18/09/2018

CASE STUDY: Quem manda na câmara de Lisboa (1)

Nota prévia: nesta série de posts citam-se fragmentos da entrevista do jornal SOL a Fernando Nunes da Silva, antigo vereador; esta série pode ser lida como sequência de uma outra série Câmara de Lisboa, uma aplicação prática da lei de Parkinson.

«Saí no final do mandato de 2013, por uma razão extremamente simples e compreensível: o Manuel Salgado na altura fez um xeque-mate ao António Costa em que exigiu ficar com todas as obras e com todo o pelouro das Obras, inclusivamente com a rede viária: ‘Ou é tudo ou nada’, são palavras textuais dele. (...)

Estamos a falar de 2011 e isso era importante porque havia um conjunto de obras relativamente emblemáticas e do ponto de vista mediático com uma certa força - a Casa dos Bicos, a Casa-Museu Júlio Pomar, os Terraços do Carmo do Álvaro Siza -, onde eu tinha levantado algumas objeções a alguns caprichos dos senhores arquitetos que implicavam uma duplicação dos custos iniciais das obras, que eu achava que não devia transigir acerca disso. Na altura, o Manuel Salgado, que era a responsável por esse projeto, achava que isso podia pôr em causa a conclusão dessas obras emblemáticas. Por outro lado, tinha havido um desaguisado bastante forte sobre aquele antigo restaurante de Monsanto, o Panorâmico, onde se queria fazer o quartel central do Regimento de Sapadores de Bombeiros, com um investimento de 40 milhões de euros, uma coisa completamente louca, com três caves escavadas em rocha, em que todos os bombeiros tinham um lugar de estacionamento privativo - um custo completamente faraónico e eu disse: ‘Nem pensar’. Disse que não assinava aquele tipo de despesa. Portanto, havia esse tipo de coisas e  Costa acedeu ao ultimato de Manuel Salgado que ficou com o pelouro todo das Obras. (...)

A partir do momento em que no mandato de 2013/17 há maioria absoluta quer na câmara, quer na Assembleia Municipal (AM), isto foi o descalabro. O Salgado, que é o verdadeiro presidente da câmara - o Medina é apenas um porta-voz - faz o quer.  (...)

O Medina não manda nada. O Medina em termos de município de Lisboa não vale nada. Isto é, não conhece Lisboa, não tem a cultura de Lisboa e para ele Lisboa é apenas um lugar de recuo porque por vários motivos não pôde ir mais longe a nível do PS, era demasiadamente próximo de Sócrates, e, por outro lado, neste momento é um trampolim para outros voos. (...)

(...) tem de haver um projeto e uma visão, o que nunca se ouviu. O único que tem um, de facto, é o Salgado. E tinha tão forte que o Manuel Maria Carrilho - o Salgado era para ser o número dois do Carrilho - quando se candidatou à Câmara de Lisboa não o aceitou nas listas. O Salgado tinha um projeto de cidade perfeitamente definido e ele queria ser o protagonista e portanto houve um choque de dois egos. Quando o Costa concorreu à câmara aceitou as exigências do Salgado porque naquela época o grupo Espírito Santo foi extremamente influente no PS. E o Costa partiu para aquelas eleições, em 2007, numa situação extremamente frágil, a competir com uma pessoa altamente carismática e com um nível de penetração nas camadas populares de Lisboa fortíssima como era o caso de Santana Lopes, que tinha ganho a João Soares. O Costa assume esse combate e precisa de apoios, não só financeiros mas do ponto de vista da chamada rede de suporte de candidaturas com este peso. E isso veio a verificar-se, alguns dos meus erros políticos na câmara aconteceram quando não soube que o grupo Espírito Santo tinha interesse nos hotéis Tivoli e numa série de terrenos e comecei a votar contra as propostas urbanísticas na CML sobre isso, e aí assinei a minha sentença de morte. Não nos podemos esquecer de que Manuel Salgado é primo direito de Ricardo Salgado e sempre foram muito próximos. (...)

CONTINUA

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