDE).

E qual seria o valor de um fundo de pensões para cobrir as responsabilidades da segurança social portuguesa? Ninguém sabe. Numas contas de merceeiro de há uns anos estimei a coisa em 4 a 5 vezes o PIB, pelo que, se fosse assim e provavelmente será mais, o saldo da FEFSS será de 1% do valor actual das responsabilidades com serviços passados dos activos e das responsabilidades com pensões dos reformados da CGA e do regime geral.

A esta luz, os funcionários públicos e municipais americanos estão no paraíso.

Costa fez crescer a economia, ganhou a Eurovisão e, já agora, o tetra

«Costa é suficientemente honesto para admitir que não cantou na Ucrânia. Mas no caso da economia, insistirá em que o mérito é seu: foi a sua “reposição de rendimentos”, como ensinou ontem, que operou o milagre. Muito bem. Sabem quando é que ocorreu a maior taxa de crescimento antes do trimestre passado? Exacto: em 2010, na véspera da bancarrota, depois de José Sócrates ter reposto rendimentos no ano eleitoral de 2009.  (...)

Há um elemento comum nestas duas partes da ilusão: o desaparecimento dos antecedentes, a eliminação da causalidade. Entre 2011 e 2015, desapareceu o governo socrático, que endividou o país e chamou a troika. Desde 2015, desapareceu Passos Coelho, que, quase sozinho, conseguiu renegociar as condições do ajustamento e executá-lo. Na primeira parte da ilusão, Sócrates foi encoberto para concentrar todas as culpas em Passos Coelho; na segunda parte, é Passos quem desaparece, para que António Costa recolha todas as palmas.

Mas em que consiste então a ilusão? A ilusão é a ideia de que a prosperidade depende totalmente do poder do Estado, que a riqueza é uma torneira que os governos abrem e fecham quando lhes apetece. Se Portugal não teve festa em 2012, foi porque Passos não quis. Se Portugal faz festa em 2017, é porque Costa quer. E portanto, não temos de nos preocupar com quem nos tenta convencer a melhorar as condições para o investimento e o trabalho em Portugal. A única coisa de que precisamos é de primeiros-ministros que distribuam dinheiro.»

«Não foi António Costa quem ganhou a Eurovisão?», Rui Ramos no Observador

16/05/2017

Um governo à deriva (31) - Crescimento apesar de

O INE divulgou ontem que o PIB cresceu 2,8% no 1.º trimestre, em termos homólogos. Os tambores da geringonça rufaram e os mídia fizeram-se eco de celebrações entusiásticas. Por exemplo: «Economia cresce ao ritmo mais rápido em dez anos». É caso para tantas celebrações? Sendo estas um tanto exageradas, não se pode dizer que não existem razões para celebrar, mas não pelas razões que a geringonça celebra.

Em primeiro lugar, convém temperar a excitação, visto o crescimento do 1.º trimestre deste ano comparar com o crescimento de 1,0% do 1.º trimestre de 2016 que tinha caído de 1,4% no trimestre anterior,

Em segundo lugar, porque, segundo o INE, este crescimento foi o resultado do «maior contributo da procura externa líquida, que passou de negativo para positivo, reflectindo a aceleração em volume mais acentuada das Exportações de Bens e Serviços que a das Importações de Bens e Serviços.» (Destaque de 15 de Maio) Não consta que alguma das medidas tomadas pelo governo tenha tido influência nestas variáveis.

Terceiro, porque estes resultados não são consequência da estratégia que o governo definiu nem no Documento dos 12 Sábios (releiam-se os posts de análise de «Uma década para Portugal»), nem no Programa de Governo, nem de medidas tomadas por este governo. Aliás, nenhuma medida poderia ter estes efeitos poucos meses de ser tomada, pelo que se esses efeitos resultam de medidas governamentais teriam muito mais a ver com o governo anterior do que com este.

Invoco a autoridade mais insuspeita a este respeito disponível no mercado das opiniões: a do pastorinho da economia dos amanhãs que cantam favorito do (Im)pertinências. Nicolau Santos, sempre pronto a exaltar os feitos dos governos socialistas, escreveu ontem no Expresso Diário:
«A economia terá crescido no primeiro trimestre deste ano mais de 2,4%, o valor mais elevado desde há sete anos. Pecado: foi à boleia das exportações e do investimento, uma “estratégia de crescimento correta”, embora “contrária" à que o Governo defendia, que era crescer na base do consumo”. Realmente, é um aborrecimento.»
Pois é. Dito de outra forma, a economia cresce (vamos ver por quanto tempo) apesar do governo.

ACREDITE SE QUISER: Um talaq, dois talaq, três talaq e estás despedida querida

O triplo talaq (palavra árabe derivada de ṭalaqa "repudiar") é uma prática antiga de divórcio do islamismo indiano, abandonada em outros países e actualmente a ser discutida no Supremo Tribunal da Índia, apesar de os clérigos muçulmanos considerarem ser uma tradição religiosa islâmica que não pode ser modificada ou proibida por leis seculares.

A coisa consiste na faculdade de os homens, perdão, os seres humanos do sexo, perdão, do género masculino, poderem divorciar-se dos seus cônjuges mulheres, perdão, seres humanos do sexo, perdão, do género feminino, dizendo três vezes talaq sem mais delongas ou justificações.

