31/05/2014

SERVIÇO PÚBLICO: São todos iguais mas há uns mais iguais do que outros

O Tribunal Constitucional, depois de ter gasto «muito dinheiro a comprar livros de economia por causa dos pedidos de fiscalização relacionados com a crise», e de ter ouvido atentamente os seus 16 (dezasseis) assessores (três para o presidente, dois para o vice-presidente e um assessor por cada um dos outros 11 juízes), declarou inconstitucionais os «cortes entre 2,5% e 12% nos vencimentos da função pública a partir dos 675 euros brutos, de 5% nos subsídios de doença, de 6% no subsídio de desemprego e ainda cortes nas pensões de sobrevivência».

Concentremo-nos nos vencimentos dos funcionários públicos cujos cortes os juízes em causa própria consideraram inconstitucionais por ofenderem o «princípio da igualdade». Igualdade? Qual igualdade?

Em primeiro lugar, a desigualdade salarial entre os sectores público e privado em Portugal é a mais elevada na UE, como se pode confirmar no gráfico seguinte extraído do occasional paper da Comissão Europeia «Government wages and labour market outcomes» publicado o mês passado, sobre o qual o jornalismo de causas guardou o mais recatado silêncio.


A lengalenga que justifica essa desigualdade com base na suposta muito melhor qualificação e grau académico dos funcionários públicos é uma lenda que perdeu a validade há anos – actualmente dos 1,1 milhões de licenciados na população activa em 2013 (Pordata) haverá menos de 20% na função pública.

A lenda fica definitivamente arrumada com a conclusão do paper citado: além do prémio salarial que a função pública dá ao pessoal menos qualificado na maioria dos países, Portugal é um dos países «where also workers with high education level receive a premium from working in the public sector».

Em segundo lugar, apesar dos cortes salariais dos últimos anos terem afectado mais acentuadamente a função pública (gráfico do lado esquerdo), o certo é que os custos laborais unitários na função pública recuperaram o nível de 2008 ao contrário do sector privado que caiu cerca de 7% (gráfico do lado direito), segundo a Eleventh review do FMI.


Além disso, a grande redução (cerca de 14%) deu-se nos sectores de bens transaccionáveis da economia muito mais do que nos sectores de bens não transaccionáveis protegidos da concorrência internacional, como se confirma no gráfico seguinte, que ao mostrar a evolução comparativa dos custos laborais desfaz igualmente outro mito – o mito da colossal perda salarial em Portugal, na verdade claramente inferior à da Espanha e Irlanda.

Em conclusão, o TC confirmou o seu papel de garante dos direitos adquiridos e de perpetuador de desigualdades iníquas baseadas no «princípio da igualdade».

30/05/2014

DIÁRIO DE BORDO: Respeitem o pai de João Soares

Lêem-se e ouvem-se por todo o lado críticas a Mário Soares pelo conteúdo e pelo tom do panfleto «Resposta ao povo» que escreveu em apoio à sua escolha de António Costa para ser entronizado secretário-geral do seu partido.

Tenha-se em conta o apelo do seu filho João Soares - «Peço que respeitem o meu pai. O meu pai tem 90 anos. Respeitem o meu pai». Afastem dele microfones, câmaras e canetas.

Pro memoria (171) – PS vota a favor de moção de autocensura

O grupo parlamentar do Partido Socialista, incluindo o secretário geral António José Seguro, acabou de votar a favor por unanimidade (9 socialistas envergonhados não estavam na sala) a moção de censura do PCP onde se escreve:

«Três anos passados sob o manto do Pacto de Agressão que PSD, PS e CDS subscreveram, a obra de destruição do País e das condições de vida dos portugueses está à vista, …

A mais grave situação nacional desde os tempos do fascismo torna indesmentível o retrocesso económico e social a que conduziu a política de direita executada nos últimos 37 anos por sucessivos governos, agravada nos últimos anos pela execução dos PEC e do Pacto de Agressão assinado por PS, PSD e CDS com a troica estrangeira do FMI, BCE e Comissão Europeia.»

ARTIGO DEFUNTO: Um jornalista bom, no género mau (3)

Com esta, será a terceira vez [(1) e (2)] que escrevo sobre o que escreve sobre Ricardo Costa. Repetindo-me: em minha opinião um dos melhores jornalistas de causas, no sentido de aviar as suas causas com inteligência e subtileza suficientes para parecer que está a fazer um jornalismo profissional.

Uma vez mais, RC mostrou inteligência e subtileza (não muita, desta vez), perante o potencial conflito de interesses de, sendo director de um jornal que faz parte da notória boa imprensa de António Costa, poder vir a ter o seu irmão na liderança do principal partido da oposição, numa fase em que este precisará de melhorar a já muito boa imprensa de que dispõe e, provavelmente, ainda mais precisará se no governo tiver de adoptar com outro embrulho mediático as mesmas políticas que agora diz repudiar.

Primeiro, num gesto teatral, face ao potencial conflito de interesses, RC colocou o seu lugar de director do Expresso à disposição, logo que o seu irmão desafiou Seguro. Impressionante, mas pouco sério. Sério seria esperar que António Costa fosse eleito e, de seguida, se verdadeiramente acredita que existe um conflito de interesse (que existe mesmo), demitir-se da direcção. O tempo e o modo que escolheu denunciam que estará mais preocupado com o show off  e com a aparência de independência do que com as suas hipotéticas convicções.

Se dúvidas houvesse, a sua «Carta a um irmão político» eliminá-las-ia. A carta é uma espécie de manifesto eleitoral fraternal, com todos os tiques próprios da «intelligentsia» de esquerda «moderna», onde se esforça por demonstrar da primeira à última linha que António Costa (e ele próprio) faz parte dos ungidos, tem as amizades certas e possui o necessário pedigree e superioridade moral para ter lugar cativo no olimpo do regime, pertencendo-lhe, por direito próprio, a liderança do Partido Socialista.

BREIQUINGUE NIUZ: há petróleo no Beato? (3)

Vai para 5 anos, publiquei o seguinte post:

Desta vez não foi Juvenal Costa a descobrir petróleo no quintal. Foi o inefável comendador Berardo que descobriu que a Mohave Oil & Gas tinha encontrado jazidas com cerca de 500 milhões de barris em Aljubarrota e Torres Vedras. A coisa vai ser extraída com o horizontal drilling, o que me deixa mais descansado porque permite não estragar o campo de batalha onde infligimos uma derrota ao inimigo castelhano.

Não sei se vem a propósito, mas lembro-me de se ter atribuído ao Botas, quando há 50 anos lhe falaram do petróleo em Torres Vedras (já nessa altura), o prudente desabafo: «só nos faltava mais essa».

De onde se perceberá que não foi exactamente uma surpresa ler há dias esta outra notícia do Económico: «A empresa norte-americana Mohave Oil, que se dedica à prospecção de petróleo e gás no oeste português, vai abandonar no final do mês as operações no país depois de não ter conseguido atrair investidores

Pro memoria (170) – Mudam-se os tempos, mudam-se os amigos (e os inimigos)

Durante 20 anos, de 1955 a 1975, o maior inimigo do Vietname foram os Estados Unidos e a China, durante séculos inimigo histórico do Vietname, foi desde o pós-guerra e principalmente nesse período o seu maior aliado.

Quarenta anos depois do final da guerra com os EU, o Vietname retomou a sua animosidade secular com a China que não esconde as suas ambições sobre vários territórios e zonas marítimas em disputa. Recentemente, a China National Offshore Oil Corporation ancorou uma gigantesca plataforma petrolífera a 220 quilómetros da costa vietnamita, ao mesmo tempo que deslocou para a proteger uma pequena armada.

Economist
O Vietname protestou sem consequências para além de um dos seus barcos de pesca ter sido abalroado e afundado por um barco chinês. Em várias manifestações em Hanói e noutras cidades, a China foi apupada com a condescendência cúmplice das autoridades vietnamitas que não costumam apreciar agitações.

Com tudo isto, o Vietname vem aproximando-se do seu inimigo ocasional daquelas duas décadas que aparece aos seus olhos e de vários outros governos asiáticos como um conveniente potencial aliado para os proteger das ambições do Grande Panda.

