26/12/2013

DEIXAR DE DAR GRAXA PARA MUDAR DE VIDA: A fábula do surto inventivo que nos assola (4)

Outros posts sobre a mesma fábula: 08-08-2010; 28-11-2010; 28-11-2012; 08-12-2013; 16-12-2013.

A propósito dessa fábula, citei no último post a entrevista do Expresso a Mariano Gago lamentando a falta de investimento na ciência e a «fuga de cérebros». Por isso, foi com curiosidade que, via uma Bomba de Ouro, li «O “emprego científico” Um manifesto contra o “emprego científico”» de Humberto Brito, onde essa entrevista é também comentada, do qual destaco em particular o seguinte excerto:

«Longe, aliás, vão os tempos em que havia académicos tout court. Em vez de jovens académicos, hoje temos “investigadores” — e ai do docente que não der provas claras de “investigação”. Colóquios, seminários, tertúlias, noites de fado: tudo, hoje, “reuniões científicas”; e ai de quem não receber um atestado de presença. Sendo tudo pago pela FCT, e como tudo o que é pago pela FCT conta como investigação, tudo conta como investigação desde que lhe chamemos investigação para que seja pago pela FCT. E deste modo colóquios, seminários, tertúlias, noites de fado (tudo, já se sabe, “reuniões científicas”) contam como investigação, não obstante as diferenças óbvias entre colóquios, seminários, tertúlias e noites de fado, e não obstante as diferenças entre bons e maus colóquios, bons e maus seminários, bons e maus livros, bons e maus artigos científicos, etc. Desde que sejam “reuniões científicas” e, de preferência, “internacionais”, irão parar infalivelmente aos “indicadores de produção científica”. (“E se tiver estrangeiros, mas for feito aqui,” pergunta sempre uma voz na sala, “também conta como internacional, não é?”) É talvez por malabarismos deste género que as Humanidades não são suficientemente respeitadas em Portugal enquanto Humanidades. Talvez. Não sei. Posso muito bem estar errado.:

Apavorados acerca do seu futuro individual, não admira que muitos dos meus colegas queiram tratar a sua relação com a Universidade como uma simples questão laboral. Enquanto assalariados esperam poder ser tratados com a merecida dignidade. Escusado será dizer que estou absolutamente do lado de quem espera o que merece. Tenho, porém, sérias dúvidas de um académico (e aqui incluo toda a gente de todas as áreas) dever ser tratado como um mero assalariado, que trabalhe para o Estado. E tratar bolseiros de doutoramento como funcionários públicos com direitos laborais é, além de um tremendo erro conceptual, um disparate pedagógico e um erro político inqualificável.
»

Infelizmente, não me parece que a visão lúcida do autor em relação às «Ciências» se mantenha quando trata das «Humanidades».

1 comentário:

  1. O artigo é curioso, embora não se compreenda bem o que é que o autor contrapõe, por exemplo, ao delírio de Gago. As humanidades pressionaram fortemente, na década de 90, no sentido de serem tratadas em pé de igualdade com as ciências. Gago fez-lhes a vontade com abundantes financiamentos no consulado de Guterres, e a coisa continuou por inércia. Agora que as vacas emagreceram para todos, não se podem queixar de se verem enredadas na bibliometria.

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