Ao que parece, nos tempos modernos muitos casamentos terminam com um simples telefonema, um SMS ou para os mais actualizados uma mensagem WhatsApp. Resultado: o número de divorciadas é quatro vezes superior ao de divorciados, o que aliás não me parece surpreendente já que cada homem, perdão, cada ser humano do sexo, perdão, do género masculino, pode casar-se com até quatro mulheres, perdão, seres humanos do sexo, perdão, do género feminino.

15/05/2017

Crónica da anunciada avaria irreparável da geringonça (83)

Outras avarias da geringonça.

Vinte anos depois de o governo socialista de Guterres ter garantido que a segurança social seria sustentável nos 50 anos seguintes, Vieira da Silva, o ministro socialista do Trabalho, diz que acredita que a coisa se aguenta nos próximos 13 anos. Pelo caminho ficaram 17 anos. Por estas e por outras, não fosse a reconhecida memória curta do eleitorado, a classe política em geral e a dos apparatchiks socialistas em particular estaria completamente desacreditada. Pelo sim, pelo não, Vieira da Silva admite novas formas de financiamento, que é como quem diz  se não houver mais milagres sempre podemos aumentar a carga fiscal.

BREIQUINGUE NIUZ: Merkel mais perto, Schulz mais longe

Uma espécie de continuação daqui.

«O partido da chanceler Angela Merkel teve 34,4% dos votos enquanto o SPD se ficou pelos 30,6%. Nas eleições de 2012, o SPD tivera 39,1% e a CDU 26,3%. A derrota na Renânia do Norte-Vestefália é a terceira consecutiva dos sociais-democratas em eleições regionais desde março e assume especial significativo pois o partido governou sempre a região nos últimos 50 anos, à exceção de um breve período entre 2005 e 2010. Além disso, o seu atual líder e candidato a chanceler nas legislativas de setembro, Martin Schulz é natural deste land.» (DN)

Não são boas notícias para os Costas deste mundo e as suas fantasias de mutualização da dívida. Esta em particular, dada o peso da Renânia do Norte-Vestefália, é uma péssima notícia para quem espera extorquir mais dinheiro aos contribuintes alemães.

O ruído do silêncio da gente honrada no PS é ensurdecedor (150) – O cúmulo da perversão

«As sociedades comerciais são detidas pelos seus acionistas. Dispõem delas. Apropriam os lucros que geram. Devem fazê-lo, no entanto, no respeito por um quadro legal e regulamentar e por princípios (integridade do património; prudência) ditados pela necessidade de proteger interesses de terceiros: credores, trabalhadores, acionistas minoritários (quando é o caso), o próprio interesse público. 

No que se refere aos lucros, a aprovação das contas cabe aos acionistas mas não são os acionistas qμem faz as contas. Estas têm de ser previamente aprovadas pelo Conselho de Administração, pelo Conselho Fiscal, pelo Revisor Oficial de Contas e, antes de todos estes, pelo Departamento Interno de Contabilidade e pelos Auditores Externos. No respeito por regras, e por princípios. 

O Estado português, representado pelo Governo, é o acionista do Banco de Portugal. Necessita dos lucros deste, para financiar as suas despesas. Também emitiu dívida, que o Banco de Portugal foi obrigado . a comprar - sobre a qual deve constituir provisões, de acordo com os já referidos princípios e regras gerais. Que o Estado português pretenda, agora, decidir sobre as provisões que o Banco de Portugal constitui sobre a sua própria dívida para, diminuindo-as, obrigar o Banco a declarar lucros que não tem, para lhe pagar mais dividendos, para poder gastar mais, parece-me o cúmulo da perversão. O conflito de interesses não poderia ser maior, de todos os pontos de vista.»

«Os lucros do Banco de Portugal», Daniel Bessa (um ex-ministro da Economia de Guterres que não ficou silencioso) no Expresso

14/05/2017

ESTADO DE SÍTIO: Habituem-se (8)

Outros Habituem-se

Ontem foi um dia especial para o par geringonça-presidente dos afectos que nos desgoverna. O papa Francisco andou por Fátima e canonizou Francisco e Jacinta, os lampiões foram tetracampeões e Salvador Sobral venceu o concurso da Eurovisão com a sua cançoneta, pela primeira vez depois de umas 50 tentativas (várias delas com canções de melhor qualidade do que esta).

O que tem isto a ver com a esperança de vida da geringonça? Tem tudo a ver. Repare-se como Costa e Marcelo andaram agarrados à sotaina de Francisco, repare-se como Costa foi a correr à Luz para ficar na fotografia do tetra. Não se colaram ao Salvador (o Sobral, não o Jesus) porque o rapaz estava em Kiev a 6 horas de voo, mas mandaram mensagens e lá iremos ter o número incontornável das medalhas.

É claro que todos sabemos que com poucas excepções os políticos portugueses tentam grudar-se às figuras populares como vampiros a sugar a sua celebridade, a maioria das vezes fugaz. Porém, Costa e Marcelo são especialmente vorazes e estão aproveitar uma fase em que a depressão dos portugueses bipolares (quase todos) nos anos 2011-2014 está a ser substituída por um estado de euforia a propósito seja do que for: dos recordes de Ronaldo, do turismo e do «Portugal está na moda», uma espécie de restyling que do «bom aluno» e do «homem novo» dos tempos de Cavaco Silva, e até do «défice mais baixo» desde Dona Maria II com que se tem enfeitado o maior crítico da imaginada obsessão pelos défices - António Costa, lui-même.