Um dia Lord Palmerston, ministro inglês dos Negócios Estrangeiros durante 40 anos, disse «a Inglaterra não tem nem amigos eternos, nem inimigos eternos, mas apenas interesses eternos». Mutatis mutandis, digo eu.

29/05/2014

CASE STUDY: Estava escrito nas estrelas (4)

[Continuação de (1) e (2)]

Recapitulando: já se sabia, pelo menos desde 1961 (Robert Mundell, «A Theory of Optimum Currency Areas»), que uma zona monetária para ser óptima precisa cumprir um certo número de condições. Esqueçamos, por agora, todas as outras e concentremo-nos na mobilidade da mão-de-obra que no caso da EU27 apresenta ainda barreiras culturais e administrativas (acesso condicionado a muitas profissões, sistemas de segurança social heterogéneos, etc.), e obviamente linguísticas (mais de 20 línguas diferentes), que constituem obstáculos poderosos.

aqui se evidenciaram as diferenças muito significativas entre as a taxas de desemprego na EU27 que indiciam uma reduzida mobilidade. Veja-se agora o diagrama seguinte que revela o mesmo fenómeno mas numa visão dinâmica nos últimos 10 anos.

Fonte: «The euro zone - One currency, divergent economies»
Com excepção da Eslovénia, França e Itália, todos os restantes países da Zona Euro registaram evoluções completamente dessincronizadas das taxas de desemprego. Diferentemente, as taxas de inflação, influenciadas por uma política monetária comum, variaram dentro de um intervalo de reduzida amplitude.

Uma vez mais se confirma a falta de condições económicas mínimas para garantir a sustentabilidade de uma moeda comum. Estamos, por isso, face a um trilema: desmantelar a Zona Euro e suportar o choque monetário de desvalorizações violentas nos países da periferia; adoptar uma política fiscal única, um orçamento e um ministro europeu e desmantelar todas as barreiras ainda existentes para a livre mobilidade de capitais e trabalhadores, ou seja caminhar cada vez mais para uma federação europeia ao arrepio dos eleitorados com todas as consequências políticas; ou deixar tudo na mesma durante algum tempo até que as realidades económicas, sociais e políticas tornem inevitáveis uma das duas outras opções.

28/05/2014

DIÁRIO DE BORDO: João Soares sobre a liderança do PS

Começo por esclarecer que quase tudo me separa de João Soares. Sem prejuízo disso, reconheço-lhe uma coragem pouco abundante entre os nossos políticos, como a que agora demonstra ao não se deixar atrelar à candidatura de António Costa promovida e empurrada pelos ungidos do PS e, sobretudo, pela difícil distância que marca em relação ao seu pai Mário Soares. Terá razões inconfessáveis? Ainda que as tivesse, revelaria coragem.

«”Todos nós sabemos que isto é um processo de chantagem. Às vezes os processos de chantagem pública são bem sucedidos no plano formal e depois são derrotados no plano da realidade dos factos", advertiu o ex-presidente da Câmara de Lisboa.

De acordo com João Soares, a situação gerada após o anúncio da disponibilidade de António Costa para liderar o PS possui algo de "sebastianismo, de megalómano, de egocêntrico e um tanto messiânico".

"Isso preocupa-me no plano pessoal, porque sou amigo do dr. António Costa. Querem que repita o que disse sobre voltar a lançar um processo de um congresso extraordinário um ano depois de se ter lançado um congresso extraordinário justamente com os mesmos pedidos das mesmas pessoas e depois de duas vitórias do PS", referiu João Soares aos jornalistas, reiterando a sua oposição à realização de eleições diretas para a escolha de uma nova liderança.

Confrontado por uma jornalista com a posição assumida pelo ex-Presidente da República Mário Soares, num artigo escrito no Diário de Notícias, segundo a qual o PS obteve uma vitória de pirro nas últimas eleições europeias, o filho do antigo chefe de Estado protestou: "Isso é de mau gosto em relação a mim".

"Peço que respeitem o meu pai. O meu pai tem 90 anos. Respeitem o meu pai", reagiu João Soares.»

[Fonte: ionline]

A atracção fatal entre a banca do regime e o poder (17) – Uma atracção fatal pode acabar por ser literalmente fatal

[Mais atracções fatais]

Embora pudesse, não vou escrever que há anos previa o colapso do banco do regime ou, melhor, o colapso do BES como paradigma da banca de regime. Agora que já escrevi, acrescento que, em rigor, não era exactamente uma previsão. Era um desejo. O desejo de ver terminada a influência excessiva do grupo Espírito Santo e, não só por ser excessiva, mas também por isso, nefasta para a economia e para o país.

E essa influência excessiva está a terminar na lama do pântano em que o GES se vem afundando ano após ano. O que dizer de toda a trapalhada fiscal – para ser benigno e não lhe chamar evasão fiscal - em que Ricardo Salgado apareceu envolvido?

O que dizer de uma dívida de 5,3 mil milhões do grupo Espírito Santo colocada em clientes da ESFG? Sem contar com quase 600 milhões de dívida de várias participadas do GES colocadas em clientes do retalho e private do BES. E o que dizer de um aval de 4,2 mil milhões do Estado angolano ao BESA relativamente a operações com empresa angolanas? E o que dizer da ocultação de 1,2 mil milhões de dívida nas contas da ESI atirada para cima das costas do commissaire aux comptes? Já agora, repare-se no ridículo de baptizar o contabilista com esse nome pomposo e erróneo que os franceses reservam para o revisor oficial de contas.

E o que dizer da maior humilhação de todas que é o prospecto do segundo aumento de capital em pouco tempo do BES, só por si um libelo das práticas que o GES imprimiu ao seu banco que instrumentalizou para servir interesses de legitimidade duvidosa da família? É um libelo e a humilhante admissão – imposta pelo BdP e pela CMVM - dessas práticas pela própria Administração.

São 375 páginas, incluindo 37 páginas descrevendo 44 factores de riscos e mais 40 sobre a gestão do risco (que pelos vistos funcionou mal). Factores de risco que incluem a exposição a riscos reputacionais devida à deterioração financeira da ESI e das suas subsidiárias, a admissão de «irregularidade materialmente relevantes nas contas da ESI», e o risco de alterações na administração do BES (em boa verdade o risco seria manter o status quo).

Chegará ao fim a influência excessiva e nefasta dos Espíritos na economia e no país? No mínimo, espero que nada no futuro seja como no passado em que fortíssimos indícios de promiscuidade entre a família e os poderes fácticos (governos e partidos - predominantemente socialistas, lóbis, luminárias do tráfico de influência et al.) são a explicação mais óbvia dos fortíssimos indícios de envolvimento em manobras na PT, no caso dos submarinos, no financiamento partidário, no assalto ao BCP e em muitas outras operações obscuras de importância e gravidade variadas.

27/05/2014

Mitos (169) – A grande vitória do PCP (explicando-me melhor)

A partir de um email de AB sobre o meu post anterior concluí não ter explicado adequadamente os pressupostos da minha conclusão sobre a vitória do PCP. Vou tentar fazê-lo um pouco melhor.

É claro que as europeias e a legislativas não são a mesma coisa e, por isso mesmo, todos os partidos, PCP incluído, têm sistematicamente menos votos nas europeias que pouco dizem à maioria dos eleitores. A grande diferença entre o PCP e os partidos do poder é que o PCP perde 15% dos votos enquanto aqueles perdem 1/3 ou metade:

              Legislativas 09-2009           Europeias 06-2009 
PSD              1.654.777                         1.129.243 (-32%)
PS                2.077.695                            946.475 (-46%)
CDS                 592.997                            298.057 (-50%)
PCP                 446.994                            379.707 (-15%)

Quando se vê a tendência para os votos do PCP nas europeias se aproximaram dos votos nas legislativas (exactamente o oposto dos outros partidos), é razoável concluir que, por via da fidelidade dos eleitores e da capacidade de mobilização, o PCP está a conseguir levar os seus fiéis a votar até numas eleições que não lhes dizem nada. É, por isso, também razoável concluir que os votos do PCP nas próximas legislativas não vão ser muito diferentes dos destas europeias e como o número esperado de eleitores nas legislativas será 1,7 vezes o número das europeias, logo se vê que a quota do PCP baixará para 60% da quota de 12,7% nas europeias ou seja ao redor dos 8% que referi.

