03/10/2016

Crónica da anunciada avaria irreparável da geringonça (51)

Outras avarias da geringonça.

Entre as múltiplas realizações da geringonça devemos creditar-lhe a descida de 8 posições, de 38.ª para a 46.ª, no  ranking «Global Competitiveness Report 2016–2017» do World Economic Forum. Porquê? Impostos, instabilidade política e burocracia - neste último indicador a geringonça chutou Portugal para 109.º em 130 países.

Por tudo isto, quem se admira que o yield das obrigações do Tesouro a 10 anos tenha atingido a semana passada um máximo de 3,52%? Ou que a UBS considere que a dívida portuguesa «still not worth the risk». E a propósito, comparem-se os yields a 10 anos de Portugal com a Espanha que continua sem governo.
Portugal vs Espanha (OT 10 anos)
Quando ouvimos o governo exaltar a execução orçamental até Agosto convém reparar que se trata da execução em contabilidade pública onde, entre outras coisas, não encontramos mais de 1,1 mil milhões de pagamentos em atraso de entidades públicas, sem esquecer que a grande bandeira da esquerdalhada (o investimento público e o seu miraculoso multiplicador) está arreada, porque, entre cumprir o seu programa e disparar o défice pondo em risco a torneira de Bruxelas, o governo meteu o investimento na gaveta, com o acordo tácito da geringonça. Ah, e há, claro, as cativações aquele zingarelho usado por Centeno para travar tudo o que não são despesas com remunerações, o que a prazo garante a paralisia de uns serviços públicos repletos de funcionários mas sem meios, nem equipamento, nem sistemas.

Um exemplo referido pelo Expresso: «dos 1.031 milhões de obras lançados este ano, apenas 400 milhões foram assinados», o que entre outros efeitos reduz a possibilidade de aproveitar uma parte dos fundos europeus cuja disponibilidade depende da comparticipação portuguesa que não é feita.

E assim chegámos a uma constatação divertidíssima: enquanto a geringonça, que jurava que o investimento público era o alfa e o défice o ómega da sua governação, passou o défice a alfa e o investimento a ómega, a oposição faz o inverso.

Aliás, o pináculo da contradição, citando Helena Garrido, é que «a política orçamental de 2016 está a ser mais restritiva do que a de 2015 (...) se usarmos a medida mais simples de avaliar a restritividade de uma política orçamental, o saldo primário (diferença entre receitas e despesas sem os juros)». E esta heim? É a boa austeridade socialista, por definição oposta à má austeridade «neoliberal», como dizem os imbecis.

Lembram-se da «reposição das 35 horas» que não teria impacto na despesa? Nos últimos 12 meses o SNS contratou 3.861 médicos, enfermeiros e administrativos (fonte jornal SOL).

Quanto à economia real, com há uns anos se dizia, continua mal, obrigada. E continuará, quando se sabe que o crédito vencido em empresas não financeiras continua a aumentar (está em 16,7%) e, sobretudo, o mesmo acontece às empresas exportadoras (está em 7%). Ao mesmo tempo que a variação anual dos empréstimos às empresas não financeiras diminuiu uma vez mais. O resultado num sector privado descapitalizado é fácil de antecipar: não há crescimento da actividade económica.

Como se torna cada vez mais claro, a geringonça é um passivo para o PS, com excepção de Costa e da nomenclatura que o rodeia empoleirada nos lugares disponíveis. É um activo valioso, em primeiro lugar para o próprio Costa prolongando-lhe a vida política, mas sobretudo para os comunistas e os bloquistas que vão impondo a sua agenda, principalmente bloquistas, sem pagar por isso qualquer preço. Se correr bem, é mérito deles; se correr mal, a responsabilidade é do governo. Quando as coisas tiverem o desfecho provável de um novo resgate, uns e outros lavarão daí as mãos. Entretanto, vão facturando o seu apoio, como fez Jerónimo de Sousa avisando: «este Governo e a sua política irão tanto mais longe quanto mais atenderem às reivindicações, às aspirações dos trabalhadores e do povo», leia-se às condições do PCP.

A adicionar à realidade que vai negando, ao espartilho de Bruxelas e às exigência de comunistas e bloquistas vêem-se agora uns sinais de fumo de Belém, onde o presidente dos afectos começou a intercalar o equilibrismo em que é mestre com os avisos à navegação. O último foi o veto à informação ao fisco dos saldos superiores a 50 mil euros que o governo tinha metido à boleia da transposição de uma directiva comunitária. Por agora, nada de grave. O veto funciona até como desculpa de Costa aos seus parceiros da geringonça.

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