Podemos, pois, concluir que a coisa se está a pôr de feição para perpetuar a geringonça em S. Bento e o presidente dos Afectos nos picos da popularidade? Nem tanto, e nem falo da maldita realidade - o «diabo» de Passos Coelho chegar sem ser convidado - que regularmente vem acabar com a festa. Há imensos espectadores na sala que não parecem convencidos com a qualidade do show. Vejam-se os resultados das sondagens. Como explicar que após quatro anos de aperto do cinto, seguidos de 18 meses de reversões, distribuições, boas notícias a toda a hora, promessas, uma boa imprensa, défices aparentemente miraculosos, crescimento medíocre, mas tão exaltado que parece a Irlanda, etc., com uma oposição ainda aturdida pelo truque de prestidigitação de Costa e a lamber as feridas, as intenções de voto do PS não cheguem a 40%?

Ressabiados do regime (20) - Também me custa a acreditar

Entrevista do SOL a Costa em  22-08-2015
«Por vezes, quando ouço os comentários de Manuela Ferreira Leite na TVI24 e leio os seus artigos no Expresso, custa-me a acreditar que se trate da mesma pessoa que em 2009 tentou impedir José Sócrates de empurrar o país para a bancarrota, com grande insucesso: ela obteve uma derrota estrondosa nessas eleições (o PSD ficou abaixo dos 30%) e Sócrates pôde continuar a dirigir alegremente Portugal em direcção ao abismo. O tempo, claro, haveria de lhe dar razão, em particular nos alertas recorrentes de que os investimentos previstos em obras públicas eram lunáticos. “Não há dinheiro para nada”, dizia Ferreira Leite perante a incompreensão geral, e debaixo de acusações de “negativismo”.»

Continue a ler «A padeira de Aljubarrota das finanças públicas», João Miguel Tavares no Público

Também me custa a acreditar mas compreendo. Como aqui escrevi, uma das consequências positivas da liderança de Passos Coelho foi o contributo possivelmente involuntário para a clivagem entre uma visão socializante, que abrange com diversas nuances desde o Bloco de Esquerda até ao CDS, passando pelo PS e pelo PSD, e uma visão liberalizante (em rigor, deveria escrever menos socializante) que inclui parte do PSD e algumas pessoas do PS e do CDS. Desfaz-se assim parte dos equívocos e da opacidade doutrinária e fica claríssimo que Freitas do Amaral, Basílio Horta, Adriano Moreira, entre outros do CDS, por um lado, Manuela Ferreira Leite, António Capucho, e, à sua maneira narcisista, Marcelo Rebelo de Sousa, entre muitos outros, são compagnons de route do socialismo.

13/05/2017

Porque está a nossa esquerda, pela pena do jornalismo das respectivas causas, tão excitada com a vitória de Macron e a visita de Francisco?

Quanto a Macron, é certo que o homem foi banqueiro, mas também foi ministro da Economia de um governo socialista daquele presidente que foi a grande esperança da esquerda e representou um virar da página na Europa, antes de começar a andar de scooter com a namorada. E já declarou abraçar algumas das grandes causas do seu antecessor, como as críticas à concorrência fiscal da Irlanda, os salários baixos na Europa do Leste, um orçamento, um ministério das Finanças e um parlamento comuns, promete uma negociação dura do Brexit e parecia defender a mutualização da dívida.

Por causa dessas causas, o governo alemão já fez saber que não aceita os Eurobonds - até o socialista Schulz disse que bonds, só o James. E, claro, Macron lá veio esclarecer que afinal não é bem assim. Mais uma esperança dos Tsipras e dos Costas, a pensarem zerar o conta-quilómetros e recomeçar tudo de novo, que provavelmente vai para o caixote de lixo da história, já atafulhado de ilusões.

Quanto ao papa Francisco, a esquerdalhada tem menos decepções a recear. Como o reino dele não é deste mundo e o orçamento do Vaticano não vai pagar a dívida portuguesa, a coisa fica-se pelas boas (ou más, depende da opinião) intenções e declarações. Vem a propósito citar um excerto de um interessante artigo de José Bento da Silva no Observador com o significativo título «Sim, o Papa Francisco é socialista!». Aqui vai.

«Contudo, e dado que não temos clareza acerca das intenções do Papa, é legítimo, com os dados que temos, afirmar que o Papa é socialista.  (...)  O pensamento politico-económico do Papa está classificado há muito: é o socialismo. O Papa está genuinamente centrado nos pobres, mas claramente acredita nos resultados de uma solução socialista; os liberais também estão genuinamente centrados na pobreza, mas propomos uma solução um ‘tudo-nada’ diferente. É somente isto! (...)

Está contudo por estabelecer a relação de causalidade entre a santidade de uma pessoa e a razoabilidade das suas opções politico-económicos.»

Outras leituras recomendadas «a religião é a política por outros meios?».

Para concluir, acrescento suspeitar não ser por acaso que a esquerda, pelo menos desde 1789, quando os esquerdistas avant la lettre se sentaram na Assemblée nationale à esquerda do Citoyen Président, começa com sonhos dos amanhãs que cantam e acaba com pesadelos dos passados que choram, substituindo cada decepção depois de uma de ilusão com uma nova ilusão. Entre uma ilusão e a ilusão seguinte a história mostra-nos frequentemente multidões de mortos, miséria e fome.