Lost in translation (204) - A vitória do PS nas eleições europeias…

…«é uma grande vitória» para António José Seguro;

…«é uma vitória de Pirro» para Mário Soares e não deixa «confortável» o secretário Vítor Ramalho;

… «soube a pouco» a António Costa

… «foi modesta» para Carlos César;

… «sabe-me a pouco» confessou Ferro Rodrigues;

… «foi uma derrota histórica» da coligação pelo que «não se discute um líder que ganha» para José Sócrates e para o secretário João Galamba «está longe de ter sido uma vitória histórica».

É por isso que o «PS volta a falar de Costa para o lugar de Seguro» e este «é um momento decisivo para António Costa»

Mitos (169) – A grande vitória do PCP

Número de votos do PCP-PEV
(Entre parêntesis a diferença de votos entre as eleições europeias e as legislativas mais próximas)
  • Europeias 2004 ........309.401 (-123.968)
  • Legislativas 2005 ......433.369
  • Europeias 2009 ........379.707 ( -53.662)
  • Legislativas 2009 ......446.994
  • Legislativas 2011 ......441.852
  • Europeias 2014 ........416.030 (-25.282)
Considerando a fidelidade e mobilização do eleitorado comunista e analisando o número de votos nos últimos 10 anos, onde está a grande vitória nestas eleições europeias que nas próximas legislativas talvez indicie uns 450 mil votos (8% e um ganho de umas décimas em relação às legislativas de 2011)?

Curtas e grossas (13) – O espantalho

«... Sócrates, um espantalho que os PSD vão buscar sempre que os socialistas lhes ameaçam as colheitas

Clara Ferreira Alves, "pluma caprichosa", uma admiradora com serviços prestados de branqueamento do passado do espantalho (ver a série de posts Autópsia de uma entrevista do «chefe democrático que a direita sempre quis ter»?)

ARTIGO DEFUNTO: Estará o Tozé dedicado à consultoria internacional?

Quem diz o Tozé, diz qualquer de quase todas luminárias socialistas que enchem a boca com «o que interessa são as pessoas». Foi o que pensei ao ler o título «O crescimento faz-se com pessoas, não com números» no suplemento de Economia do Acção Socialista Expresso.

Afinal tratava-se de uma daquelas «entrevistas» em que o «jornalista» conversa com uma personalidade e põe na boca dela o que acha conveniente. O «entrevistado» era Mark MacDonald da Accenture, uma consultora internacional para quem trabalhei em vários projectos e para cujos quadros fiz algumas acções de formação, o que desde logo me fez suspeitar que o director-executivo de Estratégia Digital da Accenture pudesse ter dito uma tal parvoeira demagógica.

Na verdade, a criatura falou ao «jornalista» sobre a superação das limitações da dimensão do mercado (e das suas consequentes dificuldades para atingir o breakeven) que a economia digital pode proporcionar, fornecendo ferramentas para projectar rapidamente uma penetração de 1% num mercado pequeno de 10 milhões de consumidores, como Portugal, para 1% a 3% num mercado global de 7 mil milhões.

Quanto à conversa do tipo «o que interessa são as pessoas», leia-se o que Mark MacDonald talvez tenha dito e imagine-se colocar essas palavras na boca do Tozé (para já não falar na do Dr. Soares):

«No mundo digital temos de pensar de fora para dentro: não é o que eu quer dizer que interessa; é o que o mercado diz e quer ouvir. O importante não são os números, são os nomes. Das pessoas que consomem, das pessoas que têm competências e que trabalham nas empresas, o elemento humano. O foco para crescer e ser maior tem de estar nas pessoas. Pensando para fora de Portugal e de fora da empresa para dentro da empresa».

25/05/2014

Dúvidas (42) - «Quem é o número dois do partido da terra?»

«Quem é o número dois do partido da terra?» há quem pergunte. É uma pergunta retórica. É o Pinto, criatura! Pois quem mais havia de ser, se só se fala do Marinho e Pinto?

O ruído do silêncio da gente honrada no PS é ensurdecedor (84) – nepotismo puro e duro (2)

Recapitulando: Maria de Lurdes Rodrigues, ex-ministra da Educação do primeiro governo de José Sócrates contratou de 2005 a 2007 João Pedroso, advogado, dirigente do PS, irmão de Paulo Pedroso ex-ministro do Trabalho de Guterres. Contratou-o duas vezes para fazer o mesmo manual de direito da Educação, nunca acabado, e pagou pela segunda vez uma tença mensal de 20 mil euros mensais, mais de 13 vezes superior à primeira. O resultado foram umas dezenas de pastas com fotocópias cujo custo total ultrapassou 300 mil euros.

O caso está agora em julgamento no decurso do qual a ex-ministra explicou a contratação do irmão de Paulo Pedroso com «não identifiquei nenhum técnico superior para fazer esse trabalho», trabalho realizado pelo mano que consistiu nalguns milhares de fotocópias só possível, como é óbvio, com um «perfil abrangente».

Não há vestígios de indignações pelas bandas do Rato, ou mesmo por quaisquer outras bandas – fenómeno que aqui no (Im)pertinências convencionámos chamar Mutual Assured Distraction (MAD).

CASE STUDY: MST cansou-se de estar lúcido

Ainda recentemente relevei dois surtos de lucidez (aqui e aqui) de Miguel Sousa Tavares. Talvez porque a lucidez, sendo um exercício constante e exigente de racionalidade, é bastante cansativa, MST teve mais uma recaída e na sua última peça no Expresso, depois de lamentar a invasão da Europa pelas tribos bárbaras que «invocam a igualdade para colherem todos os benefícios do Estado social europeu para o qual não contribuíram», constrói mais uma teoria da conspiração a respeito da Alemanha ao arrepio de uma história que previamente o desmentiu.

A Alemanha nunca esteve especialmente interessada no aprofundamento da União (foram os americanos e os franceses, esperando contê-la) e muito menos na adopção de uma moeda única (foi o preço que teve de pagar aos franceses pela reunificação) e atribuir-lhe propósitos que não encontram suporte nas hesitações demonstradas pelos vários governos alemães é uma notória concessão de MST aos seus preconceitos e idiossincrasias, como se pode ler no excerto seguinte da sua peça no Expresso:

«Talvez um dia a história me desminta, mas, até lá, vou continuar a acreditar que o alargamento da Europa a Leste, até ao ingovernável conjunto de 28 países que hoje constituem a UE, foi um sábio plano premeditado pela Ale- manha para, de duas uma: ou liquidar a UE, tornando-a ingovernável, ou tomar conta dela, sob o pretexto de ser ingovernável. Premeditado ou não, o resultado foi uma Europa em que o poder foi conquistado por um directório onde mandam os ricos e poderosos, o euro foi posto ao serviço dos interesses monetários e económicos da Alemanha e, com a justificação de que, com as fronteiras abertas, todos os interesses nacionais ficaram ameaçados, enterrou-se qualquer ideia de solidariedade entre pares - substituído pela velha regra do "salve-se quem puder, que temos obrigações para com os nossos cidadãos, antes de mais". Tudo feito com a cumplicidade ou conivência de uma leva de políticos europeus absolutamente destituída de horizontes, de coragem, de sentido de responsabilidade perante os desafios - Berlusconi, Rajoy, Sarkozy, o patético Hollande, o nosso tão condecorado e honoris causado Durão Barroso. Todos marionetas nas mãos de Angela Merkel

Se a lucidez e a coragem intelectual de resistir aos preconceitos e às idiossincrasias é um exercício de grande dificuldade para as nossas elites, o que esperar de legiões de semiletrados que foram hoje para a praia ou irão votar numas eleições cujo propósito lhes escapa?

23/05/2014

Pro memoria (169) – a nacionalização do BPN não custou nada e o nada vai já em 4,5 6,5 7 mil milhões (VII)

Posts anteriores (I), (II), (III), (IV), (V) e (VI)

Recorde-se o que se passou e vai passar entre nós com o BPN (clique nos posts anteriores), um pequeno banco de 3.ª classe que irá custar aos contribuintes mais do que o défice de 2013 do Estado português, e compare-se com o banco italiano Monte dei Paschi di Siena, o terceiro maior em activos, desde há 2 anos intervencionado pelo governo italiano com um resgate de 4,1 mil milhões de euros, cujos accionistas decidiram esta semana aumentar o capital em 5 mil milhões e reembolsar desde já uma primeira parte do resgate.

