«O programa de ajustamento negociado no verão de 2011 termina a 17 deste mês. Não obstante eu ter uma opinião globalmente positiva sobre a sua natureza, implementação e consequências, é inegável que esteve associado a um aumento sem precedentes nas taxas de desemprego (que atingiu um pico de quase 18% no primeiro trimestre de 2013) e de destruição de emprego. Esta é uma herança que nos acompanhará durante muitos anos, pois os trabalhadores desempregados em resultado da destruição de empregos com baixas qualificações e baixa produtividade terão enormes dificuldades para encontrar um novo emprego.
Dada a magnitude do problema, nada mais adequado do que analisar fria e rigorosamente as suas causas. Um trabalho saído no volume de março do Journal of Macroeconomics da autoria dos economistas e professores das Universidades do Porto e NOVA de Lisboa, Anabela Carneiro, Pedro Portugal e José Varejão ('Catastrophic job destruction during the Portuguese economic crisis') [*], lança uma luz preciosa sobre os canais por detrás destes desenvolvimentos.
A queda do emprego (demais de 12%) foi o resultado do saldo entre os empregos criados (pelas empresas que continuam em actividade e pelas recém criadas) e o número de empregos destruídos (pelas empresas que continuam em actividade e por aquelas que encerraram). Mas o que diferencia esta recessão de outras, como a de 1993, é o enorme contributo para destruição de emprego associada ao encerramento de empresas. Para compreender o aumento do desemprego é portanto fundamental analisar porque encerraram tantas empresas.
Tendo esta constatação presente, o artigo referido analisa vários canais pelos quais a crise financeira terá afectado o mercado de trabalho português. Destaco dois: o canal de crédito e o canal da rigidez salarial. A segmentação dos mercados financeiros europeus fez com que a crise dos soberanos se repercutisse no financiamento das empresas; em consequência, as taxas de juro de novos créditos bancários a empresas começou a divergiu a partir de 2009. Os estudos estatísticos apresentados revelam, sem surpresa, que quanto mais caro for o acesso ao crédito para uma dada empresa maior é a probabilidade de ela encerrar; mais, e isto não seria óbvio: este impacto agravou-se substancialmente em 2009 e 2010, conduzindo a um acentuar das taxas de falência de empresas.
O canal da rigidez salarial resulta da impossibilidade dos salários nominais se ajustarem às condições depressivas dos mercados, deixando deste modo o volume de emprego como única via para as empresas ajustarem a sua factura laboral. Quanto maior a proporção da de trabalhadores de uma empresa cujo salário não pode ser reduzido, maior a probabilidade de essa empresa encerrar actividades. Esta rigidez resulta por uma lado da crescente incidência do salário mínimo (ele próprio significativamente aumentado no início da crise) e dos obstáculos pagar abaixo do colectivamente acordado. Como consequência, a percentagem de salários nominais congelados atingiu 76% em 2012, quando em 2009 a percentagem correspondente era 40%. (Note-se que nos EUA uma fracção de 7% já é considerada evidência de rigidez salarial.)
Como se costuma dizer, quem ignora os erros do passado está condenado a repeti-los no futuro.»
José Ferreira Machado, «Heranças», artigo de opinião no SOL de 10-05-2014
[*] Paper disponível no ScienceDirect por $35,95
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