Não faltam exemplos do pensamento miraculoso da esquerda. Ao contrário, são raros os episódios de lucidez. São tão raros que cito um que ainda está fresco: Daniel de Oliveira, jornalista de causas / militante / comentador / analista, ex-comunista, ex-Plataforma de Esquerda, ex-Política XXI, ex-bloquista, ex-Livre, ex-Tempo de Avançar, como já foi caracterizado aqui no (Im)pertinências, é um case study de militância de esquerda. Surpreendentemente, escreveu no Expresso online um artigo com um título que é todo um programa («Depois de Hollande, Schulz é a esperança») e que começa assim: «O optimismo dos europeísta de esquerda tem uma característica fundamental; a impressionante e perseverante resistência à realidade.» Bem-vindo ao mundo real.

12/05/2017

NÓS VISTOS POR ELES: Os apparatchiks do Estado Sucial

«Venga Francisco o Cristiano, el funcionario se va de fiesta 

En el sector privado portugués se gana un 34% menos y se trabaja un 20% más que en el público


Venga Francisco, venga Cristiano, a efectos de los funcionarios portugueses da lo mismo: ellos tienen fiesta. Según los últimos datos del INE, el trabajador privado gana 957 euros mensuales frente a los 1.451 euros del empleado público, es decir, un 34% menos, pero en cambio trabaja un 20% más, 42 horas semanales frente a las 35 horas del funcionario.

Las ventajas aumentan día a día. Con la visita del Papa, mañana y el sábado, los funcionarios podrán tomarse tolerancia de ponto, o sea, fiesta. La visita se produce un viernes y un sábado, por lo cual el fervoroso funcionario bien podría asistir al acto principal de Francisco, la misa del sábado, sin necesidad de guardar fiesta 24 horas antes; pero no, por si acaso el Gobierno les ha dado permiso mañana, que se suma a otros días que le otorga graciosamente, bien para disfrutar de los carnavales, bien para bajar la digestión al día siguiente de la Navidad, porque llega el Papa o porque llegan los futbolistas de la selección con una copa de más. Pase lo que pase, el funcionario portugués tiene fiesta. Y si le toca trabajar y va, también le darán fiesta. Al empleado público también se le otorgan días de premio por alto rendimiento, que consiste, básicamente, en ir al trabajo los días que no tiene fiesta. 

Tantas ventajas para el funcionariado están creando en la sociedad portuguesa una animadversión hacia el asalariado público cada vez mayor. La desigualdad se agranda entre estos, a quienes les llueve el salario del cielo pase lo que pase, y los trabajadores privados, que ven su sueldo pender de un hilo. Si además le dan fiesta al primero mientras que el segundo se tiene que coger un día de sus vacaciones para cuidar a los hijos porque le han cerrado la escuela pública, la brecha social del país se agudiza, pero no entre izquierdas y derechas, o clases altas o bajas, sino entre ambos tipos de trabajadores. 

En una encuesta de la radio TSF, que debatió el día de permiso al funcionariado por la llegada del Papa a Fátima, el 76% de los oyentes se decantó en contra pese a que la mayoría se declaró católico.»

Javier Martín, El País, 11 may. 2017 (enviado por AB)

11/05/2017

Dúvidas (197) - «Quatro? E porque não vinte?»

Foi a pergunta impertinente feita na newsletter do Observador a propósito da proposta da líder do CDS. candidata a presidente da câmara de Lisboa, apresentada ontem ao governo no parlamento: «Ou há rasgo, horizonte e ambição para o metro de Lisboa ou os problemas da área metropolitana não se vão resolver (... ) A nossa proposta são 20 novas estações para o metro de Lisboa e espero que possam ser estudadas, planeadas, financiadas e tratadas». (fonte)

E porque não trinta? pergunto. Se com este governo sabemos para onde vamos (é preciso dizer para onde?), com esta oposição não vamos a lado nenhum.

AVALIAÇÃO CONTÍNUA: O efeito do tempo sobre o pensamento miraculoso (ACTUALIZAÇÃO)

Secção George Orwell

De cada vez que a fé keynesiana esmorece ou que falta o dinheiro dos contribuintes para as obras públicas, alguém descongela o professor doutor Alfredo Marvão Pereira e lhe coloca um gravador à frente. O professor doutor Marvão Pereira, catedrático no Departamento de Economia do College of William and Mary nos Estados Unidos, é o teórico das SCUT que em parceria com Jorge Andraz publicou em 2006 o estudo «O impacto económico e orçamental do investimento em SCUT».

Naquele estudo, as duas luminárias usaram um modelo econométrico que lhes permitiu demonstrar que por cada milhão de euros que o governo investisse em infra-estruturas rodoviárias o efeito acumulado no PIB seria de 18 milhões de euros a longo prazo. Como o custo total das SCUT até 2051 foi estimado em 26 mil milhões, a «longo prazo» o PIB a preços constantes cresceria uns 468 mil milhões ou seja o equivalente a quase 3 PIB de 2006. Se houvesse dúvidas sobre a bondade do modelo econométrico estariam desfeitas cinco anos depois com a chegada da troika para resgatar o país na bancarrota.

Dez anos decorridos, a luminária do multiplicador vem explicar-nos em entrevista ao jornal i com o título «Podemos ter autoestradas a mais, mas os nossos netos vão ficar muito contentes por tê-las» que o falhanço das SCUT se deve à introdução das portagens – sem elas, as AE em que hoje percorremos quilómetros sem ver um único veículo estariam coalhadas deles e, evidentemente, o PIB multiplicar-se-ia. Vem também alertar-nos para os preconceitos contra o investimento público, agora que a geringonça aprovou um orçamento que reduziu o investimento público em 5,6% em relação ao orçamento neoliberal.