Óropa – um clube com sócios de primeira e sócios de segunda?

A oportunidade será provavelmente a necessidade de uma resposta táctica ao crescimento do Front National, mas como o suporte eleitoral ao populismo nacionalista veio para ficar é bem provável que nos próximos anos o centro e direita franceses adoptem algumas das ideias que Nicolas Sarkozy lançou no final desta campanha para as eleições europeias: suspensão do livre circulação de pessoas (acordos de Schengen), revisão das políticas de emigração, fim da igualdade entre os Estados, redução dos poderes da Comissão Europeia e um directório de facto franco-alemão.

E por falar em directório franco-alemão, registe-se o histerismo do jornalismo de causas doméstico que antecipou o directório a partir da referência por Angela Merkel a uma posição conjunta que naquele contexto só podia obviamente dizer respeito à coligação governamental CDU-SPD.

Ainda que não seja previsível as ideias de Sarkozy na sua meridiana clareza entusiasmarem o governo alemão, vão certamente influenciar a evolução futura da União Europeia e as suas políticas e terão consequências sobretudo nos países da periferia cronicamente sob a ameaça de bancarrota auto-infligida.

22/05/2014

SERVIÇO PÚBLICO: O princípio da autodeterminação do povo ucraniano segundo o czar Vladimir Putin

Há 82 anos, Vladimir Vladimirovich Putin, tenente-coronel do KGB durante 16 anos antes do colapso do Império Soviético, no lugar de José Estaline também teria colectivizado a Ucrânia e obliterado pela fome 10 milhões de ucranianos com o Holodomor. Há 58 anos, no lugar de Nikita Khrushchev também não teria hesitado em invadir a Hungria e abortar a revolta contra o domínio soviético. Há 46 anos, no lugar de Leonid Brezhnev teria igualmente mandado o Inverno dos tanques interromper a Primavera de Praga.

Hoje, Vlamidir Putin aplica o princípio da autodeterminação dos povos promovendo um referendo para implantar a muito adequadamente baptizada República Popular de Donetsk e usando os processos a seguir descritos pela Economist.

«On May 11th, a balmy Sunday in Donetsk, people walked along the leafy boulevard, played with their children and sipped coffee in street cafés. Yet close by armed thugs in balaclavas guard a barricade fortified with barbed wire and tyres. A flag of the Donetsk people’s republic flutters atop an ugly ex-Soviet local government building. The city’s two realms seem separated by an invisible boundary.

The interior of the seized government building is a cross between a hostel for the homeless and a militant stronghold decorated with hate posters. Each floor has its own rules. “Attention: training of how to assemble and disassemble weapons on floor five.” Yet the rebels have left the running of the city and its utilities to local authorities, concentrating on commandeering arms and helping themselves to cars. The Donetsk rebellion seems like a cover for gangsters. On May 11th the rebels held a “referendum” on self-rule for the Donetsk people’s republic that was essentially a stunt. To create an illusion of mass attendance, the number of polling stations was reduced fourfold. In some cities, such as Mariupol, only four were open. The long queues that resulted were shown on Russian television throughout the day. “When I saw that everyone else was voting, I also went to vote,” one young man admits. Those who opposed the republic simply did not vote.

The leaders of the revolution are equally fake: few people had heard of them until recently. Roman Lyagin, who organised the votes, was involved in political shenanigans for Viktor Yanukovych’s Party of Regions. In 2006 he changed his name to register as a clone for the mayor. Denis Pushilin, self-proclaimed governor of the Donetsk republic, was involved in MMM, a notorious pyramid scheme that operated in Russia in the 1990s. Pavel Gubarev, a “people’s governor” fighting a “fascist junta” in Kiev, was once a member of Russian National Unity, Russia’s banned fascist organisation. A conversation reported by the Ukrainian security service found the party’s Russian leader, Alexander Barkashov, instructing one of the rebels how to conduct a referendum: “just write in the figure itself, say 89%”.

In many ways the referendum was run like a pyramid scheme. It drew people in and cynically exploited their frustrations, fears, anger and confusion. Having done their act, the leaders may now vanish. Mr Pushilin is said to have tried to leave already. His bodyguards, who follow him everywhere, may actually be his minders. But it is the men with guns who are in charge

21/05/2014

ACREDITE SE QUISER: E ninguém se ri? (2)

[Uma continuação daqui]

Pouco depois de apresentar os seus 80 compromissos que incluem «dois novos impostos, sobre fundos de investimento e sobre transacções financeiras» (via 4R), na sessão de encerramento da Convenção Novo Rumo (o nome adequado seria «Mais do mesmo») António José Seguro garantiu «fizemos as contas. Não aumentaremos os impostos».

Se António José Seguro não acredita nele próprio não admira que a Goldman Sachs também não e, por isso, antecipa que um governo PS teria uma agenda similar ao actual da coligação PSD-CDS (Económico).

Começo a acreditar que AJS está a ficar à altura do seu antecessor José Sócrates.

Exemplos do costume (22) – Ideias de Seguro para a Europa

António José Seguro acusa o governo de «não ter nenhuma ideia para a Europa». Tem toda a razão. Não é o caso dele que tem imensas ideias sobre o que a Europa deve fazer por nós, baseado no princípio da mutualização que consiste em Portugal responder pelos outros membros e os outros membros responderem por nós. Exemplos: as já conhecidas mutualizações da dívida pública e do subsídio de desemprego a que se junta a ideia mais recente - financiamento directo do Estado português pelo BCE.

Dirão os cépticos que seria uma mistificação países com dívidas públicas colossais como Portugal (129%) ou a Grécia (175%) disporem-se a garantir as dívidas de países como a Eslováquia (55%), Estónia (10%), Finlândia (57%), Letónia (38%) ou Luxemburgo (23%), na Zona Euro, ou, fora da Zona Euro, Bulgária (18%), Dinamarca (45%), Noruega (30%), Polónia (57%), República Checa (46%), Roménia (38%), Suécia (41%). Não é mistificação. É mutualização: os que não podem aos que não precisam e os que podem aos que precisam.

CAMINHO PARA A INSOLVÊNCIA: Here we go again (3)

Infelizmente, há uma lei de Murphy recorrentemente confirmada: quando uma coisa pode correr mal, vai correr mal. Uma vez mais, é o que parece poder concluir-se da SÍNTESE ECONÓMICA DE CONJUNTURA Abril de 2014 ontem publicada pelo INE.

Depois de três trimestres consecutivos a crescer, o PIB caiu 0,7% no 1.º trimestre deste ano, por razões que não têm muito a ver com as explicações do governo. É certo que se reduziram as exportações de combustíveis da GALP (paralisação técnica da refinaria de Sines); não é certo que as exportações da AutoEuropa se tenham reduzido e, em qualquer caso, o facto determinante terá sido o aumento de mais de 8% das importações.

O consumo privado (sobretudo de bens duradouros) continuou a aumentar, ao passo que a Formação Bruta de Capital Fixo registou reduções. É particularmente preocupante o comportamento da FBCF em máquinas e equipamentos que continua anémica, sendo certo que a indispensável recuperação do investimento terá a curto prazo um impacto negativo nas contas externas a somar ao aumento da importação de automóveis e bens de consumo, inevitável com o cheiro a fim de austeridade e a excitação dos animal spirits consumistas.

Estará a recuperação da economia comprometida? Não necessariamente. Mas a um ano da eleições, com o governo que começou por dizer estar nas tintas para as eleições e acabou a deixar-se condicionar pelo calendário eleitoral, as perspectivas não são famosas.

20/05/2014

À terceira é de vez. Nunca mais


Manifesto NUNCA MAIS


Impertinente                                                                 Pertinente

Chávez & Chávez, Sucessores (22) – Mais uma realização da revolução bolivariana

Os centros de tratamento de correspondência do Ipostel – os correios venezuelanos – entraram em colapso por excesso de correspondência para o estrangeiro cujo transporte foi suspenso pela IATA devido ao congelamento de mais de 4 mil milhões de dólares da venda de bilhetes pelas companhias de aviação internacionais.

19/05/2014

ACREDITE SE QUISER: E ninguém se ri?