Decorrido um ano depois dos dez, a mesma luminária do multiplicador expõe num artigo do Público, surpreendentemente intitulado «Mais investimento público, sim, mas com rigor», várias conclusões das quais destaco: (1) em contradição com tudo o que nos havia dito antes, afinal nem todo o investimento público é «bom» e aceita que, apesar de tudo o que ele defendeu, no passado houve «investimento indiscriminado» e (2) reconhece que passámos «dos 80 para os oito. Do investimento indiscriminado do passado à (quase) ausência de tal investimento no presente».

Ou seja, Marvão Pereira revê as suas teses do milagre do multiplicador que transformaria um qualquer milhão investido pelo Estado, fosse lá no que fosse, em muitos milhões a longo prazo (e não, para ele não seria em dívida - hipótese realista - seria em aumento do PIB) e confirma aquilo que o governo não tem reconhecido - o investimento público, bom, mau ou assim assim, foi pura e simplesmente obliterado para cumprir o défice e garantir o óleo do BCE para a geringonça.

Depois dos 5 (cinco) bourbons e dos 5 (cinco) bourbons dos 5 (cinco) chateaubriands como prémio de carreira, atribuo-lhe agora um afonso por este reconhecimento tardio.

Outros posts do (Im)pertinências sobre o mesmo tema:

10/05/2017

Estado assistencialista falhado (16) - Na visão socialista a independência das pessoas é a dependência do Estado

No «modelo de apoio à vida independente que o governo está agora a ultimar, para discutir em Conselho de Ministros "no início de junho (...) as pessoas com deficiência vão contar com o apoio de assistentes pessoais para terem uma vida independente. Mas estes cuidadores - que vão desempenhar tarefas desde a higiene, transporte ou mediação na comunicação - não podem ser familiares nem vão ser escolhidos diretamente pelas pessoas com incapacidades.» (fonte)

09/05/2017

CASE STUDY: Alitalia, a companhia que faz a TAP parecer eficiente

A Alitalia entrou em processo de venda (ou de falência) depois dos seus 12 mil trabalhadores terem rejeitado um acordo que permitiria manter a Alitalia no ar e preferirem uma aterragem de barriga.

Trata-se de mais uma história de uma morte anunciada. Entretanto, alguns dados:
  • Contas anuais apresentam perdas há 25 anos;
  • Recusa da possibilidade de fazer parte de um grupo maior pelo menos por duas vezes nos tempos recentes (KLM em 2003 e Air France em 2008);
  • Em 2008, foi privatizado o activo da Alitalia (Etihad – 49%?), ficando o passivo a cargo do estado (onde já vimos isto?);
  • Também 2008, para além dos contribuintes assumirem mais uma vez as perdas, foram dados benesses impensáveis a 1500 trabalhadores “reestruturados”: 4 anos de salário (80%, incluindo diversas verbas adicionais), mais três anos de mobilidade estendidos mais tarde por mais dois anos. Ou seja, um total de 9 anos de salário (mais ou menos 80%) garantido sem terem de trabalhar;
  • Nesse mesmo ano, foram derrogadas normas anti-trust para as rotas internas (que ainda se mantêm em vigor hoje, passados 9 anos);
  • Em 2013, a Alitalia voltou a ser recapitalizada através dos… correios italianos!
  • Em 2014 mais 1199 trabalhadores são “reestruturados”. Foi dada a esses trabalhadores a possibilidade de beneficiarem da ajuda de agências especializadas de colocação no mercado de trabalho. Mais de 84% dos trabalhadores NÃO se inscreveram… Há um ano, foram detectados 36 trabalhadores a receberem salário por nove anos a… trabalharem para companhias concorrentes! Julga-se que serão muito mais do que 36.
Agora, trata-se de resolver um assunto de forma atabalhoada, com uma posição negocial fraquíssima, com compromissos impossíveis de destrinçar.

Ainda bem que existe a União Europeia que impede o estado italiano de torrar mais dinheiro na companhia.

(De um email do meu amigo AB, italiano nacionalizado)

Tudo isto parece-se demasiado com mais um caso do que baptizei em tempos Efeito Lockheed TriStar (seguir link para saber porquê).

08/05/2017

BREIQUINGUE NIUZ: A Leste nada de novo

O CDU de Angela Merkel venceu ontem as eleições no Estado de Schleswig-Holstein no Norte da Alemanha, com 33% dos votos e o SPD que governava o Estado em coligação desde 2012 caiu para 26%. São boas notícias para Merkel, aumentando as suas hipóteses de suceder a ela própria em Setembro. Não são boas notícias para o SPD e para Martin Schulz que começa a ver diluir-se o efeito da sua eleição em Março depois de um aumento significativo nas intenções de voto.

Apesar de no final, mesmo que o SPD vencesse as eleições de Setembro, ser pouco provável que a política da Alemanha se alterasse significativamente, por várias razões, incluindo pelo facto de o SPD ser o parceiro júnior da coligação que governa, com uma nova vitória do CDU probabilidade ainda é menor o que não são boas notícias para os Costas deste mundo e as suas fantasias de mutualização da dívida.

Crónica da anunciada avaria irreparável da geringonça (82)

Outras avarias da geringonça.

No 1.º trimestre as contas do SNS continuaram a deteriorar-se: os pagamentos em atraso dos hospitais aumentaram 152 milhões em relação ao 1.º trimestre de 2016; a reposição salarial e o acréscimo do n.º de efectivos aumentaram as despesas não obstante a redução das despesas com medicamentos. No total das entidades públicas os pagamentos em atraso estão quase a atingir mil milhões de euros, dos quais quase 900 milhões às empresas farmacêuticas. (fonte)

Como já tinha referido na crónica anterior, o governo prepara o assalto às provisões do BdP alterando os seus estatutos. Enquanto isso, o tele-evangelista Louçã postula que o assunto substituição do governador está encerrado ao mesmo tempo que BdP usa informação privilegiada, por via do Conselho Consultivo, presume-se, escreveu o Expresso (uma fonte credível nesta matéria).

CASE STUDY: Os bonzos marxistas das Humanidades

«A minha geração - a que nasceu nos anos 40 - está hoje no topo da profissão universitária. Alguns dos meus colegas, sobretudo os que leccionam cursos nas chamadas Humanidades (História, Sociologia, Filosofia, Literatura), retêm do passado o pior que ele tem, nomeadamente a veneração bacoca pelos rituais académicos, enquanto que, no dia-a- dia, se entretêm a debitar o catecismo marxista, a sebenta bourdiana ou lá o que é aquilo. 

Vem isto a propósito do recente livro "História e Memória: Última Lição", de Fernando Rosas. Após os patéticos elogios dos seus pares, aparece o discurso" do homenageado. As suas ideias sobre a História são perigosas. Contemplem-se os subtítulos: "História (Desmemória e Hegemonia) ", "História e Uso Público da História", "Em Busca de um Passado para o Presente", "Da Desmemória à Manipulação da Memória". O Professor Doutor menciona o "processo social complexo de construção das legitimidades que sustentam as formas de estar, de transformar ou de conservar o mundo em que vivemos". E acrescenta: "A memória é sempre matéria- prima para arquitecturas de geometria variável, invariavelmente construídas a partir do presente". Li e reli, sem ter percebido bem o que Fernando Rosas queria dizer. Após meditação, conclui não se destinar esta prosa a ser entendida, tendo antes como objectivo servir de ritual de iniciação às tribos mais delirantes de esquerda. Segundo os historiadores aqui filiados, tudo é "construído". Os factos não são factos, mas interpretações politicamente orientadas. Trump teria aprovado. 

Estou consciente de que nunca existiu em Portugal uma Universidade decente. Tivemos Coimbra, e os seus horrendos bacharéis e, mais tarde, a Universidade organizada pelo Estado Novo, uma instituição de tal forma deprimente que quase me levou ao suicídio. Claro que nunca tendo o liberalismo encontrado terreno fértil em Portugal, espantar-me-ia que nas universidades se respirasse um clima de diálogo aberto. Mas adiante. 

Comecei a ensinar em 1974 a alunos que, dizendo-se trotskistas, pretendiam ter boas notas sem estudar. Por julgar que o meu papel não consistia em ajudá-los a entoar disparates, mas em estimulá-los a pensar, não cedi. Ao fim de quatro meses de berraria, deixei o ensino, tendo passado a dedicar-me à investigação. Entretanto, à frente de um exército de post-docs que tudo aceitam porque não têm alternativa, Fernando Rosas trepava pela hierarquia universitária. 

Como Allan Bloom alertou, em "Giants and Dwarfs", "as universidades transformaram- se numa luta entre a democracia liberal e o igualitarismo, radical, ou, melhor dizendo, totalitário". Os docentes que, em vez de se apresentarem como intelectuais especializados numa certa disciplina, se armam em guias morais e activistas políticos, estão ipso facto a abandonar a função para que foram contratados. Não é assunto menor. Ao impedir que os alunos pensem livremente, os novos mandarins estão a cometer um crime.»

«Os catedráticos revolucionários», Maria Filomena Mónica no Expresso

07/05/2017

DEIXAR DE DAR GRAXA PARA MUDAR DE VIDA: A nobre inveja lusitana (e a nossa rejeição atávica da concorrência)

«Catarina Martins comunicou ao povo deslumbrado que não havia liberdade sem igualdade. Em 1793 Robespierre disse exactamente o mesmo e começou logo a cortar cabeças. A nossa Catarina, na sua imensa moderação, ainda não cortou a cabeça a ninguém. Mas sempre vai espicaçando o governo e o Presidente da República para tornarem Portugal inabitável e paralítico. As criaturas que hoje nos governam não podem ver um tostão a ninguém. Marcelo anda por aí a fazer propaganda contra os gestores que ganham muito, e suponho que está a chocar uma lei para acabar com essas imundas sanguessugas dos pobres. Pensa ele que se trata de uma questão de moralidade. Pensa mal. Do que se trata é da nobre inveja lusitana e do horror por qualquer manifestação de inteligência, habilidade e saber. A igualdade também não entra nesta sopa turva.»

Excerto de «A compressão de Portugal», Vasco Pulido Valente no Observador

Acrescento que o nosso horror por qualquer manifestação de inteligência, habilidade e saber e a nossa rejeição atávica da concorrência não garantem que os nossos gestores e em geral as nossas elites mais abonadas se salientem pela inteligência, habilidade e saber. De onde resulta que em muitos casos há razões objectivas para os ver como imundas sanguessugas dos pobres.