António José Seguro, o líder do PS, o partido com maiores (mas não únicas) responsabilidades pela bancarrota do Estado,  único com aspirações a governar em alternativa à coligação PSD-CDS, apresentou as linhas gerais do futuro programa de governo com 80 compromissos dos quais apenas se conhecem 15.

Esses 15 compromissos para governar um país que, recorde-se, acaba de sair de um programa de resgate com uma dívida pública (líquida) duas vezes a máxima admitida no Tratado europeu, programa negociado e assinado pela mão do seu antecessor líder do PS, dividem-se em quatro grupos:

Compromissos encantatórios sem quaisquer consequências práticas mensuráveis
  • 4) lutar contra a fraude e a evasão fiscal 
  • 5) estabelecer um acordo de concertação estratégica 
  • 6) apresentar um plano de reindustrialização do país 
  • 7) criar uma estação oceânica internacional nos Açores 
  • 8) celebrar um pacto de emprego 
  • 10) separar o público e o privado no Serviço Nacional de Saúde 
  • 14) promover a reforma do Estado 
  • 15) lutar por uma nova agenda para a Europa 
Compromissos que reduzem as receitas do Estado
  • 1) acabar com a TSU dos pensionistas 
  • 9) não aumentar a carga fiscal 
Compromissos que aumentam a despesa do Estado
  • 2) revogar os cortes no Complemento Solidário de Idosos 
  • 3) não despedir na função pública 
  • 11) reduzir para metade a taxa de abandono na escolaridade obrigatória 
  • 12) recusar o plafonamento das contribuições para a segurança social 
Compromissos que são pura e simplesmente incompatíveis com os anteriores
  • 13) procurar que, no quadro do Tratado Orçamental, o país chegue a um saldo estrutural de 0,5% do PIB.


O facto de este «programa» não ter sido até agora objecto de riso mostra até que ponto este assunto é sério.

ACREDITE SE QUISER: Estes suíços são loucos

No referendo realizado ontem, mais de 2/3 dos suíços votaram contra um salário mínimo de 22 francos suíços por hora, o equivalente a um salário mensal de cerca de 3.000 euros.

Se a moda pegasse por cá seria veríamos reeditado o episódio ocorrido durante o 1.º governo provisório, que relatei aqui, com os partidos a digladiarem-se a propor referendar salários mínimos superiores ao rendimento médio per capita.

ESTÓRIA E MORAL: Trazer a verdade ao mundo

«O tema a dissecar eram os milagres de Fátima. Na altura de que falo, a URSS ainda não se convertera na Santa Mãe Rússia e o Vladimir Putin tinha como profissão agente do KGB. Outros tempos. Escreveram-se então vários textos. Aquele que me traz dizia isto mais ou menos. Estavam os pastorinhos a pastorear muito sossegados quando avistaram no cimo de uma azinheira uma senhora que vestia um manto azul de estrelas muito brilhante. Intrigados e, claro, um pouco assustados, aproximaram-se devagarinho da azinheira e puseram-se a olhar para cima para a senhora que estava pousada na árvore. Um deles, mais afoito, ousou dirigir-lhe a palavra. Perguntou-lhe: "Quem és tu?" A senhora sorriu, com um sorriso benigno e complacente, e disse: "Sou a Nossa Senhora e venho trazer a verdade ao mundo!" Ao ouvir aquelas palavras, o segundo dos pastorinhos deu uma cotovelada para o lado e comentou: "Outro marxista!"»

Ana Cristina Leonardo, «Recordar é viver», na Atual do Expresso

Pro memoria (168) – Heranças de décadas de políticas e incentivos errados

«O programa de ajustamento negociado no verão de 2011 termina a 17 deste mês. Não obstante eu ter uma opinião globalmente positiva sobre a sua natureza, implementação e consequências, é inegável que esteve associado a um aumento sem precedentes nas taxas de desemprego (que atingiu um pico de quase 18% no primeiro trimestre de 2013) e de destruição de emprego. Esta é uma herança que nos acompanhará durante muitos anos, pois os trabalhadores desempregados em resultado da destruição de empregos com baixas qualificações e baixa produtividade terão enormes dificuldades para encontrar um novo emprego.

Dada a magnitude do problema, nada mais adequado do que analisar fria e rigorosamente as suas causas. Um trabalho saído no volume de março do Journal of Macroeconomics da autoria dos economistas e professores das Universidades do Porto e NOVA de Lisboa, Anabela Carneiro, Pedro Portugal e José Varejão ('Catastrophic job destruction during the Portuguese economic crisis') [*], lança uma luz preciosa sobre os canais por detrás destes desenvolvimentos.

A queda do emprego (demais de 12%) foi o resultado do saldo entre os empregos criados (pelas empresas que continuam em actividade e pelas recém criadas) e o número de empregos destruídos (pelas empresas que continuam em actividade e por aquelas que encerraram). Mas o que diferencia esta recessão de outras, como a de 1993, é o enorme contributo para destruição de emprego associada ao encerramento de empresas. Para compreender o aumento do desemprego é portanto fundamental analisar porque encerraram tantas empresas.

Tendo esta constatação presente, o artigo referido analisa vários canais pelos quais a crise financeira terá afectado o mercado de trabalho português. Destaco dois: o canal de crédito e o canal da rigidez salarial. A segmentação dos mercados financeiros europeus fez com que a crise dos soberanos se repercutisse no financiamento das empresas; em consequência, as taxas de juro de novos créditos bancários a empresas começou a divergiu a partir de 2009. Os estudos estatísticos apresentados revelam, sem surpresa, que quanto mais caro for o acesso ao crédito para uma dada empresa maior é a probabilidade de ela encerrar; mais, e isto não seria óbvio: este impacto agravou-se substancialmente em 2009 e 2010, conduzindo a um acentuar das taxas de falência de empresas.

O canal da rigidez salarial resulta da impossibilidade dos salários nominais se ajustarem às condições depressivas dos mercados, deixando deste modo o volume de emprego como única via para as empresas ajustarem a sua factura laboral. Quanto maior a proporção da de trabalhadores de uma empresa cujo salário não pode ser reduzido, maior a probabilidade de essa empresa encerrar actividades. Esta rigidez resulta por uma lado da crescente incidência do salário mínimo (ele próprio significativamente aumentado no início da crise) e dos obstáculos pagar abaixo do colectivamente acordado. Como consequência, a percentagem de salários nominais congelados atingiu 76% em 2012, quando em 2009 a percentagem correspondente era 40%. (Note-se que nos EUA uma fracção de 7% já é considerada evidência de rigidez salarial.)

Como se costuma dizer, quem ignora os erros do passado está condenado a repeti-los no futuro.»

José Ferreira Machado, «Heranças», artigo de opinião no SOL de 10-05-2014

[*] Paper disponível no ScienceDirect por $35,95

18/05/2014

CASE STUDY: A atracção por Belém - a lista dos que não se excluem não pára de crescer (3)

Ponto de situação:
  • Professor António Sampaio da Nóvoa, uma invenção do Dr. Mário Soares, pode ser descartado a todo o momento 
  • Dr. Santana Lopes, está escrito nas estrelas, hesita entre 2016 e 2021 
  • Dr. António Capucho, já se mostrou disponível e para não haver dúvidas acaba de declarar que votará no PS 
  • Professor Francisco Louçã, o tele-evangelista, não se exclui 
  • Dr. Durão Barroso, aka José Manuel Barroso, tenta fazer-se desejado, já colocou o palito no bolo 
  • Eng. António Guterres, acaba de anunciar que em teoria nunca se sabe. 
E ainda,
  •  Professor Marcelo Rebelo de Sousa, só será candidato se Cristo descer à terra, mas como já desceu uma vez... 

Recordando a teoria conspirativa que inventei há 10 anos: é mais barato e mais agradável ser presidente da República do que líder da oposição, que implica suportar a travessia do deserto do poder, aguentar uma cambada de potenciais traidores escondendo as navalhas da traição nas calças da pouca-vergonha e suportar uma infinita corja de medíocres ansiando por uma sinecura, tudo isto apenas mitigado pelo séquito de seguidores incondicionais, que vai minguando, na medida em que mingua a esperança do governo de serviço cair.