ACREDITE SE QUISER: Este país não é para refugiados

Depois de um intenso e prolongado labor da eurodeputada socialista Ana Gomes, uma versão lusa de La Pasionaria Isidora Dolores Ibárruri Gómez, não por acaso da família Gómez, a Câmara Municipal de Guimarães, não por acaso a cidade que, segundo a lenda, foi o centro do Condado Portucalente e por isso também conhecida por «berço da Nação», acolheu em Vimaranes, como então se chamava, duas dúzias de yazidis, refugiados do Iraque pertencentes a uma minoria étnico-religiosa curda, vindos da Grécia e chegados a Portugal em Março.

Talvez por não encontrarem grandes diferenças entre as oportunidades que lhes proporcionaria Guimarães e as de Mossul de onde provinham, todos os refugiados abalaram para outras paragens, com uma única excepção. Saman Ali, a excepção, chegado à Portela com um cartão «Thanks Portugal, I love you» confirmou estar completamente integrado na cultura doméstica, ao escrever uma carta aberta que começa por «Me Ajuda Por Favor! Eu Preciso de Você!» A quem? Ao Presidente da República dos Afectos, a quem mais?

06/05/2017

Dúvidas (196) - E se voltássemos a dar umas porradas aos nossos filhos adolescentes?

O ersatz das correadas (fonte)
Desde há umas semanas mais uma onda de histerismo percorre os mídia a pretexto do jogo Baleia Azul. Só para dar um exemplo, o Expresso de hoje titula na primeira página: «70 mil jovens portugueses já se mutilaram ... 20% dos adolescentes entre os 13 e os 15 anos já se magoaram intencionalmente...».

Como é que o semanário de reverência sabe dos 70 mil e dos 20%? Não poderão ser 7 mil ou 700 mil ou 2% ou 80%? Seja como for, ocorre-me que no passado era habitual os pais darem uma correadas e as mães umas chineladas aos adolescentes aparvalhados (um estado habitual na adolescência) que asneiravam (uma prática corrente nessas idades) e não me consta que os fedelhos sentissem necessidade de se mutilarem. Não será a auto-mutilação o resultado do desuso de uma saudável prática milenar?

 E se voltássemos a dar umas porradas aos nossos filhos adolescentes?

Lost in translation (290) - Temos de esperar pela saída do procedimento por défice excessivo


«Houve uma gravíssima crise e um conflito entre o Governo e a maioria política e o governador do Banco de Portugal, a propósito do processo de resolução do Novo Banco. Nessa altura, foi a minha opinião e de algumas outras pessoas que devia ter sido invocada uma falta grave e, portanto, devia ter sido iniciado o processo de substituição do governador. O Governo escolheu não o fazer e, portanto, esse assunto está encerrado, não há agora um processo de substituição do governador e não vai haver no contexto que estamos a viver.»

Assim falou o tele-evangelista, trotskista em pousio, fundador e dirigente da Liga Comunista Internacionalista - IV Internacional, fundador, dirigente e ideólogo do Bloco de Esquerda (um sortido variado de trotskistas, estalinistas e maoistas, muitos deles transmutados no radicalismo chic), especialista no entrismo e actual dignitário do regime com cargos no Conselho de Estado e do Conselho Consultivo do Banco de Portugal.

Podem os Costas, o de S. Bento e o da Rua do Comércio, a partir de agora ficar descansados? Suspeito que não. Suspeito que esse assunto deixará de estar encerrado quando se alterar o contexto em que estamos a viver, por exemplo se e quando se der a saída do procedimento de défice excessivo.

05/05/2017

TIROU-ME AS PALAVRAS DA BOCA: O síndrome do Conde de Abranhos

«O problema que destruiu Sócrates, e mais cedo ou mais tarde derrubará Costa, é a secular doença lusitana. Podemos chamar-lhe a «síndrome do Conde de Abranhos». Hoje, como tantas vezes no passado, larga percentagem da população vive de benesses públicas que a economia não pode pagar. Pensionistas, funcionários, câmaras, construtoras, subsídios, dominam a situação política, para conseguir garantir as suas rendas. O aparelho produtivo acaba espremido pelas exigências das classes não produtivas.

Esta dinâmica, que há 200 anos domina a democracia portuguesa, reproduz hoje a versão de 2007, com apenas duas diferenças importantes. A primeira é que, com o PCP e o BE no poder, a atitude é mais aberta e descarada. No tempo de Sócrates ainda se falava de plano tecnológico e necessidade de crescimento. Agora apenas se referem reposições de benesses e direitos da função pública, como se o dinheiro caísse do céu.

A segunda diferença, muito mais influente, está na fonte usada para os pagamentos. Nos meados da década passada, como nos 15 anos anteriores, ainda era possível alimentar os interesses instalados com dívida externa. Hoje essa via está totalmente fechada, havendo mais a necessidade de liquidar os juros dos longos tempos de ilusão. Apesar desta terrível situação, foi ainda possível imitar a prosperidade através da redução do investimento, público e privado e a poupança em mínimos históricos. Sócrates, como Guterres e Barroso simularam o sucesso, estimulando a conjuntura pelo endividamento. Costa faz o mesmo, comendo o capital.»

A desforra de Sócrates, João César das Neves no Observador

Registe-se o acolhimento de João César das Neves pelo Observador, uma espécie de porto de refúgio num mar de jornalismo iliberal e dependente.