17/05/2014

SERVIÇO PÚBLICO: Da próxima vez também não vai ser diferente

[Uma espécie de continuação de «Too big to fail» - another financial volcanic eruption in the making (1) e (2)]

Mesmo que não se confira uma autoridade especial a Nouriel Roubini pelo facto de ter sido dos pouquíssimos a antecipar que a crise subprime de 2006 nos EU iria desencadear uma crise financeira mundial que rebentou em 2008 e ainda hoje por aí andam os seus efeitos, convém, por isso mesmo, dar-lhe alguma atenção quando alerta em entrevista à Fox Business que poderemos estar no início de uma nova bolha de crédito.

Essa bolha de crédito está a ser gerada pelo Quantitative Easing da Fed e por taxas de juro próximo de zero que incentivam os investidores a procurarem aumentar os yields em aplicações de risco mais alto e a recorrer a novos instrumentos de garantia como as «PIK toggle notes». Recordemos os instrumentos prodigiosos gerados nos crânios da banca de investimento como os CDS, CDO e toda a restante parafernália que alavancaram o crédito até à estratosfera antes de desabar.

Não se espera que a bolha esteja prestes a rebentar, pode levar anos, mas estão criadas as condições para tão cedo a economia recomece a crescer, um novo surto de «exuberância irracional» e uma abundância de «dinheiro estúpido» conduza a coisas estúpidas.

É a consequência, como já aqui escrevi, da intervenção militante dos governos, resgatando indiscriminadamente bancos, anestesiando a percepção do risco com garantias elevadas de depósitos e injectando artificialmente liquidez com a impressora do Quantitative Easing, terapêuticas para debelar uma crise que criam as condições para gerar a próxima.

16/05/2014

TIROU-ME AS PALAVRAS DA BOCA: «Troika: um conveniente bode expiatório...»

É tão raro alguém publicamente desalinhar da lengalenga dominante sobre a «austeridade» e os «sacrifícios» que a Alemanha e/ou troika e/ou o neoliberalismo injustamente nos impuseram, engraxando desavergonhadamente as nossas piores fraquezas e a nossa falta de coragem de responder pelas nossas vidinhas, que devemos saudar quem recusa o discurso do facilitismo, como Aurora Teixeira, professora de Economia da Universidade do Porto nesta peça no Expresso:

«Falta um dia para a já célebre e muito festejada saída da troika. Segundo o vice-primeiro ministro, Paulo Portas, "o fim da troika é o fim de um ambiente depressivo" . O êxtase é secundado pelo primeiro-ministro, Passos Coelho, que rotulou 17 de maio de 2014 como o dia da reconquista pelos portugueses da liberdade de decisão do país! No seu tom habitual, Jerónimo de Sousa, secretário-geral do PCP, associa a anunciada 'saída limpa' da troika a 'um exercício de mistificação e mentira' . Já o PS e o seu líder, António José Seguro, que há alguns meses exigiam ao governo uma 'saída limpa', perderam, subitamente, a vontade de se juntarem aos festejos.

Pode-se dizer, em boa verdade, que a generalidade dos portugueses não parece nutrir grande simpatia pela troika. Recordando um estudo de opinião efectuado para o Instituto Europeu da Faculdade de Direito de Lisboa, de Maio de 2013, quase metade dos inquiridos era de opinião que o memorando com a troika nunca deveria ter sido assinado. Adicionalmente, para mais de um terço dos respondentes a troika demonstrou insensibilidade para com a situação da economia portuguesa, sendo que apenas 10% dos inquiridos aprovava que se cumprisse o acordado no memorando.

Emerge, do exposto, duas características bem típicas dos devedores: falta de memória e ingratidão.

É útil retornar um pouco atrás no tempo relembrando que a economia portuguesa, com uma base económica estruturalmente fraca, praticamente estagnou entre 2002 e 2011, tendo crescido apenas a uma taxa média anual de 0,45%. Mais grave, esta estagnação foi acompanhada por um hiato crescente entre a poupança e o investimento internos, traduzido em elevadas necessidades de financiamento externo.

Apenas a concretização do pedido de assistência financeira à União Europeia e ao FMI em abril de 2011 permitiu evitar uma situação iminente de incumprimento do Estado português perante os seus credores. Sem este apoio supranacional, o ajustamento da economia teria uma natureza bem mais abrupta, com implicações sobre o bem-estar dos portugueses muito mais adversas que as que se verificaram ao longo destes 3 anos de 'austeridade'.

Parece, assim, excessiva as 'celebração' pela saída da troika, cedendo-se irracional e hipocritamente à tentação de apontar esta última como a culpada de todas as maleitas que Portugal vem padecendo. Tal como os judeus constituíram, durante o período nazista, um 'conveniente' e propagandístico bode expiatório, tendo sido apontados como os únicos culpados pelo colapso político e pelos problemas económicos da Alemanha, também em Portugal a troika alcançou, nestes últimos 3 anos, similar estatuto.

É da mais elementar honestidade intelectual que reconheçamos que o problema essencial que esteve (está!) na base das debilidades da economia portuguesa, e que já existia antes da crise financeira internacional de 2008, é o da fraca produtividade (e, por decorrência, competitividade). Esta fraca produtividade tem múltiplas causas, todas elas da 'nossa' (governo, instituições, empresas e cidadãos) exclusiva responsabilidade: existência de elevados custos de contexto (preços da energia e das comunicações superiores às médias comunitárias), sistema judicial lento e incompetente, baixa qualidade média dos nossos políticos, gestores e trabalhadores, ineficiente sistema de ensino e investigação, onde o empenho, o mérito e a exigência não são devidamente incentivados ou reconhecidos.

Em vez de procurarmos bodes expiatórios reflictamos sobre as palavras do intemporal Eça de Queirós que nos demonstram quão estruturais e enraizadas são as fragilidades económicas e sociais de Portugal:

"Em Portugal não há ciência de governar nem há ciência de organizar oposição. Falta igualmente a aptidão, e o engenho, e o bom senso, e a moralidade... A ciência de governar é neste país uma habilidade, uma rotina de acaso, diversamente influenciada pela paixão, pela inveja, pela intriga, pela vaidade, pela frivolidade e pelo interesse." (in Distrito de Évora, 1867).

"Nós estamos num estado comparável ... à Grécia: mesma pobreza, mesma indignidade política, mesmo abaixamento dos caracteres, mesma ladroagem pública, mesma agiotagem, mesma decadência de espírito, mesma administração grotesca de desleixo e de confusão. (...) quando se quer falar de um país católico e que pela sua decadência progressiva poderá vir a ser riscado do mapa - citam-se ao par a Grécia e Portugal. Somente nós não temos como a Grécia uma história gloriosa, a honra de ter criado uma religião, uma literatura de modelo universal e o museu humano da beleza da arte." (in Farpas, 1872).

Conhecendo os devaneios eleitoralistas dos nossos atuais e/ou potenciais governantes e a miopia dos eleitores, é minha convicção que as famigeradas reformas estruturais (incluindo reformas do mercado de trabalho, do sistema judicial, dos sectores das indústrias em rede, habitação e serviços), para aumentar o potencial de crescimento, criação de emprego e melhoria da competitividade, já eram... Creio que vou ter saudades da troika!»

15/05/2014

Nem sempre a ortodoxia é o contrário da heterodoxia

A propósito da heterodoxa Conchita Wurst e da sua performance na Eurovisão, a Igreja Ortodoxa Russa condenou os homens de saias com barbas.

Meia dúzia de Conchitas ortodoxas

[Visto aqui via Insurgente]

14/05/2014

Um governo à deriva (18) - Uma coligação destas dispensa a oposição (III)

Cortesia do Impertinente
Quase três anos depois da posse do governo e decorridos quinze meses do anúncio da criação «muito proximamente» de um guião/argumentário (esta do argumentário é impagável) da reforma do Estado, o inefável Dr. Paulo Portas disse ontem - sem se rir - que «aqui e ali há quem diga que a reforma do Estado, ou no Estado, devia ter sido feita antes, mas eu pergunto com toda a sinceridade aos cidadãos se acham que certas reformas essenciais para o nosso futuro colectivo deviam ter sido discutidas com a troika cá dentro, ou devem ser discutidas no momento em que Portugal ganha a sua autonomia, recupera a sua soberania, desde que nós tenhamos a maturidade e o sentido de responsabilidade de procurar consenso político e negociação social».

Acontece que até um marciano aterrado ontem para receber o baptismo do Papa Francisco, que tivesse lido durante a viagem o relatório das secretas marcianas sobre Portugal, teria percebido que com a troika por cá de carteira na mão foi o que se viu em matéria de reformas. Com a troika lá fora as reformas ficarão adiadas até à 4.ª intervenção.

Entretanto, a ministra da Agricultura, colega do Dr. Portas e representante do “S” no CDS, no melhor estilo ancien régime, vai hoje a uma fábrica de tomate «para presidir à formalização da parceria entre a empresa e a McDonald's» para o fornecimento de 1.000 toneladas de ketchup.»

O título mais estúpido do ano (até agora) para um texto que consegue superá-lo (outra vez)

Concedo que a notícia focada pelo Com jornalismo assim, quem precisa de censura?... tem um título e um texto ainda mais estúpido do que aquele que o meu post anterior focou.

O título da RTP «Portugal importou três vezes mais do que exportou» estava de acordo com a “notícia” da Lusa: «Portugal importou, no primeiro trimestre de 2014, três vezes mais bens do que aqueles que vendeu ao exterior, com as importações a aumentarem 6% e as exportações a cresceram apenas 1,7% em termos homólogos» o que mostra não ser um mero lapso no título mas antes mais uma consequência da maldição da tabuada que aflige o nosso jornalismo de causas em geral e, neste caso, oficial (RTP + Lusa).

Na verdade a notícia referia-se a um Destaque do INE publicado nesse dia onde logo nas primeiras linhas se podia ler «as exportações de bens aumentaram 1,7% e as importações de bens 6,0% no 1º trimestre de 2014, face ao período homólogo (+5,2% e +7,5% respetivamente no período de dezembro de 2013 a fevereiro de 2014» e no primeiro quadro da 2.ª página se podia ver o disparate: o valor dos bens importados no período foi 14.333,9 contra 11.734.3 milhões de euros dos exportados, isto é uma proporção 1:1,2.

13/05/2014

ARTIGO DEFUNTO: A arte de bem titular (6)

«Ajudas a Portugal e Grécia foram resgates aos bancos alemães»


Foi este o título escolhido pelo Pravda Público para a entrevista a Philippe Legrain, conselheiro económico de Durão Barroso, até Fevereiro, que publicou recentemente “European Spring: Why our Economies and Politics are in a mess”. Para situar Legrain no espectro doutrinário, baseado apenas na entrevista, já que não conheço a obra do homem, diria que é adepto de um keynesianismo mitigado, defende o perdão da dívida pública e privada, a mutualização da dívida pública e a adopção do quantitative easing pelo BCE. Defende tudo isto com alguma inteligência, umas pitadas de pensamento milagroso e aqui e ali descartando os factos que não encaixam na sua abordagem.

Seriam possíveis dezenas de títulos para esta peça com a entrevista, mas a jornalista de causas do Público em Bruxelas, ou alguém por ela, escolheu um propositadamente manipulador porque, como dizia o poeta Aleixo a mentira para ter alcance e profundidade, tem que trazer à mistura alguma verdade. E a verdade é que os bancos alemães detinham dívida pública portuguesa e grega e não estavam nada interessados em registar imparidades e isso era (e é) uma preocupação do governo alemão.

Mas a verdade é também que os bancos alemães deteriam quando foi aprovado o PAEF uma fracção da dívida pública portuguesa muito inferior à da banca portuguesa (ver este post com a repartição da dívida em Fevereiro deste ano) cujos activos representavam uma percentagem insignificante dos activos da banca alemã. Ou seja, a exposição da banca alemã à dívida pública portuguesa era irrelevante, ao contrário da exposição da banca portuguesa que tinha potencialidade de fazê-la implodir.

Àquele facto deve adicionar-se um outro, citado por Teixeira dos Santos, numa entrevista já antiga (quando ainda era objecto do ódio de estimação dos socráticos), retransmitida ontem na Grande Reportagem da SIC, de o pedido de assistência ter sido despoletado pela incapacidade dos bancos portugueses continuarem a comprar a dívida pública (eram os únicos que o faziam nessa altura e deixaram de o poder fazer porque o BCE deixou de aceitar as OT portuguesas como colateral para financiar os bancos portugueses).

Considerados esses dois factos, para ficar por aqui, o título mais adequado teria sido:

«Ajudas a Portugal foram resgates aos bancos portugueses»


Título tão mais adequado quanto nos 3 anos seguintes a banca portuguesa, autoconsiderada em estado de boa saúde, começou a desfazer-se e os bancos a pedirem dinheiro ao governo - o único dos grandes que não o fez então (BES), veio passado 3 anos a mostrar-se em estado tão crítico como os outros.

12/05/2014

Estado empreendedor (82) - o aeroporto que só abre aos domingos (5)

[Continuação de outras aterragens: aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui]

Notícia de hoje da TVI que num país normal determinaria a inimputabilidade e consequente hospitalização do Dr. Pita Ameixa:

«O deputado do PS Pita Ameixa questionou esta segunda-feira o Governo sobre o interesse dos Estados Unidos da América (EUA) na Base Aérea de Beja, exigindo que novas utilizações da infraestrutura «não ponham em causa» o desenvolvimento do aeroporto.

Numa pergunta dirigida ao ministro da Defesa Nacional e enviada à agência Lusa, o deputado quer saber se o Governo «confirma o interesse» e «em que termos» dos EUA na Base Aérea n.º 11, onde, «à parte», está instalado o aeroporto de Beja.

«Ainda que incrivelmente desprezado pelo Governo», o aeroporto de Beja «pode vir a ter, no futuro, um alto significado e grande impacto no desenvolvimento económico-social» da região, frisa Pita Ameixa, perguntando se o Governo «garante que novas utilizações militares» da Base Aérea n.º 11 «não contendem com o desenvolvimento do aeroporto».»

Recapitulação da saga do aeroporto que só abre aos domingos:

Ao princípio era o verbo do Eng. José Sócrates: mais de um milhão de passageiros até 2015 e o investimento seria recuperado nos 10 anos seguintes. Era o multiplicador socialista a funcionar de acordo com o estudo «Plano Regional de Inovação do Alentejo» da autoria de Augusto Mateus – um ex-ministro socialista da Economia do 1.º governo de Guterres que nos últimos tempos tem tentado sacudir a água do capote dos seus estudos «multiplicativos».

Hoje o aeroporto de Beja é o desastre que qualquer alma com um módico de realismo anteciparia: 1.200 passageiros este ano à razão de 4 por dia. Desastre que qualquer observador mesmo a muitas horas de voo, como o euobserver.com, percebeu perfeitamente e escreve uma notícia com título, onde só a interrogação está a mais, que dispensa o texto - «Beja airport: A runway to nowhere?» Isso não impede o presidente da câmara de Beja de continuar a delirar (veja-se a partir do minuto 2 este vídeo).

CASE STUDY: formação pós-graduada a la bolognesi (8)

[Outras bolognesi (1), (2), (3), (4), (5), (6) e (7)]

Quase desde a fundação que este é um dos temas predilectos do (Im)pertinências. É por isso que aguardo sempre com ansiedade a publicação do prestimoso guia «Pós-graduações e mestrados» do Expresso. Uma vez mais, a minha expectativa não foi defraudada.

Passámos de 1.500 «propostas de formação pós-graduada» em 2005 para mais de 2.500 em 2012. Quem tivesse imaginado que da «austeridade» e dos «sacrifícios» resultaria um desbaste substancial no número de «propostas» pode tirar o cavalinho da chuva. No guia de 2014 ainda sobrevivem mais de 2.000 «propostas», incluindo alguns exoterismos tais como: «Comunicação de tendências»; «Estudos inter-artes no espaço anglófono»; «Adopção e apadrinhamento civil»; «Ecologia da Paisagem»; «Surf»; «Gestão Estratégica de Eventos»; «Direito à Alimentação e Desenvolvimento Rural»; «Cinema de Autor»; «Acupuntura Veterinária»; «Humanistic Coaching»; «Advanced Cooking».

Repetindo-me: não é preciso ser-se um especialista em pós-graduações para se perceber que, num país que se fosse uma cidade não estaria no top ten, a pletora destas propostas e a irrelevância da maioria delas constituem um imenso desperdício de recursos, só possível por via dos subsídios, no caso das universidades públicas, e, no caso das universidades privadas, pela falta de qualidade das «propostas», falta que tem poucas ou nenhumas consequências quando o que se procura são canudos e não competências.