BREQUINGUE NIUZ: Porto Pobre

Porto Rico, «unincorporated territory of the United States» cujos nacionais são cidadãos americanos desde 1917, desde 2015 tinha a sua dívida em incumprimento. Anunciou anteontem a sua bancarrota.

Afinal a quanto monta essa dívida? À volta de 100% do PNB (isto é a produção total por nacionais do território e não o PIB que é a produção total realizada no território) o que são peanuts quando comparados com os 130% do PIB and counting da dívida pública portuguesa.

O que vai o governo porto-riquenho fazer? Tomar medidas de austeridade que reduzirão o PNB em 10% até 2020.

Porque ninguém se lembrou ainda de chamar o Krugman ou pelo menos um tele-evangelista do BE ou um galamba do PS? Ignoro e acho lamentável.

04/05/2017

TIROU-ME AS PALAVRAS DA BOCA: «Ovelhinhas cá dentro, lobos maus lá fora»


«O sucesso que o PS está a ter na gestão das suas relações com Bloco e PCP prova que é bem possível que seja a esquerda moderada que tem a intuição certa, e que os radicais, afinal, sejam apenas “radicais” quando chegam ao poder. Assim sendo, para quê ter de engolir o sapo Macron contra Le Pen, se eles já têm diariamente de engolir o sapo Costa? A França fica lá longe, e Bloco e PCP estão dispensados de pragmatismos. Mais vale vitaminar as bases que ainda acreditam na “esquerda revolucionária” e na “rede anticapitalista” (como o Bloco), e que acham que o bonito estilo de vida de Pyongyang está sob ameaça do imperialismo yankee (como o PCP).»

Ovelhinhas cá dentro, lobos maus lá fora, João Miguel Tavares no Público

Lost in translation (289) - «Porto seguro para poupanças dos portugueses»



O presidente executivo, Paulo Macedo, e o chairman Rui Vilar, uma média e uma grande figura do regime, assinam o relatório de 2016 congratulando-se com os 4.444 milhões de euros já injectados para recapitalização da Caixa e acentuando que é «a maior já levada a cabo em Portugal» e garantindo que a Caixa será um «porto seguro para poupanças dos portugueses». (fonte)

Armazéns do «porto seguro para poupanças dos portugueses»
Tradução em português corrente: o facto de no passado as poupanças dos contribuintes portugueses já terem sido aplicadas várias vezes na nossa querida Caixa, a última das quais é um recorde de que nos orgulhamos muito, não impede que no futuro continuem a sê-lo e um recorde é feito para ser batido com a ajuda do governo, do presidente da República, dos senhores deputados e de todas as forças vivas da Nação; é isso que que significa «porto seguro».

03/05/2017

Exemplos do costume (51) - É mais o que une Mélenchon e Le Pen do que aquilo que os divide

Jean-Luc Mélenchon, um esquerdista antigo membro do PS e candidato presidencial pelo movimento França Insubmissa, recusou-se a declarar se apoiaria Le Pen ou Macron na segunda volta e fez uma consulta aos seus apoiantes. Resultados da consulta: em 243.128 votos, 36% defenderam o voto branco ou nulo, 29% a abstenção e 35% o voto em Macron.

Segundo a França Insubmissa, a consulta «não visa dar uma indicação de voto, mas refletir a opinião dos ‘insubmissos'». (fonte)

ACREDITE SE QUISER: Ano sabático

«“Todos os anos vemos a idade da reforma ficar um pouco mais longínqua, como é que hoje podemos organizar a nossa vida procurando encontrar um regime em que possamos, ao fim de décadas de trabalho, ter uma pausa na nossa vida, de seis meses ou um ano?“, questionou a líder do CDS. Ao que o Observador apurou, a ideia está ainda em fase de estudo mas passa pela possibilidade, opcional, de os trabalhadores tirarem uma licença (não paga) ao fim de décadas de trabalho contínuo para irem para a universidade, ou simplesmente para “redirecionarem a vida” ou terem um “tempo de lazer”, como detalhou a líder centrista.»

Também Marie Antoinette, casada com Luís XVI, preocupada com a fome que grassava entre o povo sem pão para comer, teria dito segundo Jean-Jacques Rousseau «Qu'ils mangent de la brioche». Provavelmente foi mais uma invenção de Rousseau, ma se non è vero, è ben pensato.

02/05/2017

Dúvidas (195) - Qual a diferença entre o sindicalismo social-democrata e o sindicalismo comunista?

«Nós não queremos trabalhadores a trabalhar até à exaustão: 40 anos de carreira e 60 anos de idade é mais do que tempo para estes terem uma carreira condigna. (...) Os trabalhadores têm de ter um bom patrão e esse patrão é o Estado.»

Poderia ter sido dito pelo apparatchik em chefe da CGTP, mas foi dito pelo secretário-geral da UGT ontem nas comemorações do 1.º de Maio. Secretário-geral que, segundo o semanário de reverência, também declarou que «a defesa dos direitos da função pública é a grande bandeira da UGT para os próximos anos». Isso significa que a UGT vai disputar à CGTP a clientela dos utentes da vaca marsupial pública que são, cada vez mais, o mercado único do sindicalismo?

E, se não for perguntar demasiado, onde é que já se viu um desses utentes trabalhar até à exaustão? E se a segurança social não puder garantir reformas aos 60 anos, como tudo indica?