11/05/2014

CASE STUDY: Um imenso Portugal (11)

Ao ler o post do outro contribuinte sobre o mito do aumento do nível salarial melhorar o nível de vida dos trabalhadores, resolvi acrescentar mais um episódio a esta minha saga de «Um imenso Portugal», uma espécie de aditamento a este outro onde tratei da produtividade total brasileira – o imenso problema que aflige o Brasil mais do que Portugal, o que, também por isso mesmo, faz desse país um imenso Portugal.

Comparemos a evolução da produtividade do trabalho do Brasil nos últimos 50 anos com outros dois BRICS (China e Índia), a Coreia do Sul (separada à nascença da irmã do Norte que o comunismo transformou em aborto) e o Chile (onde um golpe militar derrubou um governo minoritário que pretendia implantar o comunismo e instaurou uma ditadura com a particularidade de ter tido resultados completamente diferentes de todos os muitos golpes militares seguidos de ditadura na América do Sul).

«A soneca brasileira»
«Apart from a brief spurt in the 1960s and 1970s, output per worker has either slipped or stagnated over the past half century, in contrast to most other big emerging economies (see chart). Total-factor productivity, which gauges the efficiency with which both capital and labour are used, is lower now than it was in 1960. Labour productivity accounted for 40% of Brazil’s GDP growth between 1990 and 2012, compared with 91% in China and 67% in India, according to McKinsey, a consultancy. The remainder came from an expansion of the workforce as a result of favourable demography, formalisation and low unemployment. This will slow to 1% a year in the next decade, says Mr Bonelli. If the economy is to grow any faster than its current pace of 2% or so a year, Brazilians will need to become more productive.»

Para dar um pouco de substância à aridez do gráfico e à abstracção dos comentários da Economist, tomemos a estória contada pelo texano que geriu um restaurante no festival Lollapalooza em S. Paulo: para ter 10 trabalhadores temporários teve que contratar 20; apesar disso (e agora vem o factor gestão) o restaurante conseguiu servir um dose em cada 15 segundos contra uma dose em cada 2 ou 3 minutos dos restaurantes vizinhos geridos por locais.

DEIXAR DE DAR GRAXA PARA MUDAR DE VIDA: O requentado gosto pelo eufemismo na linguagem e pelo nacional-graxismo dos políticos portugueses

O presidente do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, fez o favor de alertar os avestruzes dos políticos portugueses a propósito da tão celebrada «saída limpa» de que «se correr mal, esqueçam o cautelar, terão de pedir outro programa».

Para Santana Lopes, um paradigma do melhor e do pior que tem para nos oferecer o PSD, as palavras de Dijsselbloem são «esdrúxulas» e «infelizes». Eu diria mesmo mais, as palavras de Lopes são, por seu turno, paroxítonas ou graves e um exemplo de falta de coragem e do graxismo endémico dos nossos políticos.

10/05/2014

Dúvidas (40) – E a «austeridade» e os «sacrifícios» não tiveram influência?

«Os casos de crianças e jovens com perturbações mentais não tem parado de aumentar. Só no ano passado, 19.214 foram pela primeira vez a uma consulta de pedopsiquiatria, o que corresponde a um aumento de 30% face a 2011.

A depressão está na origem de pelo menos um quarto dos novos casos. Alterações sociais registadas nas últimas décadas como o crescimento dos divórcios e dos novos modelos de família ajudam a explicar o aumento do problema em Portugal.» (Expresso)

O crescimento dos divórcios? Os novos modelos de família? Estes instrumentos de libertação do jugo da família tradicional (isto é da família) contribuem para a depressão das criancinhas? Esta peça cai muito mal no discurso politicamente correcto. E cai ainda pior na narrativa da «austeridade» e dos «sacrifícios», a menos que se consiga ligar a crise da família ao «neoliberalismo» do casal governo-troika.

É preciso puxar pelos neurónios senhores jornalistas de causas. Vá lá uma ajudinha: então não é verdade que a «austeridade» e os «sacrifícios» que nos são impostos impedem que dotemos as nossas crianças de nintendos, playstations, barbies, action men, smartphones e tudo aquilo que são direitos adquiridos das portuguesas e dos portugueses mais novos a incluir no artigo 36.º da Constituição numa próxima revisão?

ACREDITE SE QUISER: Quinto Império – o Portugal Maior

A doutrina Putin - as fronteiras são as fronteiras da língua - deve ser para os portugueses
uma inspiração  na construção do Quinto Império - Portugal Maior segundo a Economist.

Mitos (168) – Aumentar o nível salarial melhora o nível de vida dos trabalhadores

Este é talvez um dos mitos mais populares da esquerda (e da direita estatista). Em parte, porque parece um truísmo – pois não é verdade que, se os salários aumentarem, o poder de compra aumentará na mesma proporção e os trabalhadores passarão a ter acesso a mais bens e serviços? E em parte porque, de facto, durante algum tempo assim é – até que, na ausência de melhoria da produtividade, uma combinação de inflação e aumento das importações e do défice das contas externas e consequente endividamento anularão esses ganhos.

E é assim por uma razão muito simples: a produtividade não depende do salário. A produtividade do trabalho depende da qualidade dos recursos humanos e do capital público e privado e a produtividade total dos factores (Total factor productivity ou multi-factor productivity, isto é a parte do output de produto que não resulta do inputs de trabalho e capital, estimada com base no resíduo de Sollow) depende do nível tecnológico.

Por essa razão, como aqui mostra Mário Amorim Lopes no Insurgente, os nossos salários são baixos porque não podem deixar de ser baixos porque, por insuficiência ou má qualidade dos factores de produtividade, baixa é a nossa produtividade. E, pior do que baixa, a produtividade não mostra tendência sustentada para melhorar em relação à média EU27 (veja-se o post do Impertinente «Se queremos alinhar o salário mínimo com a Óropa devemos diminui-lo»).

09/05/2014

Um governo à deriva (16) – Não entregaram a carta a Garcia e dão outro tiro no pé

«Não é a primeira vez que o governo se deixa enredar nas suas próprias armadilhas (leia-se estratégia decisão e de comunicação), a carta de intenções que esteve para ser um mini-memorando e que ainda nem sequer estará negociada com o FMI, é mais um exemplo, desnecessário, de uma trapalhada que só serve para criar ruído a vinte dias das eleições europeias.

Quando o Governo anunciou o fecho da 12ª e última avaliação da ‘troika', disse tudo o que tinha de anunciar, as (não) reformas, o aumento de impostos, a devolução de salários e pensões no Estado. Mas não disse, e deveria ter dito, que um memorando teria sempre de ter um documento de encerramento, em particular com uma entidade não europeia que continuará a ser credor do País por muitos e bons anos e não tem capacidade de vigilância das decisões de política interna como o BCE e a Comissão Europeia, ao abrigo dos novos regulamentos comunitários.

Qual é, então, o problema? É um problema de credibilidade, que o Governo voltou a desvalorizar, como desvalorizou as promessas de não aumento de impostos e o anúncio do agravamento da TSU e do IVA. Não são aumentos marginais, nem decimais, são centenas de milhões tirados à economia privada para financiar uma decisão política de mais despesa pública. Apesar disso, o problema é outro, é de princípio.

Agora, com a carta de intenções, tudo indica idêntica à que a Irlanda também assinou, os portugueses desconfiam. É razoável que o façam, tendo em conta o que se passou nas últimas semanas. Por isso, o Governo deveria matar o assunto, divulgando a dita carta assim que estiver negociada e fechada com o FMI. Se a 12ª avaliação já fechou, e todos a deram como concluída, o que falta? Se não o fizer, será necessariamente uma pedra no sapato, um elefante no meio de uma sala, a da campanha eleitoral para as europeias.»

António Costa, no Económico

DIÁRIO DE BORDO: A beleza da decadência e da irrelevância


Roma, uma entre poucas cidades que decaem com dignidade e beleza, é um cenário ideal para situar a decadência do diletante Jep Gambardella e dos seus amigos vista pela câmara de Paolo Sorrentino. La grande bellezza, não sendo profundo nem impressionante, é agradável à vista.